Uma xícara de café com um pouquinho de leite morno. Três gotas de adoçante. Nos pés pantufas de cor lilás. Meus cabelos soltos e desalinhados, eu ainda vestida com o pijama amarelo de listras brancas. Lá fora o dia amanheceu nublado. Observo lá embaixo o cruzamento da avenida, o semáforo com defeito novamente. Motoristas apressados, as cores do farol mudam de vermelho, rapidamente, para depois verde. Os carros andam poucos metros, buzinam impacientemente. O mundo parece gritar. Bebo outro gole de café.
Quarta-feira, dia 23. Evito ler o noticiário político e econômico. Meu olhar parece ter esbarrado no olhar da moça que trabalha no escritório do outro lado da rua, ela disfarça, olha para o outro lado. Deve ter imaginado que sou boa vida, desocupada, o que faz uma mulher em casa, de pijama e despenteada, às sete e meia da manhã? Sinto pena da moça, começou cedo em sua lida, talvez seja secretária de algum executivo exigente, estressado. Começo mentalmente a escrever um conto urbano, a moça protagonista, personagem muda e triste. Lá se vai o ônibus elétrico, passa sempre nesse horário. Dentro dele trabalhadores e estudantes, gente com pouco tempo e muitos compromissos. Fecho o último botão da blusa do pijama, sinto frio.
São Paulo é mãe hostil, mãe que castiga injustamente, mãe desnaturada. Não há mais que poucos metros para meus olhos lamberem no horizonte. Edifícios encobrem as distâncias, não há paisagem a admirar, senão a de concreto. Buzinas, pressa, carros, concreto, pijama, a moça a trabalhar cedo, o jornal que evito ler, pantufas de cor lilás, meus cabelos a cair no rosto, o frio, as nuvens no céu, as cores do semáforo a colorir o asfalto úmido, São Paulo indiferente a mim, bebo mais um gole de café. Hoje é outro dia. Bom dia!
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