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Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







15 de jan. de 2015

JE SUIS DIVA LATÍVIA!

Se existe um idioma que aprecio, acho sonoro, mas duro de aprender é o francês. Coisa do tempo de garota, quando estudei em um colégio franco-brasileiro.
As aulas de francês aconteciam em uma sala escura, a professora nada sorridente. Na parede o mapa da França e, desde aquela época, cismei que eu deveria conhecer Paris.
Dizem que nós, tupiniquins vitimados pela inflação, juros e insolação, quando muito conseguimos chegar ao bairro do Pari. Dito e feito, até hoje não conheci Paris.
Em meus planos para o futuro está a viagem à Europa, mas enquanto sonho e espanto os pernilongos que vieram visitar-me neste dia de calor, recordo os tempos de escola, o uniforme horroroso de cor marrom. Época feliz, o meu maior problema era meus cabelos: lisos e longos. Era o final dos anos 70, a moda era o penteado de Farrah Fawcett, atriz do seriado televisivo As Panteras. Os cabelos dela esvoaçantes, já os meus cabelos... Quanta diferença!  Era um  tal de fazer escova enroladinha, usar bobes, fixador, até cerveja passava nas longas mechas de cor aloirada, para obter volume. E quando chovia? Ah, a chuva tratava de fazer dueto com a cervejinha e tudo ficava meio emplastrado, emaranhado, uma tragédia que qualquer hair stylist chamaria facilmente de “horror”. Hoje, sinceramente, prefiro a cerveja bem gelada e goela abaixo, nada de fazer experimento alcoólico longe do meu fígado e sobre minha cabeça.
Justamente eu, que sou avessa ao uso contínuo de maquiagem, não saía de casa para o colégio sem usar: batom, rímel, sombra e blush. Imaginem isso aliado aos cabelos fixados com cerveja, nada a combinar com a cor de merde do uniforme escolar, eu a chacoalhar no ônibus da linha 001 às seis da manhã?
Meu coração era uma revolution.Vivia a me apaixonar, amores reincidentes que começavam em minha cabeça encervejada e terminavam no último dia do ano letivo, todos esses amores naufragavam antes mesmo do primeiro beijo. Por falar em primeiro beijo, isso quase aconteceu no intervalo das aulas, mas o garoto se aproximou, recuou e exclamou: - Nossa, que cheiro! Diva, você bebeu?
Resolvi abrir o baú de velharias. Vejam o que encontrei: as fotos daquela época. Por que será que fotos antigas podem parecer tão ridículas? Fotografias em branco e preto, eu de blusão escolar amarrado na cintura, para esconder as dimensões de minha bunda. Mãos cruzadas sobre o peito, para esconder o tamanho dos meus seios. Uma espinha enorme na testa, ou será uma testa em minha enorme espinha?
Incrível, encontrei o boletim escolar. Amarelado pelo tempo, ali as notas a denunciar meu péssimo desempenho.  A professora, Mme. Lili, anunciou solenemente: - “Divá ( ela me chamava assim, o A bem aberto): sua notá está péssimá! Zerrô erra o que você merreciá, mas deste vez eu deixá pra lá e te dar quatrrrro”-. Creiam, achei a nota excelente, porém a média era sete. Foi um custo passar de ano, mas esse dia chegou: estudei, mas estudei tanto que até hoje sei conjugar o verbo ètre.. Resta a inflação não nos devorar, o euro não disparar e o mundo não acabar. Paris, je suis Diva Latívia!

