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Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







30 de set. de 2011

CONFIANÇA, PEDACINHOS DE CRISTAL


Às vezes alguém se surpreende e revela seu espanto, comenta a quantidade de textos que escrevo sem compreender que tempo é mesmo questão de escolha e preferência. Assim ocorre comigo, que acordo muito cedo, ainda sonolenta preparo o café, enquanto a água esquenta ligo o computador. Ah, ela já acorda na internet? Não exatamente. Acordo escrevendo, cheia de ideias, com o desejo enorme de transformar o sonho que tive, a minha primeira impressão ao despertar, em um texto. Diariamente escrevo, nem sempre publico. Há alguns meses a velocidade da internet não está boa. A página do meu blog custa a carregar. Sem muita paciência e sem o tal do tempo, meu socorro é o Word, onde junto as letrinhas, uma a uma, ponto a ponto.
Nesta noite tive um sonho. Dormi profundamente, porém acordei cansada. Sonhei que estava em uma loja de cristais, cercada de taças finas, peças bonitas. Esbarrei em uma prateleira e tudo veio abaixo. Pude, então, observar um jogo de taças que possuo. Tudo quebrado em pedacinhos miúdos. Divo estendeu sua mão, pisávamos em caquinhos finos, meus pés machucados. Acordei exausta. Lembrei que confiança pode ser a explicação para o sonho que tive. Confiança se compara ao cristal, uma vez quebrada não tem mais conserto. Confiança em quem? Por quê? Não sei. Não entendo nada de sonhos, apesar de sonhá-los.
Xícara de café forte em minhas mãos. Tentei ligar a internet. Nada! Meu blog não carregava. O texto, eu o comecei a escrever ainda sentindo os pés cortados, impressão forte do sonho ou pesadelo desta última noite. Divo acordou, resmungou algo, acho que disse bom dia. Bom dia. Um dia feito mosaico, pedacinhos partidos que se reuniram. Vidas que se quebraram e se uniram uma à outra, para viver, sobreviver. Assim é o amor, ele se refaz, se fortalece, superação e desejo de felicidade. Pisamos em caquinhos de nossas vidas, demos as mãos um ao outro e saímos da loja de cristais, tudo partido, o coração partido. Nos ajudamos, nos salvamos. Voltar a confiar, essencial para o sucesso do atual relacionamento. E eu, que esqueci de beber o café, deixei a xícara sobre a mesinha lateral da sala. Café frio. Ri sozinha, quando escrevo esqueço tudo, o meu mundo é paralelo, mundo de letras, frases, narrativas. O mundo de Diva Latívia.

29 de set. de 2011

OLHA A GREVE AÍ, GENTE!


Se a moda pegar, do jeito que a tecnologia está avançada, qualquer dia desses o correio eletrônico também acordará fazendo greve. Nada de e-mails, até as reivindicações cibernéticas serem atendidas.
Há semanas não recebo uma única correspondência. Boletos bancários, entre outras missivas importantes, estão acumuladas, represadas, aguardando o final da greve dos Correios e a chegada do carteiro. Enquanto isso, o meu calvário é similar ao de outros tantos cidadãos brasileiros: preciso telefonar para os diversos prestadores de serviços para obter o código de barras da fatura que não recebi.
Há aqueles que reclamam ter recebido conta de luz, água, gás com atraso. Eu sequer as recebi. Resta saber quem vai arcar com tamanho prejuízo. Nada contra o exercício do direito de greve dos trabalhadores, mas prejudicar a população, isso é gravíssimo e imperdoável. Pagamos altos impostos, merecemos serviços bem prestados, eficientes, céleres. Quero pagar as minhas contas em dia!
Um dia, param os funcionários dos Correios. No outro dia, os bancários resolvem fazer greve e as agências dos bancos permanecem fechadas. Professores da rede pública de ensino fazem greve, nada de aulas. Os metroviários decidem paralisar seus trabalhos, esqueçam esse meio de transporte, idem os ônibus. E pra piorar, a saúde pública que, quando funciona é caótica, volta e meia também faz suas greves. Isso é, literalmente, de matar!
Melhores salários, melhores condições de trabalho. É justo. Injusto é ter que ir até à região da Avenida Paulista, no meu horário de almoço, em plena quinta-feira, dia de muito trabalho, para buscar no convênio médico o meu boleto de pagamento e ir pagá-lo em algum caixa eletrônico, torcendo pra que ainda funcione, afinal os bancários decidiram fazer greve. Isso sim, algo muito injusto. Enquanto isso, onde estarão os grevistas? Onde? Creio, não estão sem almoçar.
Fico indignada, um país sério é feito de gente séria, de cidadãos dispostos a oferecer seu trabalho em prol da comunidade. Não apenas visando salário, afinal somos trabalhadores e não mercenários. A finalidade é o bem comum. Que raio de comunidade é a nossa, na qual cada um pensa somente em si e que se danem os demais? Que raio de sociedade é esta?
Faço votos que os nobres trabalhadores dos Correios voltem logo ao trabalho, idem os nobres trabalhadores dos bancos. Que a entrega das correspondências, apesar do prejuízo causado à população, seja em breve normalizada. Que, daqui em diante, o trabalhador seja valorizado pelo serviço que presta, sem precisar parar de trabalhar para ter um reajuste salarial. Pura utopia, sei disso, vivemos em um mundo no qual o dinheiro é mais valorizado que o respeito ao próximo e a cidadania. Quem paga o pato sou eu, é você que leu meu texto. Pato caro, difícil de engolir.

