Confesso que em menos de dois minutos comecei a redigir o
texto. A conversa que nós duas tivemos foi digital, não sei se ela percebeu
isso. Mãe de jovens, essa amiga queixou-se que as novas gerações substituíram palavras
verbalizadas por palavras digitadas. A
situação é a seguinte: você quer saber onde está seu filho? Envie um WhatsApp e
espere que ele leia e responda a mensagem. Às vezes, ele está no quarto ao
lado, mas você não se atreve a adentrar naquele território onde não será
bem-vinda a sua presença. Enviar um WhatsApp e perguntar se está com fome, por
exemplo, pode parecer a princípio algo absurdo, mas costuma resolver o problema.
Um mundo com sabor de isopor, de plástico, na tela de um celular. É amargo ter filhos digitais. Onde será que
perdemos o fio da meada?
Enquanto digitava este texto chegou uma mensagem para mim.
Uma sobrinha no WhatsApp: “Aê, blz? Parabéns, bj”. Li e reli. Parabéns? Não era
meu aniversário, nem havia ocorrido algo especial comigo. Respondi: “Oi,
querida, quanta saudade. Você está bem? Meu aniversário foi em janeiro, mas muito obrigada. Beijos”.
Duas horas depois ela respondeu: “Foi mals, msg errada”. Só isso, mals com S no
final, com L pelo meio, mensagem errada, grafia errada e para a destinatária errada.
Precisei concordar com minha amiga: seres digitais. Se ao menos a gramática
fosse respeitada, isso seria um alento. Melhor seria que não escrevesse nada.
No metrô observei os passageiros,
a maioria deles a digitar palavras em seus smartphones. Hipnotizados,
dominados pela realidade virtual, dedos ágeis a clicar na tela dos minúsculos
aparelhos, expressões faciais congeladas, olhos presos e sentidos alheios. Senti
angústia, lembrei do livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley. Será epidemia, será doença, será demência,
será sinal do fim dos tempos? Onde está a realidade com olhos nos olhos,
sorriso largo, beijo real, abraço gostoso, sem interrupções para mexer no
celular, sem aquele sininho irritante e insistente que avisa a chegada de nova
mensagem?
Ela só disse ao filho que iria ao pronto-socorro, o pé doía
terrivelmente. O garoto não se ofereceu para acompanhá-la, estava ocupado,
entretido e batendo um papo com alguém. Digitava ligeiro, de vez em quando ria.
O menino levantou-se do sofá, rumou para
a porta da saída de casa, sem tirar os olhos do que lia e respondia.
Não é incomum isso. Parece que um alienígena abduziu pessoas,
deixou no lugar androides que são alimentados pela luz dos smartphones. Esses
androides só riem para a tela do aparelho, só se comunicam por digitação, eles
dão ordens do tipo “quero almoçar”, ou “quero que passe a camisa xadrez”, “compre
isso pra mim”. As poucas palavras verbais que proferem são breves, insensíveis
e desconectadas da realidade órfã de pais atônitos.
Como disse Raul Seixas: "pare o mundo que eu quero descer!". Quero descer em um mundo que se comunique com palavras ditas por bocas benditas.
Um mundo que se enrosque em abraços longos e salvadores. Um mundo com tempo
suficiente para conversar sobre tudo e sobre nada, sem pressa, no banco da praça. Quero um mundo
de afeto retribuído, com pessoas livres desse cativeiro digital. Um mundo realmente novo.
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