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Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







8 de set. de 2013

O AMOR EM TEMPOS DE CANDY CRUSH SAGA


Há quanto tempo não recebo flores, bombons, qualquer coisa assim? Observei a figura desligada, até mesmo um tanto desleixada de Divo, atirado sobre o sofá da sala. Em suas mãos o iPhone. Digitava compulsivamente, tentei calcular quanto tempo havia passado: quarenta minutos, talvez cinquenta minutos. Que mensagem de texto longa, pensei.  Resolvi apurar os fatos.
- O que você está fazendo?
Não respondeu. Ainda mais cismada e curiosa, repeti a pergunta, dessa vez com um leve cutucão em seu braço. – O que está fazendo?
- Não, obrigado.
Impossível ser compreendida por um ser que digita alucinadamente em um telefone. Não, não me diga que iPhone é outra coisa que não um telefone, afinal o meu eu uso pra telefonar, às vezes pra tirar fotos, coisas assim. Desperdício de tecnologia, talvez.
- Divooooooo!!!
Finalmente escutou minha voz.
- Oi, o que é?
- O que você está fazendo?
- Jogando Candy Crush!
Finalmente entendi o que ele fazia. Candy Crush, o viciante joguinho das balinhas coloridas que explodem. Também jogo, estou na fase 152!
Há quanto tempo não sentamos lado a lado e conversamos? Um beijo romântico, um convite para um passeio ao luar? Qualquer coisa assim?  Esqueça...
- Anjo, você vai ganhar um presente.
Quando escutei isso até me animei. Presente? Que presente? Meus pensamentos visitaram o shopping center. Uma nova calça jeans, um relógio de grife, o meu perfume favorito, um jantar à luz de velas, a viagem pra Montevideu!
iPhone, essa coisa é do capeta, sinceramente. Eu estava ali, distraída a sonhar com meu presente quando escutei um barulhinho. Nova mensagem. Quem seria? Era uma nova mensagem de texto assim escrito: “Você recebeu um presente de Divo, três jogadas extras do Candy Crush Saga”.

Não falei mais com ele pelo o resto do dia. Amuei!