27 de set. de 2011

IDEIAS DE UMA CENTOPEIA


Falta pouco pra que Divo e eu mudemos pra nossa nova casa. Olho ao redor, não sei dizer por onde começar. Muitos livros, muitos discos. Sim, discos de vinil, aquelas bolachonas antigas. Muita roupa, caixas, enfeites, fotos antigas, coisas que outrora guardava na minha casa. O novo espaço é moderno, confortável, mas é um apartamento. Apartamentos costumam ser compactos. Impossível fazer com que tudo aquilo o que temos em duplicidade caiba naqueles metros quadrados. Dois jogos de panelas, dois aparelhos de jantar, sei lá quantos cobertores e edredons, uma infinidade de copos e taças. Ah os meus sapatos. Toda vez que passo em frente a uma vitrine não resisto. Aliás, já me rendi à internet. Acho bonito, compro mesmo! Não contem pro Divo, mas já contabilizei os meus pares de calçados: 102. Não, vocês não leram errado. Tenho cento e dois pares de sapatos. Sandálias, botas, rasteirinhas, scarpins, tênis, pantufinhas, chinelinhos. Doei alguns, por isso esse resultado final. Antes, passava de 150. Deverão restar não mais que 30, ou terei que deixá-los em lugares inusitados, tais como debaixo da cama, por exemplo. Como dizia minha mãe, essa mania de colecionar sapatos é coisa de centopeia.
E eis que veio a ideia de adotarmos um filhote. Não, nada de criança! Isso está fora de questão, chegamos à idade de termos netinhos, ainda bem! Pensamos em um cachorrinho. Minha sugestão é que seja uma cadelinha. O nome ainda não escolhi, mas penso em algo do tipo Chiquinha Latívia. Espero que ela não roa os meus poucos sapatos que restarão. Será que ela, feito eu, vai apreciar um scarpin de bico fino? É... Pensando bem, vou logo providenciar um armário com uma boa tranca, pra evitar esse tipo de desgosto. Pra vocês verem que filhos dão trabalho mesmo antes de chegar. Chiquinha não é exceção!
Mudanças. Sempre bem-vindas, desde que para o bem. E lá vamos nós em breve. Novo cantinho, novas histórias. Disso virão muitos textos, mais personagens e novo ânimo desta blogueira que hoje precisava de umas férias. Férias? Ando pasma com esses sites de compras coletivas. Viagem pra NY, Cancun, Buenos Aires, tudo a preço de ... banana? E eu, que comprei bolsa Guess por um terço do preço de mercado, só me arrependi quando lembrei que tenho umas 40 bolsas e que terei que me desfazer de mais da metade. A Guess fica!
Diva deveria abrir um brechó: “Estilo de Diva”. De chapéu a colar, de luvas a lenços. E não é que isso é mesmo uma ótima ideia? Jeito bom de me livrar de mais da metade do meu acervo.
Termino o texto cheia de ideias, que bem cabem na metade do espaço. Boas ideias!

24 de set. de 2011

É HORA DE BRINCAR!


Até parece que ainda é criança! Não sei contabilizar quantas muitas vezes escutei e ainda escuto isso. Gosto de videogame, de desenhos animados, histórias em quadrinhos, contos de fadas e lamento não ter conservado nenhuma das minhas bonecas Barbie. Há muitos anos, quando meu filho ainda era criança, tive a felicidade de ir à Disney World. A emoção ainda guardo comigo, quase enlouqueci de felicidade quando vi à distância o castelo da Cinderela. O Magic Kingdom, se eu pudesse teria congelado o tempo naquele instante. Pra sempre meu garoto teria apenas nove anos e eu, no máximo, sete ou oito. As fotos, que revejo de vez em quando, me levam de volta ao lugar. Se puder, voltarei lá, pra experimentar a mesma emoção, ainda que desta vez seja acompanhada dos meus futuros netinhos.
Lamento muito que o canal da TV a cabo, Boomerang, tenha mudado a programação dos desenhos animados. A felicidade incomparável de voltar a assistir aos antigos desenhos de Zé Colmeia, o Leão da Montanha, Plic e Ploc e Chuvisco, Bibo Pai e Bob Filho. I see you later Wally Gator! Muita comida já queimou na panela, muito celular tocou sem que eu o atendesse. Tudo em prol da minha distraída viagem ao passado.
Um dia desses entrei em uma loja de brinquedos. Não precisava comprar nada, eu só queria brincar. A sessão de bonecas, pensei seriamente em comprar uma pra mim. E quem teria que saber, não é mesmo? Santa terapia, ao invés de me estressar com o noticiário da TV, brincaria de casinha, eu seria a mamãe, Divo seria o papai. Loucos, talvez, mas o nosso único temor seria a bruxa malvada, ou algum bicho papão escondido por aí. Isso me faz lembrar um dos meus irmãos, o Zeca. Assustado aos cinco, seis anos de idade, revelou a causa dos seus medos : sei que monstros não existem, mas tem um monstro debaixo da minha cama! Ah, quem nos dera os monstros não fossem substituídos jamais. Aqueles monstros debaixo da cama deram lugar a outros monstrinhos, esses de carne e osso.
Por que tivemos que crescer? Certo estava Peter Pan, que viveu feliz pra sempre na Terra do Nunca, garoto eternamente. E eu, com meu complexo de Wendy, brinquei por um período incalculável com os personagens dos Muppets, em um doodle do Google, em homenagem ao criador desses incríveis bichinhos, Jim Henson. Vale a pena conferir, os personagens se movem, de acordo com o clic do mouse. Está lá nesta data, quando Jim celebraria 75 anos de vida. É hora de brincar, é hora de sorrir. Ser criança independe da idade, isso é estado de alma. Não quero crescer, eu me recuso a ser mais adulta do que revela o meu RG!

23 de set. de 2011

É PÊNALTI!!!


Sabem aquela narrativa frenética do locutor esportivo da TV? Aquele lá, o narrador do futebol! Fala dez palavras por segundo. Algo mais ou menos assim: Talarico passa a bola pra Nestorzinho, Nestorzinho passa a bola pra Sinfrônio, Sinfrônio chuta, é agora, é agora, é agora... Pra foraaaaaaaaaa... O que é isso seu juiz?
Se observarmos todo esse movimento com o som do televisor desligado, poderemos ver que um jogador chutou calmamente a bola pra frente, por sua vez a bola caiu aos pés do jogador seguinte que, sem qualquer esforço, simplesmente chutou pra outro, e este mandou a bola pro lado que tinha que ir, ou seja, na direção do gol. Problema de mira, talvez, a bola foi parar a dez metros do gol e o juiz, que tem mais é que usar aquele apito, fez sua parte e apitou. Agora eu lhes pergunto: pra quê tamanho escarcéu se é apenas uma série de chutes na direção do gol? Quem escuta um jogo de futebol imagina que a animação é tanta que só falta entrar em campo uma escola de samba, ou algo assim. Monótono, pra quem não curte o jogo é absurdamente chato um jogo de futebol. Ainda mais com aquele cara falando sem parar.
Estava em casa à noite, se não me engano na quarta-feira. A transmissão de um jogo que é considerado um clássico futebolístico. Dois times rivais de São Paulo. Divo sentado ao meu lado. Ou melhor, pulando ao meu lado. Gritava, xingava, reclamava sem parar. Tentei observá-lo . Louco, talvez? Parecia doido. Aliás, todo homem que gosta de futebol parece maluco diante do televisor quando assiste a esses eventos. Pensei na pressão alta do meu amado. Buscou uma cervejinha, duas. Derramou metade no tapete da sala quando pulou imaginando que a bola, lançada em direção ao gol, fosse acertar o alvo. Instantes depois engasgou-se com o amendoim, tossia e xingava. Fui dar generosos tapinhas em suas costas, para desengasgá-lo. Quase me esganou, no mesmo tom de sua torcida berrou: agora nãoooo, saiiiiii!!! Foi assim que desviou o olhar do televisor, olhou furioso pra mim. Perdeu um daqueles lances sem graça do jogo. E o jogador chutou mal, errou, a bola passou por cima da trave e partiu. Pra onde? Nem sei.
O que sei dizer é que naquela noite eu fui me deitar sozinha. Fui pro quarto sem ser notada, ouvindo urros, resmungos, todo tipo de palavrão. Divo estava irreconhecível. Terminado o jogo, veio deitar-se. Quieto, em silêncio. Deitou-se e rapidamente dormiu. E eu, com dor de cabeça, quase surda, custei a dormir. No dia seguinte descobri o resultado do jogo: 0 X 0, ou seja, nada, coisa alguma, nulo. E todo aquele escândalo serviu pra quê? Do locutor aos comentaristas, passando por Divo. Sem gols. Não entendo, como aquilo pode ter graça? Divo acordou bonzinho, tranquilo, aparentemente tinha voltado ao normal. Gente, será que torcedor de futebol é bipolar?
Pra piorar, agora tem jogo a toda hora. Sábado à noite, domingo às 18h00. Já tive que me conformar com o seguinte absurdo: não vamos sair porque o meu time vai jogar. Meninas, dá uma vontade daquelas de chutar a televisão em direção à janela. Aí sim, um gol de placa. Algo pra ser comemorado com um grito de GOOOOOLLLLLLLLLLLLL!!!! Pena que, se eu fizer isso, serei expulsa de campo, tomarei um cartão vermelho. Por isso mesmo, quando agora começar um novo jogo, usarei fones de ouvido. Vou escutar música, sairei pra dar uma volta. Suportarei tudo, menos escutar Malvão Crueno, o locutor, falar trocentas palavras por minuto, acompanhado de Divo berrando sem parar. Futebol a toda hora, isso mulher nenhuma merece!

