Ela sempre foi do tipo que se cuidava. Cuidava da saúde,
cuidava das próprias finanças, cuidava da aparência. Sua casa era organizada ao
extremo. Por exemplo: os alimentos na geladeira obedeciam à ordem natural de
sua espécie: frutas na gaveta de baixo, legumes na gaveta de cima, leite e
derivados na prateleira da porta. Tudo era esterilizado e etiquetado: potinhos,
caixinhas, pastas e até gavetas. Alguns achavam muito chato o seu jeito de ser
e viver. Assepsia era o seu lema. Vivia a repetir: “se eu limpar, não haverá
bactérias”!
O namoro com Aurélio durou pouco, muito pouco. Entre um affair e outro eles dois se conheceram, se apaixonaram e feito um show de fogos de artifício tudo foi muito belo e muito breve. Pra ela inesquecível. Tratou de ocupar-se com a própria vida, trabalhou dobrado, estudou dobrado, namorou dobrado e viveu dobrado. Porém, Aurélio parecia uma sombra em sua vida. A todo instante os momentos rápidos que viveram passavam feito um filme em suas lembranças. Tornou-se cinzenta, rabugenta, exigente, metódica.
Sua ordem rigorosa se desfez quando se deparou com o novo
perfil do ex, lá no Facebook. Incompreensível. Aurélio, sem contato fazia
tempo, há um ano namorava Magali. Que Magali? Observou a foto da dita. Achou a rival gorda, mal ajambrada, moradora de pra lá da Serra do Tereré! Quantos defeitos ela enxergou
em Magali!
Viajou ao passado. Lembrou-se das juras de amor de Aurélio.
Da vã tentativa de reconciliação. De seus galanteios e confissões
intraduzíveis. Das noites de amor incandescentes, dos beijos, das loucuras que
cometeram juntos. Viveu e reviveu esses momentos, um voo sem volta. Aprisionou-se em lembranças que a faziam rir, sonhar, dançar e depois chorar
copiosamente.Não se conformou.
No dia seguinte deixou os sapatos e roupas
atirados na sala. No outro dia não se importou com as frutas se deteriorando na
fruteira. Não foi ao cabeleireiro, nem à academia de ginástica. Tamanho era seu
desgosto que sequer banho ela queria tomar. Parou de se alimentar e de trabalhar.
Ela definhou, pouco a pouco, mais e mais, até que se
esqueceu de pagar a conta da internet e a conta de luz. Sem conexão, deixou de acessar o perfil
do Aurélio e da Magali no Facebook. Não sabia mais se era noite, ou se era dia.
Sua casa à distância exalava odor de sujeira e bolor. Olhar perdido, falas
desconexas. Ela pirou e o tempo passou. Dias, semanas e meses. Pelos vizinhos
foi chamado o serviço de saúde da prefeitura de sua cidade. Ela foi levada para
uma instituição que abrigava pessoas doentes e sem parentes. Dizia entre dentes:
Aurélio, volta!
De amor mal resolvido simplesmente enlouqueceu. Amor mal
resolvido, às vezes, enlouquece.
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