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Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







11 de mar. de 2017

SERES DIGITAIS

Meus filhos são seres digitais. Pode escrever sobre isso no Diva?
Confesso que em menos de dois minutos comecei a redigir o texto. A conversa que nós duas tivemos foi digital, não sei se ela percebeu isso. Mãe de jovens, essa amiga queixou-se que as novas gerações substituíram palavras verbalizadas por palavras digitadas.  A situação é a seguinte: você quer saber onde está seu filho? Envie um WhatsApp e espere que ele leia e responda a mensagem. Às vezes, ele está no quarto ao lado, mas você não se atreve a adentrar naquele território onde não será bem-vinda a sua presença. Enviar um WhatsApp e perguntar se está com fome, por exemplo, pode parecer a princípio algo absurdo, mas costuma resolver o problema. Um mundo com sabor de isopor, de plástico, na tela de um celular.  É amargo ter filhos digitais. Onde será que perdemos o fio da meada?
Enquanto digitava este texto chegou uma mensagem para mim. Uma sobrinha no WhatsApp: “Aê, blz? Parabéns, bj”. Li e reli. Parabéns? Não era meu aniversário, nem havia ocorrido algo especial comigo. Respondi: “Oi, querida, quanta saudade. Você está bem? Meu aniversário foi em janeiro, mas muito obrigada. Beijos”. Duas horas depois ela respondeu: “Foi mals, msg errada”. Só isso, mals com S no final, com L pelo meio, mensagem errada, grafia errada e para a destinatária errada. Precisei concordar com minha amiga: seres digitais. Se ao menos a gramática fosse respeitada, isso seria um alento. Melhor seria que não escrevesse nada.
No metrô observei os passageiros, a maioria deles a digitar palavras em seus smartphones. Hipnotizados, dominados pela realidade virtual, dedos ágeis a clicar na tela dos minúsculos aparelhos, expressões faciais congeladas, olhos presos e sentidos alheios. Senti angústia, lembrei do livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.  Será epidemia, será doença, será demência, será sinal do fim dos tempos? Onde está a realidade com olhos nos olhos, sorriso largo, beijo real, abraço gostoso, sem interrupções para mexer no celular, sem aquele sininho irritante e insistente que avisa a chegada de nova mensagem?
Ela só disse ao filho que iria ao pronto-socorro, o pé doía terrivelmente. O garoto não se ofereceu para acompanhá-la, estava ocupado, entretido e batendo um papo com alguém. Digitava ligeiro, de vez em quando ria.  O menino levantou-se do sofá, rumou para a porta da saída de casa, sem tirar os olhos do que lia e respondia.
Não é incomum isso. Parece que um alienígena abduziu pessoas, deixou no lugar androides que são alimentados pela luz dos smartphones. Esses androides só riem para a tela do aparelho, só se comunicam por digitação, eles dão ordens do tipo “quero almoçar”, ou “quero que passe a camisa xadrez”, “compre isso pra mim”. As poucas palavras verbais que proferem são breves, insensíveis e desconectadas da realidade órfã de pais atônitos.
Como disse Raul Seixas: "pare o mundo que eu quero descer!". Quero descer em um mundo que se comunique com palavras ditas por bocas benditas. Um mundo que se enrosque em abraços longos e salvadores. Um mundo com tempo suficiente para conversar sobre tudo e sobre nada, sem pressa, no banco da praça. Quero um mundo de afeto retribuído, com pessoas livres desse cativeiro digital. Um mundo realmente novo.