NOVAMENTE A PRIMAVERA


Ela vai, ela vem, ela volta. Eis que chegou outra vez a primavera. Seu regresso foi anunciado há algumas semanas pela cantoria dos passarinhos, há tempos carregando gravetos e folhinhas para construir seus ninhos. Observei logo cedo o esforço de um sabiá laranjeira levando em seu bico um galho de pitangueira.
Há um ano ganhei um vasinho de orquídea. Branca, rajadinha de lilás. Simples e bela. Divo, na época namorado recente, trouxe a delicada plantinha envolta em papel de presente. Interessante isso, nem sempre as plantas sobrevivem tanto tempo. Algo parecido com os namoros, os relacionamentos amorosos em geral. Nem todos vivenciam duas primaveras. E lá está a minha orquídea, aniversariando, florida e com muitos botões por abrir.
Primavera lembra esperança, romantismo perfumado, a delicadeza das pétalas das flores. Um ciclo de nosso tempo, o renascimento. Que seja assim, que floresça no coração de cada um a renovação da vida, o colorido dos sonhos que se tornam realidade. Feliz primavera!

22 de set. de 2011

O DOMINGO QUE NUNCA SONHEI


Domingo ensolarado, mas que coisa boa! Pensei na programação: um passeio no parque, depois suco de acerola na barraquinha, voltar pra casa e tomar um longo banho, ir depois pra casa de Sogra Latívia. Já tinha calçado o tênis quando Divo me interrompeu: vamos ao supermercado! Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Lá fomos nós pra um hipermercado atacadista. Longe, em plena Marginal Tietê. No caminho, tratei de abrir a janela do carro e respirar aquele gás carbônico dos veículos, misturado com o odor do rio Tietê.
Eis que começou o martírio do meu último domingo. Compras realizadas, voltamos pro carro. Calor, um dia digno de um passeio na Serra do Tereré, algo bucólico e romântico. Admirei os caminhões trafegando pela marginal. Devo ter suspirado resignada, porque tossi. Prontos para zarpar rumo à casa da sogra. Lá íamos nós! Chave do carro no contato... E nada! O carro parecia estar desmaiado. Pensei: liga, desgraçado! Nem sinal de vida. Decidimos chamar o socorro mecânico. Esse tipo de serviço promete ajuda prestativa, se nada puder ser feito, o carro deverá ser guinchado. Certo? Não foi assim. Portanto, a resposta é: errado!
Chegou o motociclista- mecânico, trouxe a parafernália que prometia nos salvar. A bateria foi recarregada. Carro funcionando, entramos na Marginal Tietê. Rodamos menos de um quilômetro e, novamente, o carro parou. Tenta ligar, tenta, tenta! Pensei em um palavrão. Que raiva, passou por nós um desses carrões importados, havia bicicletas presas em um suporte. Aquela gente sim, eles estavam curtindo o domingo. Já nós dois... Lá estávamos, parados na pista, atrapalhando o trânsito, praticamente encalhados no asfalto. Nova ligação para o socorro mecânico. Meia hora de espera, chegou o mesmo mecânico motociclista. A operação foi repetida, a bateria deveria ter recarregado, mas o carro não deu sinal de vida. Diagnóstico: não havia solução, o guincho deveria ser chamado. Porém, esses seguros são um fiasco. Não enviaram o guincho, ficamos muito tempo ali, parados, prato cheio para sermos assaltados.
A janela do carro estava aberta, o vidro elétrico não funcionava. As compras estavam derretendo, descongelando e murchando sob o sol causticante. Táxi, nem pensar. O jeito seria um de nós sair a pé, encontrar uma avenida próxima, tentar encontrar o tal do táxi, ir a algum lugar onde vendessem uma nova bateria. Precisávamos ainda de uma tal de chave 10, para trocar a danada da dita cuja.
A decisão foi a seguinte: Divo iria comprar o artefato e eu ficaria ali, dentro do carro, atolada, sob o sol, esperando a sua volta. Juro, a dor de barriga nem havia ainda dado sinal. Demorou exatos quinze minutos para minha barriga emitir um som mais ou menos assim: brrrruuummmmm... Decidi rezar: Por favor, tudo menos isso, aqui não tem banheiro, não tem matinho, não tem lugar! Parecia uma revolução, lembrei do leite com mamão que bebi no café da manhã. Suava gelado. Que pena, o ar condicionado não funcionava. Fiz uma promessa: se eu não me cagar, irei à igreja acender uma vela para as almas do purgatório. Purgatório? Lembrei! Eu tinha tomado um comprimido de laxante na noite anterior. Estava perdida, como segurar a situação? Impossível.
Quarenta minutos mais tarde, chegou Divo. Suado, danado, carregando uma chave 10 e uma bateria. Tirou a velha, colocou a nova. Entrou no carro. Olhou-me apalermado. Não podia acreditar. Que culpa tive eu, se não pude segurar? As compras derretidas, creio que o presunto estragou. E eu precisava de um banho, roupas limpas, tudo menos o que escutei da boca daquele que deveria me oferecer amor e proteção: vamos pra casa da minha mãe.
Mãe? A mãe dele é a minha sogra. Chegar naquela casa no estado que eu estava, isso poderia significar eterna humilhação. Chorei, não podia espernear, senão a coisa iria se espalhar. Ameacei, gritei, falei uns nomes impublicáveis. Por fim, ele pegou uma daquelas pontes da marginal e fez o retorno, rumo à nossa casa.
Chegamos sem conversar, aliás a situação estava digna de prender a respiração. Estacionamos o carro na garagem. Descer do carro, outra complicação. Divo subiu até o apartamento, pegou pra mim uma toalha de banho, a minha preferida. Que judiação! Escolheu um sobretudo, aquele que eu trouxe de NY! Fiz o melhor que pude, os sapatos faziam um som assim: chéc, chéc. Lembrei de um certo dizer: já que escorreu, mexa os dedinhos. Realmente, estava quentinho.
Pegamos o elevador. Aquela chata do oitavo andar entrou no meio do caminho. Olhava pra mim, olhava pra Divo. Juro, fiz cara de paisagem.
A sogra não perdoou o furo, não fomos ao almoço programado. Eis aqui a explicação. Almoçamos hambúrguer descongelado, sem muito conversar. Hoje, telefonou a seguradora, pra saber o meu grau de satisfação com o atendimento do socorro mecânico. Não me contive: cara senhora, ficamos parados na Marginal, sem guincho. Eu passei mal, quase morri! Estragou a comida, estragou meu sobretudo, estragou o meu sapatinho de camurça e estragou o meu domingo. Quis saber o que eu era de Divo. – Esposa, por que?
Foi assim que descobri que casei com Divo Latívio, em um domingo nada cheiroso na Marginal. Tudo tão diferente do que sempre sonhei, mas com a certeza de que comecei com o pé direito... Fazendo chéc, chéc, chéc....

UMA PRECE PARA MEU IRMÃO


Ao leitor peço uma prece. Chegou aqui? Eu te peço que eleve seu pensamento a Deus, Aquele que aquece seu coração e sua alma diariamente. Para que eu enfrente este instante com coragem e fé, sem esmorecer, sem curvar-me às provações que parecem infindáveis. Para que o meu sorriso, que se derrama quase todos os dias neste blog, não seja encoberto pela sombra da dúvida, do medo e da impotência diante da dor. O tempo passa, aprendemos a lutar contra o mal, a não dobrar-nos às dificuldades muitas. Isso é viver. O meu gourmet favorito – o link de seu blog seguirá abaixo deste texto - é um exemplo que admiro, respeito e amo profundamente. O meu irmão mais novo, Flávio. Câncer, doença que levou nossos pais, que hoje o maltrata, que risca em nosso céu raios de tristeza, angústia, esperança, fé, tudo isso misturado, embaralhado. Ele precisa da Cura, algo que escapa das mãos de médicos competentes, mas que são homens, seres humanos comuns. A ciência, creio que Deus guia as mãos dos bons profissionais de saúde. Médicos, enfermeiros, físicos, fisioterapeutas, gente que oferece seu tempo, sua energia, a favor do bem de todos nós. Ao leitor peço uma prece. Não precisa ter um santo, nem uma religião. Apenas olhe pro Céu, lá está a resposta a todas essas perguntas que me faço agora e lá está a nossa redenção.
Flávio, meu irmão, um escritor sensível, inteligente. O seu blog, dedicado à gastronomia, extrapolou o tema e contém reflexões, experiências, traços do momento que enfrenta. Indico esse blog a você que gosta de ler. Eis o link: www.tropecosdeumgourmet.wordpress.com

19 de set. de 2011

SOMOS UM!


Enquanto almoço, deixo o notebook ligado. Irresistível, alimento o corpo e a alma ao mesmo tempo. Escrevo um bocadinho, isso alivia a segunda-feira, dá novo ânimo, devolve o meu sorriso. Derramo o olhar sobre meus e-mails. Lá, palavras de um irmão, nossas confidências.
Flávio com dor, o câncer dói, o coração se quebra em infinitas partículas de lembranças felizes da meninice, da inocência de um faz de conta amarelado pelo tempo. Empurro o prato de comida, perco o apetite. A fome é de felicidade. Vou à janela e observo o dia ensolarado. Sopra uma brisa friazinha. O céu está azul, lá estão os que me inspiram, os que sopram textos que escrevo. Será longe?
Fecho os olhos e volto ao quintal de nossa casa, viajo ao passado. O belo casarão cor-de-rosa em Moema. Oito, nove anos de idade. Meus irmãos ainda pequenos, as roupas penduradas no varal. O aroma de bolo extrapola a cozinha e nos alcança. O mesmo céu azul. Encontrei um esconderijo, ali estamos sãos e salvos. Seguro as mãozinhas do Flávio, acho que ele tem quatro anos de idade. Maninho, eu vou cuidar de você. Desperto. Atrasada, outro compromisso no trabalho. Releio o e-mail e o respondo apressadamente. Ele vai ficar bem, ele vai se curar. Temos o nosso quintal, as nossas lembranças, a casa cor-de-rosa. Somos um. Nós somos um.

PAIS, O MODELO DE SEUS FILHOS

O vídeo que segue abaixo é contundente. Filhos, espelho de seus pais. Os exemplos que seguem, o futuro que os espera, isso depende muito das atitudes do pai, da mãe, dos adultos que os educam. Este vídeo vem da Austrália, uma campanha da National Association for Prevention of Child Abuse and Neglect( NAPCAN). Compartilho com vocês.

15 de set. de 2011

A MACUMBA DE TERÇA-FEIRA


Naquele dia ensolarado, dia bonito que seria ainda mais belo se não fosse uma terça-feira, eu estava na correria entre o trabalho e os afazeres domésticos. Divo tinha ido pro trabalho, eu precisava deixar a casa meio em ordem e seguir depressa pro escritório. Antes, parei na casa da Juraci, uma vizinha fofoqueira que prepara doces e bolos, quis fazer uma encomenda pro final de semana. Ela tinha acabado de preparar um café, aceitei o convite para entrar em sua casa. Quando vi o colar sobre a mesa, aquele patuá com figa, olho de tigre, ferradura, achei tão bonitinho. Mais do que depressa, ela me ofereceu de presente. Não queria aceitar, mas ela insistiu tanto que, pra mostrar o quanto fiquei agradecida, eu o coloquei no meu pescoço. E fui embora pro trabalho.
Já tiveram uma terça-feira negra? Pois começa aqui a história de um dia que prefiro riscar pra sempre do meu caderninho. Assim que entrei no escritório, meu chefe, Dr. Armando, estava furioso, mas tão bravo comigo que mal pude reconhecê-lo. Normalmente, ele é amável e paciente. Estava transtornado, não sabia onde estava o carregador de seu celular. Por engano, eu havia levado o carregador pra minha casa, dentro de minha bolsa. Isso quase custou o meu emprego, jamais vi aquele homem tão zangado. Tentei contornar, do jeito que pude. O clima ficou tenso, eu fiquei tensa. Que terça-feira foi aquela!
Quando voltei pra casa, tentando voltar pra Terra, encontrei Divo. Outro transtornado, inconformado. Procurava o chip de seu celular, pois fez migração pra outra operadora e o chip novo ele não encontrava. Procura, procura, procura. E eis que o chip também estava dentro da minha bolsa. Já tinha visto Divo do avesso, mas não daquele modo. Brigamos.
Dentro da minha bolsa cabe quase tudo. Aliás, ali dentro tem de tudo, menos dinheiro. Já fui batizada pela turma do escritório de “Capitão Caverna”. Desconsolada, chorando sem parar, resolvi tomar um banho. E eis que parei na frente do espelho e observei aquele colar, o tal de patuá. Macumba. Só podia ser macumba! Peguei o colar e guardei dentro de um saco plástico.
No dia seguinte, Divo e eu sem nos falarmos, fui direto até à Avenida Marginal. Parei em uma ponte sobre o rio Pinheiros, os carros buzinando. Encostei no parapeito e, quando eu ia jogando no rio o colar macumbado, afinal dizem que essas coisas a gente tem que jogar em um rio, um sujeito parou o carro ao meu lado e gritou: - moça, pelo amor de Deus, não se jogue, calma, vamos conversar.
E eu, que só queria mandar o colar pro raio que o partisse, ou melhor, atirar o colar na água, ainda tive que explicar pro homem que aquilo não era uma tentativa de suicídio, apenas era operação de descarrego. Por fim, trouxe o colar de volta pra casa e joguei na lixeira.
Quando Divo voltou do trabalho, ainda sem falar comigo, fiquei pensando na bobagem que eu tinha feito. Se o colar estava macumbado, o certo era mesmo jogá-lo em água corrente. Fui até a lixeira, entre sacos de lixo e caixas de papelão consegui resgatá-lo. Discretamente, fui até o banheiro, joguei o colar no vaso sanitário e dei descarga. Pois não é que a privada entupiu? Pior, aquele monte de água subindo, transbordando e eu com medo que Divo descobrisse o mal feito.
Resolvi pegar o desentupidor de pia. Meti as mãos naquela água nada límpida e tentei puxar o colar. Dez minutos depois, Divo bateu na porta do banheiro. – Diva, o que está acontecendo? E eu, preparada pra me ferrar de vez, pedi uns minutinhos, disse que estava com dor de barriga. Tive uma ideia, peguei um pente de cabelo, com o cabo tentei puxar o colar. O pente também foi parar dentro do vaso. Aí não tinha mais jeito, precisei chamar o Divo.
Ele não conseguiu resolver, quem consertou o estrago foi o porteiro do prédio, o Severino. Teve que tirar o vaso sanitário do chão, foi uma bagunça enorme que aconteceu pra remover o colar e o pente entalados no encanamento.
Quando vi o colar, aquilo me deu até arrepio. Já tinha feito quase tudo pra me livrar dele, sem conseguir. E eis que tive outra ideia: me livrar do colar em algum bueiro por aí. E foi o que eu fiz, parei na esquina, o maior bueirão dando sopa. Joguei lá dentro, sem olhar pra trás. Ainda fiz o sinal da cruz.
Divo continua sem falar comigo, o motivo agora é que eu atiro objetos estranhos dentro da privada. Mal sabe ele que, tudo o que eu queria, era mandar a falta de sorte pelo esgoto.
Quem merece uma terça-feira igual aquela? Quem? Ainda acho que eu deveria ter jogado o colar no rio Pinheiros.

9 de set. de 2011

O RESGATE DO CARANGUEJO


Na panela aqueles bichos que lembraram não apenas o passado, mas também o quanto eu tenho pavor de tudo quanto é bicho que pica, morde e rasteja. Caranguejos, quem merece isso? Foi um custo cozinhá-los, eu ali, na porta da cozinha, aflita e preparada pra sair correndo, em caso de emergência.
Voltei ao passado. Vovô e Vovó me levaram até Santos, litoral paulista. Na estrada compraram caranguejos. Sei lá o que dava na cabeça daquela gente de antigamente. Deixaram os bichos ao meu lado, sentadinha no banco de trás do carro. Os bichos escaparam, começaram a fazer excursão pelo veículo. E eu, divinamente exagerada, dei um show escandaloso. Gritei, pulei, quase me atirei pela janela do carro em movimento. Socorro! Pega! Mata!
Minha lembrança seguinte é aquelas coisas querendo escapar da panela, a cozinheira jogando os infelizes ainda vivos na água fervente, eles ficando com a cor avermelhada. A Mami brava, me mandando parar de chorar. Os bichos dentro do prato, a família feliz e reunida, indiferente à tortura e morte dos pobres animaizinhos. E eu, horrorizada, fui obrigada a comer tudinho.
Lá estava Divo, cozinhando caranguejos. Sim, eles ainda meio vivos. Resolvi salvá-los. Divo deu as costas, eu peguei uma colher de pau e a lancei para as vítimas, na esperança de resgatá-las. E não é que um deles se agarrou à boia, digo, à colher? Que maravilha, como eu sou altruísta. Tirei o caranguejo da panela e não sabia o que fazer com ele. Deixei sobre a pia. Meio morto, meio vivo. Vai bichinho, vai embora! Embora pra onde? Estávamos no oitavo andar de um edifício, em plena cidade de São Paulo.
Caminhou trôpego até a pontinha da pia e... Plóft! Caiu no chão. Mais do que depressa, fugi pra sala. Nesse exato momento, Divo voltou pra cozinha, envolto na mais santa ignorância dos fatos. Chinelinho de dedo, distraído e ocupado com os caranguejos a cozinhar. O fugitivo lá, encostadinho em seu pé, suas garrinhas afiadas a postos, preparadas para o ataque. E eu, sem saber o que fazer ou dizer, estava paralisada a metros de distância.
- Diva, amor, pode vir aqui?
Ir até lá, pertinho do perigo. Se fosse, gritaria apavorada. Se ficasse,quem gritaria seria Divo, que anda mimado e não sabe escutar o meu “não”. Ir ou não ir, eis a questão. Fui. O caranguejo andou de ladinho, ao menos se afastou dos pés de Divo.
- Diva, o que há com você? Está tudo bem?
- Hã... Claro!
Acho, eu estava visivelmente assustada. Meu olhar foi delator, mirei o bichinho, que já tinha saído da cozinha rumo ao corredor de acesso aos quartos.
Começou então a caça ao caranguejo. Correu sobre o tapete, entrou no quarto de casal. Desviou de um par de chinelos, subiu na pontinha do edredom que se arrastava no chão. Preferi fechar os olhos, creio que eu estava gritando enlouquecida. Fugi de volta pra cozinha. Divo, armado com uma vassoura, em instantes, voltou com o seu troféu: o caranguejo novamente capturado.
Triste fim, foi pra panela. Divo, excelente cozinheiro. Moqueca preparada com capricho e dedicação. E eu, quase vegetariana, não consegui saborear o prato. Solidariedade ao amiguinho que terminou  cozido.
Amanhã, sábado. Prefiro nem pensar nisso. No cardápio, anunciado por Divo, ostras. Nunca comi, mas já assisti à degustação. Meu paladar, quase infantil, contenta-se com arroz, feijão, bife bem passado e batatas fritas. Ainda bem que ostras não fogem, nem correm. Ainda bem!



