Vinte minutos me esquivando de cotoveladas, empurrões,
cutucões nas minhas costelas. Um alívio
escutar o aviso sonoro: “Próxima estação, Sé, desembarque pelo lado esquerdo do
trem”. Metade dos passageiros do trem deu meio passo na direção da porta, ainda
fechada. Longa espera pela abertura da porta, uma espera que pareceu longa e
anormal. Um minuto e os viajantes começaram a demonstrar impaciência. Dois
minutos e nada da porta abrir. Do lado de fora do trem uma multidão a esperar a
abertura das portas e, dentro do trem, outra multidão a esperar a mesma
coisa. Três minutos, uma criança começou
a chorar. Quatro minutos, a senhora que segurava uma sacola de supermercado,
sem cerimônia, vomitou dentro do pacote.
Nada pode ser tão ruim que não possa piorar, certo? Certo! Comecei a
sentir aquela dorzinha de barriga velha de guerra, aquela que surge quando fico
nervosa. Meu estômago fazia malabarismo e o odor proveniente da sacola de minha
companheira de viagem agravava o meu mal estar. Alguém gritou: - “Abram!”. Outros viajantes fizeram coro: - “Abram logo
esta porta!”. Alguns, ao invés de porta
falaram outro nome, feio demais para aqui ser registrado. Começou o empurra-empurra, a gritaria, a
choradeira e eu senti que estava, francamente, com caganeira. Apesar de não ser
religiosa, resolvi também reagir: - “Meu Deus, socorro!”.
No café da manhã, ao contrário do que recomendou meu médico,
Doutor Antenor, eu evito comer muito bem. Comer muito bem e seguir direto pro metrô pode dar dor de
barriga. Para evitar a dor de barriga, como apenas o suficiente, ou seja:
pouco, quase nada. Naquela manhã fatídica, atrasada para chegar ao trabalho, tomei
um café da manhã pobre, muito pobre. Bebi café preto sem açúcar, comi uma
torradinha com pouca manteiga e fui, ainda mastigando, chamar o elevador, não
havia tempo a perder.
Finalmente, um comunicado do Metrô: - “Senhores passageiros,
por motivos técnicos os trens não estão circulando. Pedimos aos senhores
passageiros que estão nas plataformas que se afastem da linha amarela, para
evitar acidentes, agradecemos a sua colaboração”.
Eu quis chorar: e eu? Eu não estava na plataforma, eu estava
dentro de um trem lotado de gente à beira de um ataque de nervos! Li algo a
respeito de meditação, deixar que na mente passem todos os pensamentos sem se
prender a nenhum deles. Pensei assim: ”xô
dor de barriga, sai fora caganeira, eu estou curada, não tenho nada”. Pensamentos positivos, portanto.
Dezoito minutos naquele sufoco e, até que enfim, a porta do
trem foi aberta. Era gente se empurrando pra sair depressa, a mulher da sacola
vomitada ameaçou segurar no meu braço e eu gritei: - “Sai, que vou me cagar!”. Um
homem ao meu lado tampou o nariz, como quem diz: que nojo!
A Praça da Sé, coração da cidade de São Paulo, é um vai e
vem de gente que caminha rumo a tudo quanto é lugar: trabalho, escola, sei lá pra onde. Eu caminhava a esmo,
sem saber exatamente onde eu poderia usar um banheiro limpo e decente. Livrarias sempre foram uma espécie de segundo
lar pra mim. Nas livrarias eu já li muitos livros, de orelha a orelha. Já
conheci escritores, já tomei muitos cafés e até um ex-namorado conheci em uma
livraria. Livrarias, muitas vezes, têm o banheiro limpo e ideal para socorrer
uma refugiada do metrô. Naquele banheiro
tinha enxaguante bucal, fio dental, lenço de papel e música ambiente. Nesse
banheiro estiloso eu consegui resolver o maior de todos os problemas que tive
na vida (assim dimensionei o meu drama naquele instante de aperto). Para
disfarçar o meu único intuito – ir ao banheiro - passei rapidinho pela sessão
de livros jurídicos e agarrei o Código de Defesa do Consumidor, que depressa
larguei na sessão de romances policiais, a observar de rabo de olho se alguém
notava minhas verdadeiras intenções. Não levei o código, mas foi um excelente álibi
para o meu ingresso no recinto. Cheguei atrasada ao trabalho, por motivos mais
do que justificados, mas cheguei feliz, livre, leve e solta.
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