É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.

Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







5 de mar. de 2015

150 MIL VISITAS AO BLOG

Hoje o blog chegou a 150 mil visitas. É um estímulo para que eu continue a escrever tantas histórias. Aos leitores deixo o meu agradecimento. 

Diva Latívia ( Cláudia)

AMOR MATERNO

Dezoito anos, um metro e oitenta e nove de altura. O caçula cresceu, apesar do meu esforço para conservá-lo criança. Assim que tirou a carta de motorista, começou a sair com uma colega do cursinho pré-vestibular. Saiu uma, duas, dez vezes. Minha preocupação era múltipla: dos perigos da cidade grande aos acidentes de trânsito. A insônia me encontrou várias vezes, lá estava eu a lamentar a passagem do tempo. Quando o som da chave a girar na porta me abençoava, eu fingia dormir no sofá da sala e sossegava com seu beijo em minha testa: - Oi, Gorda, vá dormir! - Era assim que ele me chamava, apesar de eu ter emagrecido seis quilos desde o último verão.
Era sábado, fui ao supermercado, depois ao cabeleireiro. Levei o cãozinho ao petshop. Cheguei em casa carregada de compras e a imaginar o que cozinharia para o almoço de domingo. Lá estava ele, sentado no sofá e sem camisa. – Gorda, você pode passar minha camisa branca?
Deixei as compras de lado, o cachorro a mastigar a gravatinha que ganhou no petshop. Tudo por fazer e eu a passar caprichosamente a camisa branca. Saiu e ainda levou duzentos reais, bastou um sorriso e abri a carteira.
Outra noite longa, assisti a dois filmes, bebi três taças de vinho tinto, roí as unhas que tinha feito naquela tarde. Eram três da manhã quando ouvi risos e o som da chave a girar na porta. Fiz meu número: fingi estar dormindo.
Ao invés do beijo na testa, ganhei um cutucão no ombro: - Gorda, acorda, esta aqui é a Ju!
Ju era a tal garota. Magra feito um caniço, o nariz desproporcional ao tamanho do rosto. Sobrancelhas que, certamente, jamais haviam visto uma pinça. A saia era tão curta que, arrisco dizer: ela estava quase nua. E aqueles cabelos? Acho que aquela tonalidade de tinta se chama beterraba!
- Boa noite, Ju. Qual é mesmo seu nome?
- Ju!
Ju? Jurema, Judite, Julieta, jurupoca do raio que a parta!
- Filho, um pouquinho tarde, os pais da moça podem estar preocupados. Eu dirijo pra você, vamos levá-la pra casa, que tal?
Riram. Riram de mim, ou pra mim, e rumaram para o quarto. Observei aquela tatuagem indecifrável no braço dela. Uma estrela? Um cometa?
- Gorda, não me acorda, tá? Ah, arruma aí uma escova de dente pra Ju?
Aquela foi a noite mais longa da minha vida. Mais longa do que a noite em que ele nasceu de parto normal. SofrI dezoito horas, mas valeu a pena sofrer por amor. E lá estava ele, de porta trancada, com a esquisita da tal de Ju.
Dormi quando o dia estava amanhecendo. Acordei tarde, fui à cozinha. Encontrei minha frigideira preferida com o teflon arranhado e, pelos restos mortais, pude notar que prepararam ovos mexidos. Fogão sujo, pia suja. Um pesadelo, talvez? Continuei o tour pela casa. O banheiro todo molhado, uma toalha jogada no chão.
Bati à porta do quarto. Uma, duas, cinco vezes. Resolvi abrir. Ninguém no recinto. A cama por fazer, uma garrafa de refrigerante destampada, um pacote de batatas fritas vazio, copos sobre a escrivaninha e minha escova de cabelos ali, no meio da bagunça. Se tem algo que me tira do sério é esse tipo de ousadia. Aqueles fios vermelhos emaranhados nas cerdas da escova, aquilo fez meu sangue ferver.
Tomei a decisão. Assim que ele reapareceu, desta vez sem a Ju Beterraba, declarei: - A partir de amanhã você vai trabalhar.
- Ah, Gorda, quero não...
No dia seguinte meu caçula foi trabalhar na loja do avô. A Ju ainda apareceu umas duas, três vezes, sempre de madrugada. Um dia finalmente evaporou, não antes de mudar a cor dos cabelos para um tom quase azul: azul espanto!
Estava com a sensação de missão cumprida quando um ano mais tarde tocou a campainha de minha casa a dita cuja. Ju, com os cabelos em tom arroxeado, segurava no colo uma criança recém-nascida, cabelinhos loiros, olhinhos muito azuis. Convidei-a para entrar, ofereci um café. Precisava ver a cara de espanto da Ju Jabuticaba.
- Dona Gorda, eu...
Não aguentei: Meu nome não é Gorda e pra você eu sou doutora, Doutora Diva.
Acho que peguei pesado demais, ela ficou tão pálida e o bebezinho começou a chorar. Tentei consertar:
- Que bonitinho, de quem é a criança?
- É do seu filho.
- Que filho? Perguntei de quem é o bebê.
- O bebê é do seu filho, Dona... Doutora Gorda.
- O João Alberto mora na Europa.
- Não, o bebê é do Rick!
- Rick? José Henrique?
- Hã, hã!

Acordei neste hospital, acho que estava na UTI. Havia uns fios que me ligavam à maquina barulhenta atrás de mim. A luz incomodava meus olhos. – Gorda, fale comigo!
 Era José Henrique, meu caçula.
- Filho, eu tive uma alucinação. Tinha uma mulher horrível com os cabelos vermelhos que mudavam de cor.
Alguns dias depois, no quarto 678 do hospital, eu recebi a visita da sagrada família: meu filho, a Ju de cabelos loiros e o bebê. Assim que tiver alta vou arrumar um emprego pra Ju. Pensando bem, acho que vou arrumar uma viagem só de ida pra mim: há vagas em Marte!
Meninos nascem, crescem e frutificam. Mas tinha que ser assim, José Henrique?