6 de set. de 2011

BOCÃO!


Olhei pro espelho, olhei e olhei. Crítica, severa. Chata, pra dizer o mínimo. Arranquei aquele fiozinho de cabelo branco. Haja tinta! Aja, tinta! Que droga, os cabelos brancos brotam feito mato, por mais que eu corra pro salão do cabeleireiro. Continuei a inspeção, desta vez meu olhar derramou-se sobre as ruguinhas ao redor dos olhos. Aquela receitinha caseira da rodelinha de pepino, lembrei disso. Fui até à cozinha, peguei o tal do pepino, o legume, evidentemente. Fatiei em rodelas bem fininhas. Fui até à sala, liguei o som em uma rádio FM que tocava música suave. Acomodei-me entre as almofadas do sofá. Lá estava eu, rodelas de pepino sobre os olhos, pensando em nada e escutando algo ao estilo Frank Sinatra. Tocou o celular. Tocou, tocou e tocou. Removi as rodelas de pepino dos olhos, busquei o aparelho dentro da bolsa. Parou de tocar. Algum número não identificável. Estava assim registrado na lista de chamadas perdidas: número desconhecido.
Voltei ao sofá, novamente acomodei as fatias de pepino sobre meus olhos. Creio, adormeci. Sonhei com George Clooney e o tapete vermelho do Oscar. Eu, cheia de glamour, de braços dados com o bonitão. Novamente o celular tocou, literalmente puxou o meu tapete. De novo um número não identificado. Atendi.
- Alô! Diva Latívia?
Esforcei-me para ser educada. – Sim, pois não, quem é?
- É da operadora de celular Lógico! Nosso programa, de mil e trocentos minutos de ligação gratuita para outro celular de nossa operadora, está muito interessante. A senhora, nossa cliente preferencial, automaticamente também recebeu um bônus de mil e sei lá quantos minutos para ligar para qualquer fixo no estado de São Paulo. Concorda com essa inclusão?
Meio sonolenta, os pepinos entre as mãos, melecando o aparelho de celular. A música que tocava era orquestrada, algo sob medida para dançar, tal e qual Ginger Rogers. Aquela sim, uma diva da época em que celular era ficção científica e nada mais.
- Não estou interessada.
- Senhora Diva, nosso plano de mil e trocentos minutos de ligação gratuita para qualquer celular de nossa operadora Lógico, mais a promoção de mil e sei lá quantos minutos para qualquer fixo no estado de São Paulo proporcionará à senhora, nossa cliente preferencial, uma economia de cem reais em sua conta mensal. Basta que a senhora concorde e, imediatamente, “estará sendo” beneficiada pela nossa promoção.
- Desculpe, eu estou ocupada.
- Senhora, podemos “estar ligando” em outro horário de sua preferência.
- Entendo, mas agora não posso mais falar.
- Pois não, senhora. Ligarei mais tarde.
Ufa, lá se foi a mala sem zíper, sem rodinha. Que chatice essas operadoras de celular!
Continuei meu ritual, pepinos sobre os olhos, música lenta. Não mais consegui encontrar George Clooney. Ah, quem me dera voltar pro mesmo sonho!
Voltei ao espelho. Notei uma leve penugenzinha loira sobre meus lábios. Com mulher de bigode, nem o diabo pode. Certo? Errado. Aquilo precisava ser imediatamente removido. Busquei aquele creme de depilação, aquele que comprei da Isis recentemente. Abri, mais ou menos li as instruções. Passei uma quantidade farta sobre os lábios. Esperei dez minutos, sem me importar sequer com o que dizia o rótulo do produto. Removi após esse tempo. Meio avermelhado o meu rosto, mas a minha pele é sensível. Fiz um lanchinho, vim ao computador cuidar do blog. Nem sei quanto tempo passou. Quando novamente fui ao espelho, minha boca havia inchado tanto que se parecia com a boca da Angelina Jolie. Beiçuda, bocuda! Continuou inchando sem parar. Resolvi pedir socorro ao médico. Telefonei. – Doutor, passei um creme depilatório no rosto, minha boca não para de inchar! – Diva, qual é o nome desse creme?
Fui até o banheiro procurar. Abaixei, revirei tudo no armário sob a pia. Enfim, achei. Voltei com a embalagem em mãos. Diz aqui: “gel lubrificante para motores”.
Quase engasguei. Como que era mesmo? Li de novo. Era aquilo mesmo, um gel lubrificante para motores de carros. Aquilo estava dentro da embalagem do creme depilatório!
O médico quase se matou de rir. Como pode um médico fazer isso com uma paciente com a boca da Angelina Jolie? Receitou um antialérgico e pediu que eu observasse a melhora, em caso contrário deveria ir ao pronto-socorro.
Já medicada, fiquei esperando por Divo Latívio, sentada na sala. Bocuda e furiosa. Eu parecia um índio esperando o cara-pálida. Um índio pele vermelha, daqueles que penduram badulaques enormes nos lábios.
Quando ele entrou em casa, eu estava cega de ódio. Quem havia colocado aquele gel para lubrificar peças de automóveis, dentro da caixinha do meu creme depilatório?
Jurou de pés juntos que não tinha sido ele. Notei que, vez ou outra, evitava olhar pra mim. Estava com vontade de rir, sei que estava rindo por dentro, se divertindo com a minha tragédia.
Suspeito número um eliminado. Restava a única suspeita: Zezé, minha valiosa ajudante do lar.
No dia seguinte, oito horas da manhã, Zezé chegou em casa. Contente, cantarolando. Resolvi ir direto ao assunto.
- Zezé, você guardou um tubinho dentro desta caixa aqui? Mostrei a ela a embalagem.
Fez cara de choro. –ô dona Diva, não fala assim comigo não, que sou direita, sou boa e nunca mexi em nada da senhora. Sou humilde, sou limpinha. Fez um discurso interminável, de dar dó.
Os dois suspeitos se recusaram a colaborar. Nenhum dos dois assumiu a culpa. Tudo o que sei é que hoje, cinco dias depois, meu rosto ainda está um pouco avermelhado e a boca continua parecida com a da Angelina Jolie. Acho, descobri algo mais eficaz que botóx e preenchimento. Para ficar bocuda, nada melhor que gel lubrificante automotivo. É tiro e queda! Passou, inchou.

