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Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







14 de nov. de 2020

OLHARES INDISCRETOS

 


Em plena pandemia há dias que séries e filmes, livros e música, nada parece ocupar-me mental e emocionalmente o bastante. Essa insatisfação compenso com café e momentos de distração, sentada na varanda do meu apartamento a observar o movimento da cidade que fica dezoito andares abaixo dos meus pés e, às vezes, assisto a vida passar no enorme cenário a alguns metros, logo à minha frente. Preparo um café e reparo no edifício em frente ao meu, duas dúzias de andares, muitos apartamentos, muitas varandas e janelas.

Paro o olhar na mulher de cabelos grisalhos e desalinhados, acima do peso, usa camisola curta e desnudas pernas brancas. Rega as plantas, parece conversar com as flores. Aparece um gato, desfila e desaparece novamente. Qual será a sua idade? Será sozinha? Terá amigos? Filhos?

Mudo meu olhar para outro apartamento, alguns andares acima. Um homem a praticar exercícios físicos e demonstra cansaço. Não mais que dois minutos e seu olhar bate no meu, sinto-me flagrada. Ele entra no apartamento e, ruidosamente, fecha a cortina. Desvio rapidamente o olhar, ajeito-me na cadeira, virada de costas.

O café parece ter esfriado, busco outro café e tento ser mais discreta. O casal idoso do apartamento quase em frente ao meu. Parece conversar harmoniosamente. Tem um cachorro. Não, não, não! Agora pude reparar melhor, parece ter dois cachorros.  E aquela mobília da sala? Pela porta de acesso à varanda vejo a estampa florida do sofá, o tapete estilo persa e o lustre com pingentes de cristal. Aquele quadro será um navio, ou um barco de pesca? Como alguém consegue atravessar uma quarentena morando em um lugar visualmente poluído?

Escuto risadas, vêm do apartamento ao lado daquele. O homem parece ter uns trinta e cinco, no máximo quarenta anos. De barba, cabelos ondulados, pele bronzeada. Onde terá tomado sol? Terá ido à praia? Sem camisa, veste uma bermuda, as pernas musculosas sobre uma cadeira em frente à sua. Nada mal, penso. Surge outro rapaz, também bronzeado e bem torneado. Será um casal? Serão amigos? Irmãos? Somem juntos para dentro do apartamento.

Eis que reparo na moça do andar de cima daquele, limpando a janela e olhando na minha direção. Olha-me como se minhas paredes fossem de vidro e não se acanha. Sustenta o olhar na minha direção, de modo desafiador. Finalmente, ela vai embora. Levanto-me, entro em casa e tento imaginar quem será aquela vizinha.

 A falta de privacidade neste condomínio precisa ser reportada aos demais moradores, farei isso na próxima reunião de condôminos. Gente depravada, só pode ser. Resolvo preparar outro café e volto para a varanda.

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