Como dizia meu saudoso pai,
depois de um certo tempo neste mundo, tudo aquilo o que não arde, dói. E eu,
com algumas décadas de vida e uma certa dorzinha na coluna, que não sai de mim,
não sai, preciso tomar uma medicação que alivia os sintomas da hérnia de disco,
instalada na região da coluna lombar.
Amanheci e, quando me virei de
lado para sair da cama, a coluna fez créc. Não, não direi aquele clichê que
pode estragar qualquer bom texto. Não direi que amanheci crocante, de modo
algum!
Fiquei onde estava, tentando
respirar cuidadosamente, porque até mesmo o ar que entrava e saía de meus
pulmões cutucava a lesionada espinha, a caixa de ossos, o esqueleto. Enfim,
eu estava travada, se me erguesse a dor me derrubaria. Se tentasse voltar para
a posição inicial, ficaria na cama o resto do dia.
Gritei por ela: Zezé, minha
auxiliar do lar. – Zezé, corra aqui!
Depois de dois minutos,
mastigando o que imagino ser pão, Zezé entrou no meu quarto, sorridente e
sossegada. Expliquei a situação.
- Ave, dona Diva, a senhora
precisa mesmo é de uma benzedeira. Isso é mau olhado, coisa dessa gente
invejosa.
Se inveja causa hérnia de disco,
isso não posso afirmar, mas há muitos anos não ouvia alguém falar sobre
benzedeiras. Isso, de certa forma, pareceu atraente. Quem sabe, uma oração pudesse
me livrar do forte incômodo que, naquele exato segundo, me deixava dividida
entre enfrentar a dor, ou permanecer deitada e imóvel.
- Zezé, me ajude a sair daqui.
Demoramos vários minutos até eu,
curvada e sofrida, caminhar alguns passos na direção do banheiro. E depois de
tomar o café da manhã, sempre acompanhada de minha fiel escudeira, fui ao
pronto-socorro. O médico me examinou, pediu algumas radiografias, olhou os
exames com ar de dúvida. – A senhora tem hérnia de disco.
Pois é, ele descobriu que o fogo
queima, que a terra é redonda e que eu tenho hérnia de disco. Isso eu já tinha dito
muito antes dele olhar as radiografias. – E a senhora precisa tomar uma injeção
para a dor, uma outra medicação que vou receitar e faça repouso durante três
dias. Nada de exercícios físicos e nem carregar peso.
O peso que eu carrego é o meu.
Natal, ano novo, aniversário, carnaval. O resultado são os quilos a mais.
Porém, quanto aos exercícios físicos, é promessa que fiz no ano novo de 2012, quando
brindei com champanhe e disse que eu faria academia. Se a academia fosse de
letras, eu estaria saradíssima. Nas academias de ginástica não suporto: o barulho
daquelas anilhas batendo no chão. Aquela barriga para dentro e peito para fora
dos saradões e saradonas. E não suporto
gente suada e nem música alta. Sinto muito, eu sou assim. Exercícios físicos eu
gosto sim, mas algo do tipo yoga, caminhada no parque, natação, andar de
bicicleta. E na boa, sem cobranças ou muitas metas.
Saí do hospital, caminhando com
dificuldade e apoiada no ombro de Zezé, que de vez em quando proferia alguma de
suas frases incomparáveis: - A senhora agora está mancando do outro lado, acho
que é porque o médico lhe deu uma injeção desse lado da bunda.
Fomos à farmácia. Mal ali
cheguei, fui passada à frente de outras pessoas, o que achei estranho, até
injusto. O farmacêutico pegou a receita, trouxe o medicamento. – A senhora tem
desconto de aposentada? – Epa! Isso me deixou sem fala. Não sou velha, que
história é essa de olhar para mim e deduzir que sou aposentada? O pior é que
tenho mesmo desconto de aposentada, o que é ótimo para fazer economia e péssimo
para meu ego.
- A senhora gostaria de levar
algum outro medicamento? Veja esta lista, todos os nossos medicamentos para
controle da hipertensão estão com um ótimo desconto.
Vontade de mandar o farmacêutico
para aquele lugar impublicável. Voltamos para casa, Zezé e eu. Tomei o
remedinho, voltei para a cama, passei o resto do dia tentando afastar de mim
todo e qualquer pensamento negativo. - Não, não estou velha. Não, não aparento
ser aposentada. Esse foi um tipo de mantra que repeti até adormecer. Sonhei com
uma aula dessas bem puxadas de aeróbica. Música alta, todo mundo suando e eu,
comendo pipoca e assistindo à distância. Isso mesmo, eu comia pipoca e assistia
à aula, como se fosse a um filme.
Acordei decidida: não passaria
vontade nunca mais. Não ficaria novamente assim, sofrendo e pensando o tempo
todo na mesma coisa. Estava resolvido. Chamei Zezé e pedi: - Faz pipoca pra
mim?
E tem coisa melhor do que ter um
sonho inspirador?