ESTIAGEM CRIATIVA


Logo cedo, ao escovar os dentes, espremi o finalzinho do tubo de creme dental. Sabem aquele restinho de pasta de dente que, pra cair na escova, é preciso torcer o tubinho de pasta? Imediatamente lembre–me deste blog, dos meus textos. Não sei se existe um estudo científico sério, que mereça credibilidade, algo que estude seriamente o motivo do vai e vem da inspiração. Ela vem, jorra textos aos borbotões, parece que nunca mais irá embora e que, em breve, poderei publicar um best seller de sucesso. De repente, quando menos espero, some. Some e não aparece durante dias, às vezes durante várias semanas.
Eu, que tenho este blog, preciso espremer minhas ideias, feito o tubinho de pasta de dente. Cai um pouquinho no teclado, tento aproveitar uma frase aqui, outra acolá. Leio, releio, deleto. Resmungo em voz alta: assim não dá! Quando menos espero, a inspiração dá um sinalzinho de vida e sopra qualquer coisa em meus ouvidos, cato migalhinhas, lambo os dedos, tento aproveitar cada gotinha nesta temporária estiagem criativa. Eis o texto, leve, letrinhas torcidas na marra, para formar frases. Fase que se assemelha a uma gestação. Tudo observo. Aos poucos, lentamente, as emoções que agora me calam, percorrerão meus sentidos e se derramarão em forma de palavras. A mim, resta esperar.

2 de set. de 2011

PAPO DE MULHER


Perdi o sono de madrugada. Chá de camomila, leite morno, nada parecia resolver o problema. Quando isso acontece, evito ligar o notebook, pois jogar paciência é o meu vício. Mais perco do que ganho, isso me irrita. Liguei o abajur da sala, busquei uma manta quentinha, ajeitei as almofadas no sofá. Havia duas opções: ler ou ligar o televisor. A primeira alternativa, devido à recuperação de uma cirurgia recente nos olhos, pareceu inadequada. Controle remoto em mãos, fui trocando os canais da TV a cabo. Muita porcaria na programação, de filmes pornôs a leilão de gado. E eis que parei em um filme. Passei três anos da vida sem quase assisti-los. Minha mãe, na época muito doente, era o meu foco principal, não havia tempo pra quase nada. Às vezes, quando assisto algo que considero novo, as pessoas se surpreendem. Por exemplo, os últimos filmes de Harry Potter, de quem sou fã. E foi esse o caso, passava na televisão o filme “Garota da Vitrine”, um filme de três ou quatro anos atrás. Atenta, o tema pareceu muito interessante. Adormeci antes da mocinha mandar o mocinho para aquele lugar. Soube que o final foi assim, pois uma amiga generosamente me contou o desfecho da trama. O tema desse filme é o relacionamento casual, o desencontro das intenções amorosas, a paixão. Talvez, vocês tenham assistido. Pra quem não viu, acho que vez ou outra vai ao ar no Telecine.
Aquele filme, no dia seguinte, me deixou a pensar na vida. É comum que homens recém-separados encantem-se com uma nova mulher. Comum que mulheres se encantem com homens mais velhos. Mais comum ainda alguns homens não assumirem qualquer tipo de compromisso, afinal acabaram de sair de um ônibus lotado: o casamento, ou um namoro sério. Pior ainda, tem aqueles que se dizem separados, mas estão apenas traindo a esposa, a namorada. Há os que brigaram com a amada e estão dando um tempinho no relacionamento. Ainda de luto, apesar de negarem essa condição até sob tortura, eles precisam encontrar alguém que faça curativo em seu coração dodói. Há aqueles que querem mesmo é curtir, precisam lustrar sua cara-de-pau, vulgo ego. Eis que surge a versão mais moderna e branda do “lobo mau”. No filme, o lobo mau é interpretado por Steve Martin. Coroa simpático, boa presença, cheio de charme, com grana no bolso. Paga jantar, tem casa bonita, paga viagem pra NY. Tudo de bom, não é mesmo? Nem tanto. Ela se apaixona, ele fica todo confuso. E ele transa com outra, afinal não tem compromisso, não deve fidelidade ou exclusividade à mocinha. É o próprio galo velho dentro de um galinheiro.
É duro quando alguém escuta o seguinte: você se envolveu comigo porque quis, eu não te prometi nada. Alguém já ouviu algo assim? Isso é chavão desses tiozinhos de meia-idade. Vamos com calma, esse é outro slogan bastante utilizado. E as desculpas para desvencilhar-se dessa nova mulher são infindáveis. Viagens, doenças, problemas criativos e variados. Por fim, um dia ele simplesmente diz: adeus. Ou pior: some!
Nessa história, a Garota da Vitrine, ela foi mais rápida no gatilho, foi ela quem o dispensou. E eu, quando soube disso dois dias depois de ver o filme, vibrei de alegria. Isso mesmo! Um bom exemplo, assim deveriam agir todas as mulheres que servem de band-aid para esses desencontrados, perdidos, que apenas buscam passatempo ou cura para sua dor de cotovelo.
Nada contra quem se propõe a um relacionamento casual. A questão é outra. Tem quem entre em um relacionamento sabendo seduzir, quem ofereça algo verdadeiramente bom, adquira a confiança da mulher e, de repente, pule fora, porque não está mesmo a fim de se envolver, não quer compromisso. Canalha? Muitas vezes, sim!
Assisto a esse filme fora da televisão. Muitos relatos chegam por e-mail. Além disso, a estrada até chegar ao meu Divo Latívio foi íngreme. Esse tipo de coroa bonitão, recém-separado, que não quer se comprometer é a pior roubada. Se eu pudesse alertar cada mulher carente e doida pra ter um namorado, eu faria isso. Infelizmente, nem todas leem o meu blog.
Tive muita sorte de conhecer meu Divo. Muita mesmo. Mas, isso não aconteceu à toa. Eu sabia o que queria, ele também sabia o que queria. Havia coincidência de intenções. Fosse diferente, não estaríamos juntos.
Acho que o melhor antídoto, para não cair em armadilhas amorosas, é não procurar o amor de sua vida. Isso não se procura, é algo que acontece ou não acontece. Talvez, o ideal seja conhecer alguém sem qualquer tipo de idealização, sem jogar sobre os ombros dessa pessoa a carência, as expectativas acumuladas. Ver o homem como ele é, sem projetar nele um namorado, um marido. Não é preciso ter um homem ao lado para ser feliz. Felicidade é algo demais subjetivo, significa estar bem consigo mesma, ainda que temporariamente desacompanhada.
Creio, aqueles anos insones, cuidando de minha mãe, renderam não apenas dois blogs, mas um pouco mais de paz em meu coração. Quando descobri que estar sozinha não significava ser solitária, Divo surgiu no meu caminho, feito um raio de sol. Fazia poucos dias, eu tinha decidido me aposentar, mudar de São Paulo, morar no campo, cultivar meus amigos. Feito aquela música do Zé Rodrix: onde eu possa plantar meus amigos, meus livros, meus discos e nada mais. O destino é caprichoso, percebeu minha intenção e me apresentou aquele que, pra mim, é mais que companheiro: é o amor da minha vida.
Por isso mesmo, garotas, esse papo de mulher, essa conversa que só mesmo nós sabemos ter umas com as outras, eu adoraria que acontecesse pessoalmente. Via blog, eis a minha experiência, eis a minha impressão a respeito desses desfechos nos relacionamentos breves, equivocados, que causam dor e mágoa.
Quem quiser se relacionar casualmente, deve fazê-lo de modo aberto, claro, mas isso deve valer pro homem e pra mulher. E quando ela encontrar alguém bem melhor que aquele velho babão, com certeza estará pronta para viver um relacionamento bom e de verdade. E ele? Bem... Dizem as minhas estatísticas que eles envelhecem sozinhos, ou acabam arranjando alguém para empurrá-los pro sol.

