E eis que o espírito natalino invadiu meu coração. Resolvi
decorar minha casa com luzes, enfeites coloridos, guirlanda, árvore de Natal.
Pra entrar no clima, encontrei um antigo CD com "Jingle Bells" e etc.
Pra começar, escolher onde vai ficar a árvore de Natal, isso
em um novo apartamento com dimensões muito reduzidas, não é simples. Perto da
varanda, certamente a árvore voaria pelos ares com o vento. Perto da porta atrapalharia a
passagem. Perto do corredor atravancaria o vai e vem. Acabei por escolher a sala de jantar, um
cantinho espremido entre a mesa e o buffet.
Primeiro passo, abrir a imensa caixa de papelão lacrada com
fita adesiva, com os seguintes dizeres anotados: “cuidado, frágil!”. Essa anotação
eu fiz pra que a equipe da mudança não quebrasse os minúsculos e delicados
enfeites natalinos.
Segundo passo, correr da barata que saiu voando de dentro da
caixa de papelão. Entrei em pânico, tive
uma crise de nervos. A bicha voou direto pra dentro do meu quarto, a poucos
metros da sala. Voou e pousou na porta do guarda-roupas. Procurei, em vão, um
daqueles aerossóis que prometem eliminar insetos. Encontrei no armário da
lavanderia os seguintes itens: bom ar, pinho sol, comfort e sabão em pó. Só?
Sim, só. Olhei na direção da vassoura, a vassoura me encarou. Não tinha jeito,
era vassourada, ou então conviver indefinidamente com aquele ser cascudo e
repulsivo. Não sou muito de beber nada alcoólico em dias úteis, horário
comercial. Porém, eu precisava tomar umazinha, pra criar coragem, matar aquele
monstro horripilante. Era ela, ou eu. Na
dispensa da cozinha encontrei uma garrafa de uísque de Divo Latívio. Dispensei
o copo, bebi um imenso gole direto no gargalo. Argh! Eu pulei segurando firme a
vassoura. Eu estava preparada pra voar!
Marchei com passos decididos rumo ao quarto. A barata que se
preparasse, aquela seria sua última cena! Abri a porta do quarto e... Cadê a
barata? Tinha sumido. Procurei atrás da porta, segurei a respiração, me
coloquei na pontinha dos pés e puxei a cortina da janela. Nada da fugitiva!
Embaixo da cama, nada. Bati com a vassoura em cima do guarda-roupas, atrás do
criado-mudo, balancei a roupa de cama. Simplesmente ela tinha desaparecido.
Voltei à decoração natalina mas, por precaução, deixei ao
meu lado minha poderosa arma: a vassoura.
Esses pisca-piscas costumam dar pau depois que os guardamos
durante vários meses. Estiquei aquele fio embaraçado de ponta a ponta na sala,
uns quatro metros no máximo, já que a sala é liliputiana. Notei que havia um
fiozinho solto, coisa simples de ser consertada. Onde eu teria guardado a fita
isolante? Lembrei: na caixa dentro do guarda-roupas do quarto. Lá fui eu
descalça, cantarolando "We Wish You a Merry Christmas". Abri a porta do
guarda-roupas e quem estava lá, pousada na minha jaqueta de couro argentino?
Ela, a barata voadora, que fez seu número e voou rasante sobre a minha cabeça. Foi
pra sala, eu peguei a vassoura e acertei uma cacetada na mesa lateral, derrubei
o abajur e quase mandei pelos ares um vaso de cristal, herança da bisavó de
Divo. Aquilo estava além dos meus limites, era uma questão de
honra: eu teria que exterminar a barata, ou não me chamaria mais Diva Latívia!
Atrevida, parou no alto da árvore de Natal, feito uma
estrela guia. Falei um palavrão impublicável. Eu já não mais raciocinava, eu
estava programada para matar a barata. Peguei a vassoura e... Bati na árvore de
Natal com tamanha força que matei a barata e destrocei a árvore de Natal, que
partiu em três pedaços.
Naquele instante, tocava "Noite Feliz" no CD. A casa toda
revirada, o cadáver do inseto ali, inerte. O pisca-pisca atropelado pela
vassoura. E eu? Ah, eu desliguei o CD, liguei o rádio naquela estação de rock.
Busquei um copo, coloquei duas pedrinhas de gelo, peguei novamente aquela
garrafa de uísque de Divo e me servi com dois dedinhos de uísque, que não
aprecio, mas bem serviu pra relaxar. Dancei uma espécie de dança de vitória de guerra, algo atávico, herança ancestral dos vikings. Meio fora de mim, desisti de continuar a arrumação natalina. Adiei, por tempo indeterminado.
Essa foi a minha primeira tentativa de entrar no ritmo do
Natal. Quem sabe, se eu visitar as ruas decoradas com luzes e enfeites muitos,
eu volte ao clima? Quem sabe?
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