Parei em frente ao notebook, a digitar e depois deletar
palavras que não alcançavam a dimensão do que eu gostaria de escrever sobre ser
criança.
Quase todas as conversas atuais que tenho com meus irmãos
desemboca na seguinte conclusão: sentimos saudade de nossa infância.
Acho que a vida nunca foi fácil, se hoje é complicada eu
creio que para nossos pais e avós não foi diferente. No entanto, esses
personagens de minha família deixaram muita saudade, fizeram o papel de
super-heróis, às vezes vilões incompreensíveis com suas “adultices” esquisitas.
A infância tão distante, mas tão presente. Cresci entre gente, bichos, árvores e
histórias sem mais fim. Uma casa
cor-de-rosa, com a qual sonho de modo reiterado. Nesses sonhos, meus irmãos e
eu somos imortais e nossos finais são sempre felizes.
Meus dedos hesitam sobre o teclado do notebook. Um dos meus
irmãos faleceu recentemente. Bebo um copo d´água, respiro fundo, tento afastar
a tristeza das palavras que parecem fugir, todas elas enlutadas.
Rio sozinha, estou velha. Sim, velha! As fotos do passado
são em preto-e-branco e os adultos ali fotografados, quase todos eles, já se
foram para o outro mundo. Ainda não sei
o que farei com tantos objetos antigos que herdei, os apartamentos modernos são minúsculos
e eu não tenho espaço disponível para guardar as lembranças, senão dentro de
mim.
Se fecho os olhos consigo sentir o aroma dos livros do meu
avô, no escritório de advocacia enorme instalado na parte de trás de nossa
casa. Dez mil livros e eu sentia algo que hoje posso definir como “um grande
barato” em meio a prateleiras altíssimas lotadas de volumes
e mais volumes de códigos, leis, tratados, pareceres jurídicos. Tanto tempo, tantos anos, resta o sabor do suco de frutas
batido no liquidificador, oferecido às crianças pontualmente às dez horas da
manhã. Afasto-me do computador, ajeito-me na cadeira. Uma confusão que envolve os livros, o suco de frutas, as árvores, a casa
cor-de-rosa, os adultos, meus irmãos, eu criança. Às vezes eu tentava imaginar como eu seria
quando crescesse. Escolho os sonhos, neles os finais são felizes, nos sonhos
há a imortalidade, a viagem ao passado sem qualquer explicação lógica.
Palavras
não traduzem a ausência de todos nós, uma família que sorri inocente nas fotos
em preto-e-branco. Melhor guardar novamente essas fotos. Melhor! Que ser
criança seja uma escolha atemporal. Todas as vezes que vou à livraria me perco
entre as prateleiras, esqueço as horas e o aroma dos livros me leva de volta ao
passado. A ideia deste texto brotou na livraria, acho que falei sozinha quando a inspiração me atiçou sem piedade: - Sou o que aprendi a ser.
No
moderno notebook termino o texto e me apresso em publicá-lo no blog, antes que
eu o delete novamente.