O final de semana cinzento, chuvoso e gelado. Acordei
vitimada pela preguiça. Pijama quentinho, meias de lã e pantufinhas. Admirei o
dia frio pela janela do meu quarto.
Todas as caixas de papelão amontoadas no canto da sala
guardavam livros, discos, fotografias antigas e objetos diversos que herdei de
minha mãe. Demorei quase três anos para reunir todo esse material, uma espécie
de herança que jamais desejei. Onde guardaria tantas miudezas?
Preparei chocolate quente, sintonizei aquela rádio com
músicas dos anos 80. Suspirei resignada, talvez tão profundamente que espirrei
várias vezes seguidas. Ah, essa minha alergia a poeira!
Abri a primeira caixa. Um avental que dei de presente à
minha mãe. Quantos anos eu tinha? Lembrei: seis anos de idade. Bordado em ponto
cruz. A professora, mal humorada e impaciente com minhas mãozinhas ainda
miúdas, terminou o bordado entre uma reclamação e outra. Jamais gostei de trabalhos manuais, exceto
tricô e crochê. Lá estavam as agulhas de tricô. Todas coloridas. Quantos
casacos, meias, gorrinhos e cachecóis teriam sido ali tecidos, ponto a ponto?
Distraída, esbarrei em um vidrinho que abriu. Lantejoulas de cor púrpura
salpicaram o chão. Sentei-me sobre o
tapete e iniciei minha viagem ao passado.
Na avenida perto de casa havia uma loja de armarinhos. Minha
mãe comprava botões, linhas e algo que eu simplesmente adorava: vidrilhos,
lantejoulas, miçanguinhas. As prateleiras da loja eram uma festa para o meu
olhar que, no máximo, alcançava a ponta do balcão. Tudo parecia lindo e, ao
mesmo tempo, gigantesco. As lantejoulas de cor púrpura bordaram um vestido de
crepe da mesma cor, minha mãe vestiu-se de modo elegante em uma festa.
A máquina de costura trabalhava ao longo da noite, uma
antiga Singer. O som era acolhedor, familiar. Moldes, giz, réguas, tesouras,
alfinetes. A mesa da sala de jantar era o apoio para o trabalho de minha mãe. Revistas
com modelos de roupas, as saudosas revistas Burda, com fotos de tailleurs,
vestidos, casacos que saltavam do papel e ganhavam o guarda-roupas. Minha mãe,
artista do corte e costura.
Abri outra caixa, encontrei uma tira de bordado inglês que
serviu de bainha em um vestido branco que usei. Qual era a minha idade?
Dezoito? Vinte anos? O vestido em organza, uma faixa de cor pink dava um toque
moderno ao vestido. Fiz sucesso.
Antes de fechar a caixa admirei um casaquinho de bebê
amarelo, um patinho bordado e lacinhos de cetim de seda a enfeitar a gola.
Alguém o vestiu um dia. Teria sido eu, ou um dos meus irmãos?
Por fim, lacrei as caixas com fita adesiva, de modo
decidido. Aterrissei no presente carregada de lembranças distantes. Vida
alinhavada em querer bem. Saudade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário