Dizem que a pressa atrapalha a perfeição. Quando estou
apressada atropelo os móveis, topo o dedinho, derrubo objetos. Um tanto
distraída, com uma pitada de mau humor típico de quem vive atrasada. Coisa de
mulher urbana, com jornada múltipla. Casa, família, cachorro, trabalho, cursos,
amigos, imprevistos e a cabeça sempre nas nuvens. Assim despertei na manhã
fria de quinta-feira. Na agenda estava escrito com letras maiúsculas, minha
caligrafia de causar vergonha: NÃO
ESQUEÇA A REUNIÃO ÀS 8H00.
Doutor Armando, meu ex-chefe, é personagem de sonhos assustadores
e recorrentes. Desde que saí daquele escritório, ele povoa meus pesadelos. Fiquei
traumatizada, sinceramente. A cobrança de prazos, o receio de perder algum
papelzinho, aquilo se incorporou aos meus neurônios restantes. Todo compromisso de trabalho com hora marcada
me assombra. Tive um pesadelo, lá estava Doutor Armando a rasgar todas as cédulas de cem reais que tirava da minha carteira.
A noite mal dormida, sonolenta. Logo cedo encontrei
Divo, também atrasado, porém pensativo e enigmático.
Conversar assim que desperto, fazer a tal da “discussão da relação”, pra mim é
impossível. Ele comentou qualquer coisa a respeito do final de semana,
compromissos que modificariam meus planos de sossego. Contrariada, escutei e
escutei calada. Voltei para a cozinha, bebi café forte e sem açúcar, fui tomar
meu banho, depois dei comida pro meu cachorrinho. Olhei ao redor, Divo estava no terraço. Fiz um esforço apaziguador, me despedi e fui para o trabalho.Dez da manhã, no escritório, tocou meu celular, era da
portaria do edifício onde moro: - Dona Diva, o Sr. Divo está na sacada gritando, pedindo socorro.
O sangue esfriou tanto que imaginei hemácias on the rocks. Pensei na torradeira,
que de vez em quando esqueço ligada. Um incêndio, assalto, desabamento?
Fui para casa e passei pela portaria sob o olhar do
porteiro. Olhei para o alto, tentei visualizar o
apartamento. O
elevador subiu e subiu lentamente, Abri a porta
de casa, o cãozinho latiu mais estridente do que o normal. Ao ouvir a minha
chegada, a vizinha do apartamento ao lado apareceu no corredor. Disse apenas uma palavra: - Coitado!
Lá estava Divo, no canto do terraço, encolhido de tanto frio. A porta da sacada trancada pelo lado de dentro. Quando me despedi, tranquei a porta, um ato falho. Divo, possivelmente com a pressão
arterial alterada, estava meio roxo. Abri a porta e ele somente lançou um
olhar pontiagudo para mim.
Pedi desculpa, ele não respondeu. Busquei um copo d´água,
que ele bebeu em um gole só. Perguntei se precisava de alguma coisa: café,
remédio, médico, hospital. – Quero que você suma da minha frente!
E foi assim que eu sumi. Escrevo este texto ainda no
escritório. Voltar para casa parece uma péssima ideia neste momento. Será que
Freud conseguiria explicar essa situação? Bem que no meu horóscopo estava escrito que eu prenderia o amor nesta semana. Se fosse mais específico,
o tal do horóscopo deveria ter avisado que eu o prenderia no terraço do
apartamento.
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