1 de set. de 2011

DIVA, TRANCADA EM CASA


Lá fora o sol, dentro do apartamento a sensação térmica assemelhava-se à temperatura da geladeira. Frio, muito frio! Acordamos atrasados, cada um correu pra um lado. Não deu tempo de lavar os cabelos, mas consegui fazer uma maquiagem rápida e leve. Divo despediu-se, escutei sua voz vinda do corredor, junto à porta do banheiro: - Bom dia, amor.
A pia lotada de louça. A máquina de lavar roupas funcionando à toda! E eu atrasada, reunião de trabalho marcada para as 09h00. Assim que terminei de me arrumar, larguei a casa pra lá e rumei em direção à porta de casa. Pressa, eu estava com muita pressa. Porta trancada, o chaveiro não estava no lugar de costume. Tenho uma chave reserva, aquela que fica sobre a prateleira da cozinha. Não estava lá. Falei uns nomes impublicáveis, olhei mais uma vez pro relógio: 08h35. Chegaria atrasada! Levantei almofadas, revirei minha bolsa, fiz uma breve excursão pelo apartamento. Nada do chaveiro, nada da chave. Telefonei pra Divo. Irritou-se, disse que não tinha visto chave nenhuma. Mas, como ele saiu de casa? Eis que, com essa pergunta, ele encontrou no bolso de seu paletó o meu chaveiro. Distração, talvez. Deixou-me trancada no apartamento.
Escrava moderna. De tailleur, salto 10, maquiada. Trancada no apartamento. Divo não poderia vir libertar-me, no máximo poderia enviar um motoboy com o meu alvará de soltura, mas demoraria uma hora isso.
A reunião! Como explicar a minha ausência? Como dizia a vovó, melhor uma mentira inteira do que uma verdade pela metade. – Doutor Armando? Bom dia, doutor. Sou eu, a Diva. Como o senhor está? Hã? Reunião? Nossa, esqueci que havíamos agendado a reunião, doutor! Estou aqui, em Curitiba, vim buscar os documentos da Parto Feliz, a maternidade nossa cliente. Pois não, doutor. Sim, devo voltar no voo das... das... 17h00.
Menti! Escrava, trancada, mentirosa. Pela janela observei o movimento de carros e pessoas. Livres, todos livres. Inveja dessa liberdade. O motoboy chegou, o interfone tocou. – Ô Dona Diva, tem uma encomenda aqui pra senhora, mas a síndica proibiu nóis de subir no apartamento, a senhora tem que vir buscar. – Ô Severino, tem aí uma cordinha ou uma escada? – Tem sim senhora, pode vir buscar que empresto pra senhora. – Severino! Não me faça perder a paciência, preciso que traga pra mim essa encomenda, é a chave do apartamento, estou aqui trancada. – Dona Diva! Seu Divo trancou a senhora em casa? – Trancou sim, Severino. – Que homem doido, trancar um anjo feito a senhora! – Severino, anda depressa, traga logo essa chave.
Ele abriu a porta, parecia um super herói. Indignado, valente, corajoso. – A senhora está bem?Quer que eu chame algum parente seu? Olha, se precisar de testemunha na separação eu digo toda verdade pro juiz. – Que separação, Severino? – A sua com seu Divo, ele trancou a senhora em casa! – Severino, foi um acidente, ele trancou sem querer. Olhou-me como quem duvidava de minhas palavras. Voltou pra portaria, cismado.
Dia complicado. Não pude ir pro trabalho, afinal eu disse que estava em Curitiba. O resto do dia reservei para lavar a louça, arrumar a cama, passar seis camisas sociais de Divo, aproveitei pra fazer as unhas e resolver um assunto com o gerente do banco. No final do dia, Divo chegou com a expressão zangada estampada em seu rosto. – Sabe o Severino? Passei pela portaria, ele me disse que se eu de novo te trancar em casa, ele vai chamar a polícia. Você, Diva, não sabe resolver nada sem gritar, pedir socorro. – Não gritei, nem pedi socorro! – Pediu sim, Severino disse que você queria escada e corda pra se salvar.
Não adiantou nada explicar toda a história. Divo, o involuntário causador da confusão, parecia determinado a brigar comigo. Perdi a reunião, fiquei trancada, menti pro meu chefe, tive que aturar Divo e Severino. Agora tenho quatro cópias da chave de casa. Uma fica dentro da minha bolsa, a outra fica na prateleira da cozinha, a terceira fica dentro da gaveta de calcinhas e a última, essa deixei dentro do vasinho de pimenta, aquele que Divo cultiva. Não tem erro, presa no apartamento não ficarei nunca mais!