Sou dessas poucas criaturas que não precisaram, desde a
infância, lavar a própria louça, limpar a casa, lavar e passar as roupas e
cozinhar. Afortunada, nasci em uma família que tinha muitos empregados para realizar essas tarefas. Algo parecido com Downton Abbey,
talvez.
O tempo foi passando, da infância para a adolescência. E nada mais era como antes. Com
poucos empregados e menos dinheiro, cada membro da família precisou sair para a
luta, ou seja, trabalhar. Quando digo trabalhar, eu me refiro às tarefas do
lar, doce lar. E eu, que sabia lavar meus cabelos e olhe lá, aprendi rapidinho, e na prática, que água de lavadeira era alvejante de roupas poderoso. Estraguei
roupas caras, misturei vermelho com branco, preto com cor-de-rosa e até
esburaquei peças de roupa delicadas, ao depositar a bunda quente do ferro de
passar roupas sobre suas tramas delicadas e sintéticas. Bom mesmo foi aquele dia, quando reuni toalhas
de banho, calças jeans, camisetas, meias, lotei a capacidade da lavadora de
roupas até acima de seu limite máximo. Caprichei na quantidade de sabão em pó,
algo em torno de duas xícaras de chá, girei o seletor de comando e fui sonhar
com a vida, admirar-me no espelho, tentar me recompor do trabalho que
considerava extenuante e injusto para a grandiosidade de minha beleza. Não demorou muito, gritos
vieram ao meu encontro. Mãe, avó, tias, todas gritavam em coro coisas do tipo:
segura, cuidado, pega e socorro. A máquina, com as peças de roupa mal
acomodadas em seu interior, isso aliado ao peso desproporcional das roupas e ao
excesso de sabão em pó, havia se movido, pulado, espumado, como se estivesse enlouquecida.
Girou, rodou e tombou. Quando cheguei na lavanderia, nada havia o que fazer.
Era um mar de água com sabão e espuma. A lavadora jazia inerte em posição
horizontal, visivelmente falecida, despachada desta para a melhor.
Foi assim que aprendi que toalhas de banho não podem ser
lavadas juntamente com calças jeans. Que sabão em pó não pode ser usado em
excesso. Aprendi também que, para comprar uma nova lavadora de roupas é preciso
ter dinheiro, muito dinheiro. Na semana seguinte, sob o olhar severo de minha
mãe, comecei a trabalhar em meu primeiro emprego: recepcionista de um
consultório veterinário. Cada centavo que recebia no final do mês era destinado
ao pagamento das prestações da nova moradora de nossa casa: a Brastemp gorducha
e muito branca.
Pensando bem, foi durante esse meu primeiro emprego que
despertou em mim a afinidade com os animais (todos, exceto os humanos). Mas,
isso é outra história que lhes contarei mais adiante.
Hoje, muito cedo, quando liguei minha lavadora de roupas,
lembrei desse episódio. O tempo passou, ainda não inventaram a máquina que lava
e passa roupas. Já imaginaram? Colocar roupas sujas dentro da lavadora e de lá,
em instantes, sair a roupa limpinha, passadinha, cheirosinha. Entre um gole de
café e outro, escrevi este texto. Mas, não me distraí um só instante do barulho
suave que fazia a lavadora. Trauma não superado de que ela sambe, gire e caia
dura na lavanderia. Da sala de estar para a cozinha, sem drama ou excesso de nostalgia, tudo o que tenho a reclamar é: às vezes sinto uma pontinha de falta de toda antiga mordomia.