AMOR QUE ATRAVESSA O TEMPO

Todo final de tarde soprava a brisa fresca vinda do mar. A mudança pra casa da praia havia lhe feito muito bem.  Solange estava bronzeada, cabelos cacheados e soltos, parecia ter rejuvenescido dez anos. Resolveu caminhar descalça à beira-mar. Mergulhou em pensamentos.
Há trinta anos havia conhecido o primeiro marido. Justamente ali, naquela praia. Dizem que amor de praia não sobe a serra, mas os dois começaram a namorar no verão de 82 e viveram felizes para sempre. Sempre? Todo sempre um dia acaba. O divórcio chegou em 2002.
Vinte anos de casamento é coisa à beça!  O ex  tinha Facebook. Conseguia ver sua nova foto do perfil, mais magro e feliz. Feliz sem ela. Seria melhor que  não tivesse foto alguma. A filha nasceu, cresceu e foi embora morar em Roma. Artista, a menina era artista plástica, orgulho da mãe.  Precisava de notícias, a garota parecia não ler suas mensagens inbox.
O pensamento voou novamente ao passado distante.  Pai e mãe deveriam ser eternos. Seu pai morreu cedo, ela ainda era adolescente. A mãe foi embora aos pouquinhos, perdeu a memória, se refugiou no passado vitimada pelo Alzheimer.  Onde estaria sua irmã? Estava sempre tão ocupada e morando tão longe, pena que não tinha Facebook, poderiam conversar no bate papo, trocar fotos, algo assim.
Observou o voo de uma gaivota. Que pena, estava sem o iPhone. Poderia tirar a foto e enviar pro seu perfil. Suas amigas, todas elas morando na capital, costumavam curtir as fotos marítimas, que colecionava aos montes agora.
Pérsio. Onde estaria o Pérsio, aquele primeiro amor do tempo de escola. Não podia esquecer de pesquisar no... Facebook, claro. Caminhou até a ponta da praia e voltou com passos apressados. Melhor chegar em casa, tomar um banho e ligar o computador. E se o Pérsio também estivesse divorciado? Se morasse ali perto? Poderiam se reencontrar, quem sabe reatar aquele romance amarelado pelo passar do tempo?
Seu notebook era novo, coisa comprada em oito parcelas no cartão de crédito. Internet como mandava o figurino: sem fio. Colocou na busca do Facebook o nome do ex-amor: Pérsio das Flores Paixão. Imediatamente apareceu o perfil do dito. Irreconhecível. Os cachos de cabelos loiros, que garantiram o apelido de Anjinho, haviam caído todos. Careca, o Pérsio agora era careca. Gordo, rosto redondo. No mínimo, aquela fotografia do perfil se parecia com a foto do pai do Pérsio. Resolveu clicar nas informações do usuário. Sobre: mora em São Paulo, é engenheiro civil,  está em um relacionamento sério com Ana Paula da Silva, estudou no colégio Deus Meu, em São Paulo. Não pensou duas vezes, enviou convite de amizade para o Pérsio, ou aquilo o que restava dele. Deveria existir algum modo de visualizar fotos fechadas com cadeado. Coisa pra hacker, certamente.  Convite enviado, decidiu compartilhar o feito com a Rosana, sua amiga do tempo de escola. Juntas riram e se divertiram com a ideia. Rosana também enviou convite de amizade pro Pérsio.
Duas semanas, esse foi o tempo que demorou pro tal convite ser aceito. Ele aceitou e gentilmente enviou uma frase pra ex-namorada: “bom reencontrá-la, boa tarde”.  Coisa mais fria, brega, formal, sem graça. Nem parecia o Pérsio! Foi xeretar seu perfil. Fotos de carros, motos, da namorada. Idade pra ser filha mais nova dele. Uma garota. Pérsio, portanto, era quase um pedófilo. De anjinho a demônio, que trajetória infeliz a dele. Sentiu uma ponta de inveja, ou talvez de frustração. Mas, teria ele se casado, tido filhos? Não conseguiu descobrir, talvez um dia ele aparecesse online no papo e, então, poderia fazer perguntas muitas que pulavam histéricas em sua cabeça.
Seis dias sem qualquer contato com Pérsio. Pareceu não adiantar nada tê-lo adicionado no Facebook. Talvez, a namorada o obrigasse a ficar longe da internet. Talvez, ele estivesse tão exausto de tentar acompanhar a garota que, agora, estivesse sem ânimo pra nada, nem mesmo pra digitar poucas letrinhas. Um mês, nada. Seis meses, nada. Até havia se esquecido da inclusão do Pérsio no seu  perfil quando, um dia, recebeu uma longa e simpática mensagem dele: “Solange, há quanto tempo! Somente agora pude ver seu perfil calmamente. Observei suas fotos. Você continua linda! Parece que mora na praia, isso é muito bom. Por aqui continuo a luta pela minha recuperação. Não sei se você soube, eu sofri um acidente de carro há mais de um ano e fiquei oito meses internado no hospital. No acidente faleceu minha namorada, a Aninha. Viu as fotos da Ana Paula? Eu gostaria muito de te rever! Moro em São Paulo, vou te deixar meu e-mail pessoal, meu celular e meu telefone fixo. Quando você vier a São Paulo me avise e venha me visitar. Um beijo e carinho, Pérsio”.
Ela leu a mensagem, releu duzentas vezes, no mínimo. Pérsio havia sofrido um grave acidente. Oito meses no hospital, muito tempo! Melhor se apressar e logo ir a São Paulo. Antes, deixou recado inbox pra Rosana:  “Rô, estou indo até Sampa resolver umas coisas, quando eu voltar te contarei uma novidade. Bjs”.
Ver o Pérsio depois de tantos anos, isso era mais do que uma alegria. Suas mãos suavam gelado, seu coração estava acelerado. Quando o porteiro do prédio avisou que ela poderia subir até o apartamento, entrou no elevador e sentiu as pernas bambas. A poucos segundos de rever o maior amor que tinha tido na vida, seu primeiro amor!  Uma senhora atendeu à porta, estava vestida de branco. Enfermeira, talvez?  Sentada em um sofá confortável aguardou longos cinco minutos. Eis que ele surgiu diante de si. Em uma cadeira de rodas. Pérsio, no acidente, havia fraturado uma vértebra cervical. Não andaria mais.
Essa mania de idealizar as situações, ela achou que encontraria Pérsio, no máximo, com uma cicatriz no queixo. Jamais havia dimensionado a gravidade da situação. Os dois conversaram durante mais de quatro horas. Falaram do acidente, do tempo de escola, dos amigos perdidos no passado, do casamento e divórcio de ambos, dos planos de futuro. Quando se despediram, ficou a promessa: se falariam online muitas vezes, não perderiam o contato no Facebook, jamais. Coisa difícil, o Pérsio não era muito chegado nesse tipo de mensagem, pouco conversava por ali. Resolveu desencanar, não investir em uma reaproximação. Certamente, ele sofria com todo o resultado do acidente e não desejava sua companhia.
Ela voltou pra praia e, sempre que caminhava à beira mar voltava a mergulhar naquela época, nos sonhos, no amor do passado.  Foi em uma dessas caminhadas que conheceu o salva vidas mais bonitão daquelas bandas, o Joel. Papo vai, papo vem, encontrou alguém fora da internet, alguém de carne e osso, ou melhor, de sensacionais músculos peitorais, bíceps, tríceps.  Namorar um salva vidas, melhor que isso só mesmo casar com o salva vidas. No dia de seu casamento, lá estava Pérsio. Acompanhado de uma moreninha com não mais que 20 anos. Sua nova namorada. Saia curtinha, pernas longas e bem torneadas. Entendeu com clareza: o negócio dele era gatinha, não gatona com mais de 50 anos.
Até hoje eles conversam no Facebook, perdem o contato ocasionalmente e, depois de tempos, voltam a conversar. Por falar em Facebook, o salva vidas também tem um perfil. Fechado, completamente fechado, um mistério. Jurou: ainda descobriria a senha e o segredo. Mas, isso é outra história. O que importa é que vive à beira mar, que sonha enquanto pisa descalça na areia e que alguém com braços fortes, praticamente, a salvou. Tudo o mais pertence ao futuro, tempo que ainda não nasceu.