13 de jan. de 2015

O GENERAL DO ESTRELA DA GLÓRIA

O antigo edifício necessitava de reforma. Vinte andares, cento e vinte apartamentos, quinhentos e treze moradores, um zelador, quatro porteiros, dois faxineiros.
Desde a fachada enegrecida do prédio, até as vidraças faltantes, o edifício sorria sem dentes a ostentar o avesso da prosperidade. Os elevadores a chacoalhar e ranger.  Os interfones eram alegoria a mais, emudecidos com sua fiação exposta, fios coloridos a percorrer corredores e andares. Ali tudo a desfolhar, descamar, despencar, com exceção dele: o velho zelador, Adamastor Raimundo de Oliveira, o Adão, como era conhecido no pedaço.
Assim que o edifício Estrela da Glória começou a ser habitado, em 1963, Adão foi contratado para realizar serviços de limpeza. Na época, o zelador era o Laureano, um pernambucano baixinho e sisudo, que morreu atropelado em frente à padaria em 1970. Desde esse dia, em pleno revés do infortúnio, Adão assumiu o posto de zelador, com o direito de usar o quepe azul-marinho, que levava o nome do edifício bordado em cor dourada. Segurou as lágrimas de emoção no dia em que largou baldes e vassouras e, de barriga pra dentro, peito pra fora, plantou-se na portaria: ali estava o general do Estrela da Glória.
Querido por alguns, temido por outros, Adão comandava os funcionários com severidade e os moradores ele tratava com a cordialidade do bem servir. Entendia de remendos diversos, aplacava curtos-circuitos, libertava prisioneiros dos elevadores. Cada parafuso, cano ou fio daquele prédio era seu velho conhecido. Os habitantes, todos eles, estavam anotados com seus nomes, sobrenomes e telefones no caderno de capa dura que guardava como um tesouro. Letra miúda e quase ilegível, conhecia detalhes íntimos da vida  de gente de todos os andares: ouvia desabafos, dava conselhos, apartava brigas e até de primeiros socorros se tornou entendedor: infartos, fraturas, desmaios, lá ia Adão com sua caixinha de remédios a administrar leite de magnésia, água oxigenada, arnica. Quarenta e quatro anos, oito meses e dezenove dias, cada pastilha que caiu da fachada sem reposição era uma ruga a mais no rosto moreno do velho Adão.
Hoje, entre uma garfada e outra do almoço, li no obituário do jornal o seguinte anúncio: “É com extremo pesar que os moradores e funcionários do Edifício Estrela da Glória comunicam o falecimento de seu zelador, Adamastor Raimundo de Oliveira, Adão. Convidamos a todos para a missa de sétimo dia, que será realizada na Igreja Nossa Senhora da Glória, no bairro do Aterro”.
Adão morreu uniformizado, aos setenta e nove anos. Morreu em frente ao prédio, morte natural e súbita. O resgate chegou a tentar ressuscitá-lo, em vão. O olhar dos curiosos se apinhava em torno do corpo inerte do velho zelador do Estrela da Glória, que viveu e morreu em serviço. O quepe azul jogado na calçada, a observar a movimentação.

9 de jan. de 2015

AOS LEITORES

As palavras começam a fluir gradualmente, movidas pela necessidade de satisfazer o desejo do seu olhar, leitor, para aplacar a sua sede de novas estórias e histórias neste blog. Palavras hesitantes, trôpegas, doloridas. Diva recomeça a escrever, da mesma forma que um pássaro com a asa ferida recomeça a voar. O riso ainda está adormecido, mas o sorriso eu lhes entrego no formato de letrinhas que se divertem na ponta dos meus dedos, a digitar esta nova publicação, a primeira postagem do ano de 2015.
O meu coração está machucado. Dizem os religiosos, os tementes a Deus, que um dia terei o consolo, a resposta que explicará o motivo da perda grandiosa que sofri recentemente.
Hoje o olhar verde e sagaz do meu querido irmão, Flávio, não acompanha Diva Latívia. Seus olhinhos se fecharam e seu peito restou inerte, sem as batidas do coração cheio de coragem, fé, determinação, qualidades que o acompanharam durante mais de quatro anos na luta contra o câncer. Flávio faleceu no dia 13/12/2014.
Dizem os entendidos em assuntos celestiais, que a morte física é o descanso das batalhas terrenas. Tudo o que sei é que aqueles que ficam neste mundo, assim como eu, não descansam e sentem que dentro de si falta um pedaço imenso.Grita um vazio sem fim dentro de mim agora.
As palavras surgiram pela primeira vez desde o ocorrido. Preciso desse alimento, fonte vital para mim: escrever é sinônimo de felicidade. Desculpem-me, estive ausente, mas cá estou, voando baixo, com as asinhas meio tortas.
Que 2015 seja um ano de renovação da esperança, repleto de acontecimentos felizes. Saúde e amor para todos vocês que aqui chegam regularmente, ou casualmente. Novos textos chegarão em breve! Deixo aqui um vídeo com uma música do Queen. Flávio era um queen-maníaco adorável, desses que sabem cantar todas as canções da banda ( aliás, ele tocava ao piano algumas dessas canções). É uma homenagem a esse garoto, que foi embora tão jovem e que me deixou aqui cheia de letrinhas, que reúno com os olhos cheios d´água.

Um abraço da autora,

Cláudia

Love of my life ( Queen)