Acho que eu tinha cinco, seis anos de idade. Creio que não
mais do que isso, afinal eu estava na pontinha dos pés para visualizar meu
rosto no espelho do lavabo. De onde será que eu tiro essas ideias
malucas, que parecem ter sido adquiridas ainda na época em que eu era um
embrião dentro do útero de minha mãe? Cismei que eu deveria olhar bem dentro
dos meus olhos, refletidos naquele espelho que parecia imenso diante de mim.
Ali fiquei por algum tempo, não sei se durante uma fração de segundo, ou se por
vários minutos. Lembro muito bem do resultado: pânico! Olhar dentro dos olhos,
ao admirar-me no espelho, revelou-se algo assustador. Medo! O tom azul esverdeado
de meus olhos ganhou dimensões infinitas, que me conduziram para algum lugar
estranho, longe daqui, dentro de mim. Sensação indescritível, gritei!
Explicar o que eu, afinal de contas, havia aprontado, não
foi muito simples. Minha mãe, já acostumada ao resultado de minhas
travessuras, de modo surpreendente compreendeu que eu havia me assustado ao
fitar demoradamente meus olhos no espelho do banheiro. Muitos anos mais tarde,
eu soube que ela tinha tido a mesma experiência em alguma época de sua vida.
Maluquice hereditária, talvez.
Hoje cedo, ao olhar-me no espelho do banheiro, esse episódio
passou por mim, feito um filme antigo, em preto e branco. Olhei-me,
corajosamente. Olhos nos olhos, eu e eu. O mesmo temor, desta vez controlado.
Entendi que fora de mim havia apenas uma salvadora, uma super-heroína: eu! Eis
a diferença daquela época de infância para o tempo de agora. Tudo o mais é
desconhecido, misterioso, um tanto angustiante. Que mundo é esse, afinal? O
portal que leva ao infinito parece ter sua chave no olhar!
Cedo demais para tamanho delírio, em meio a dúvidas,
sentimentos, lembranças, puras e simples divagações. Bebi o café distraída, sem
reparar que sequer o havia adoçado. Li algumas notícias do dia. Hoje, outro
dia. Dezembro, outro dezembro. Ano após
ano. A vida passa depressa, sem se
importar com minhas perguntas sem resposta.
Li algo sobre o anunciado fim do mundo,
prometido para o dia 21 de dezembro de 2012. Fim do mundo com data marcada, um
evento final, orquestrado por aqueles que se dispuseram ao papel de arauto do
apocalipse. Algo mais ou menos assim: - “Vai
acabar, olha aí freguesia. Leve dois e pague três!”. É pegar, ou largar. É pagar pra ver. O mundo
no final, muita gente fazendo compras de Natal, planos para as viagens de
férias, tocando a vida sem se importar com isso. E se for propaganda enganosa?
A quem deveremos recorrer? Procon? Justiça? Polícia? Ir à delegacia e reclamar
com o doutor delegado: -“ Dotô, fui pra festa do fim do mundo e nenhum meteoro
bateu na Terra, nenhum furacão me levou, sequer o chão se abriu. Não fui pra
pqp!”.
Fim do mundo? Isso é coisa de quem não tem muita coisa que
fazer. De quem não fica três, quatro horas em um ônibus, ou trem, para chegar
ao trabalho todos os dias. Isso é coisa de quem não usa sua energia, seus
conhecimentos, sua força para edificar boas obras nesta vida. De quem pouco se
importa com o sofrimento alheio. O mundo acaba quando acaba a esperança, quando
o brilho do olhar se vai, deixando ali apenas as marcas opacas e fundas da indiferença
e do egoísmo. Mundo que é mundo não acaba. Mundo que é mundo está dentro do
coração de cada um. Mundo que é mundo a gente acessa no olhar, no sorriso, nas
palavras de alguém. Isso tem aroma de eternidade, isso é inextinguível.
Temos os corpos mortais, frágeis, passageiros. Foi isso o que vi em meus
olhos aos cinco, seis anos de idade. A minha mortalidade, a finitude de meus
ossos, nervos e músculos. Tudo isso versus algo maior, indelével, interminável.
Deus, esse o nome disso. Minha fé nasceu diante daquele espelho e hoje, tantas
décadas mais tarde, quando escuto algo sobre o fim do mundo, eu rio de mim, rio
de tudo isso. Algo além de nós, porém em nós, jamais acabará, feito chama que
nunca se apagará: AMOR!
2 comentários:
Vc é um ser humano muito lindo!!! bj Verônica
Verônica,
Adoro você, que também é muito linda!!!!
Beijo
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