1 de set. de 2013

FOTO 3X4

A foto 3x4, ainda recente. Quando a tirei? Há um, ou dois anos? Não soube dizer.A necessidade de ter uma foto recente me levou à busca dessa tal foto 3x4.
Séria, talvez triste. Cabelos longos e soltos. Olhar de quem pensava em algo chato, muito chato.
Quando será que tirei essa foto? A princípio não consegui lembrar.
Foto para documento de identidade tem que ser recente. Decidi perguntar a quem estava ao meu lado: - Você acha que está boa esta foto? Olhou-me com um sinal de desinteresse, outro olhar de crítica severa. - Não, mas eu acho que é melhor tirar outra foto, coisa recente.
O tempo passa. Noites insones, profundas olheiras, ruguinhas que brotam feito capim à beira da estrada.
Onde estará minha jovialidade? Feito flor a despetalar, senti-me aos pedaços com o comentário a respeito de minha foto 3x4. Eu acabando, acabada, sem solução. A opinião masculina, infelizmente, é vital para o viço feminino. Meio que morri assim...
Sem graça, fiquei sem graça. Uma mulher desinteressante, talvez? Velha, possivelmente. "Barangada", talvez. Descobri a data da foto, não mais que dez meses! Recente, portanto. Envelheci cem anos em dez meses, quem sabe?
Tentei decifrar naquele homem, distraído, frio, um sinal de interesse, ou desinteresse por mim. Alheio, totalmente alheio à minha aflição. Eu, a mulher invisível que apareceu na foto 3x4. A foto com o olhar triste de quem precisa,com urgência, emergir e voltar a viver. Voltar a amar e ser amada. Voltar a ser uma bela mulher.
Solidão acompanhada, esta a pior de todas as solidões. Autoestima feminina requer amor apaixonado. Sem isso, melhor não ter fotos 3x4, muito menos quem as comente.