Estavam os dois sentados à mesa do almoço. A comida era
pouca. Ele de bermuda, sem camisa, o suor brotava na testa, tinha o olhar opaco
e a barba mal feita. Ela, feições delicadas, olhos cor de jabuticaba, a
juventude de um botão de flor. Havia um retrato pendurado na parede, na fotografia
amarelada sorria uma mulher vestida de noiva e ao seu lado estava o mesmo
homem, porém ali ele era jovem.
Sob a mesa, a cada garfada ruidosa, os pés sujos e calejados
alcançavam as pernas alvas e trêmulas da filha, levantavam a barra da saia de
cor azul e expunham as coxas firmes e bem delineadas. Ela cruzava as pernas,
ele mandava que as descruzasse. Ela puxava a cadeira ligeiramente para trás,
ele ordenava que voltasse. Obedecia e ele sorria com os dentes estragados. Foi
assim até que ela cobriu o rosto com as mãos e soluçou. Depois, enxugou as
lágrimas na ponta da toalha de mesa descorada, desceu as mãos até o ventre e
multiplicou o choro.
O homem deu um soco na mesa, derrubou os copos. Amaldiçoou a
geração futura. Levantou-se, puxou-a pelo braço, arrastou-a da sala até o
quarto. Rendida, suplicou que a soltasse. Indiferente, ele mandou que despisse
o uniforme escolar, ela se recusou. Deu-lhe um empurrão que a fez rodopiar, ela
cedeu e o uniforme foi caindo pelo chão. Livrou-se da bermuda, bateu em sua barriga
desnuda, que despontava saliente. Passou as unhas encardidas por seu corpo
delgado, riscou suas costas. Virou-a de frente e surrou-a várias vezes. Ela se
curvou, ele agarrou-a pelos cabelos longos, parecidos com os da mulher do
retrato. Tirou-a pelo pescoço para dançar, uma dança sem música. Estavam vestidos
apenas com a claridade que vinha da janela.
No baú de madeira escura buscou um trapo comido pelas traças.
Cobriu a cabeça da filha com um véu de noiva, forçou-a a deitar-se na cama, tapou
sua boca e calou-a. Gemeu sobre seu corpo franzino. Depois de muito tempo,
soltou-a e adormeceu.
Já era o anoitecer quando de novo a caçou encolhida no sofá
da sala e ali mesmo voltou a gemer. Ela tentou se esquivar, encolheu-se em
posição fetal. Ele prendeu-lhe as pernas entre as suas. O sofá rangia e a
silhueta dos dois na penumbra era ligeira. Quando terminaram, mandou-a dizer
que o amava. Por fim, cobriu o rosto da noivinha com uma almofada. Ela gritou,
se debateu, se contorceu, suas mãos tentaram livrar-se do objeto. Pouco a pouco,
perdeu os movimentos até ficar inerte. Seus olhinhos castanhos estavam
esbugalhados e ainda choravam, uma lágrima desceu pelos lábios entreabertos. O
pai caminhou até à cozinha, serviu-se de uma bebida que escorreu por seu peito
grisalho. Tirou o retrato da parede, lançou-o contra a cristaleira, choveram
pedaços de vidro.
Era noite alta quando abriu a gaveta de um móvel e pegou um
revólver. Sentou-se na ponta do sofá. A lua iluminava o olhar parado no mesmo
lugar. Cacos de vidro cintilavam feito estrelas pelo chão. Chamou-a, ela não respondeu.
Bateu em sua barriga com o cano do revólver: uma, duas, muitas vezes e ela não
se mexeu. Abraçou-a, olhou para a parede
sem o retrato, apontou a arma para si e atirou. O véu ficou salpicado de
vermelho vivo.
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