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Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







14 de fev. de 2014

AH, O AMOR...

Da janela do quarto ela o viu do outro lado da calçada. As noites de verão causavam sua vigília interminável. Horas e horas a papear com a insônia. De tudo havia feito para adormecer, tentativas inúteis. Por fim, buscou um copo d´água e debruçou-se na janela, a observar o movimento de pessoas e veículos barulhentos que iam e vinham. Assim que, ao longe, observou aqueles cabelos grisalhos, seu coração acelerou. Era ele! Sua primeira intenção foi a de gritar seu nome: - Sérgio! Oi!
Conteve-se. De camisola, não havia muito tempo a perder, naquela altura dos acontecimentos ele já deveria ter alcançado a esquina. Mais do que depressa vestiu a primeira roupa que encontrou, o vestidinho sobre a cadeira. Calçou um chinelo e, ainda prendendo os cabelos com um grampo, chamou o elevador. Chegou à rua e não mais o viu. Foi à esquina, olhou para todos os lados e nada dele. Estaria louca, teria visto alma do outro mundo? Não era possível, aquele era ele. O jeito de andar, a camisa cinza que ele gostava de usar. Era ele sim! Voltou pra casa caminhando lentamente, cabisbaixa e mergulhada no passado.
Pegou o celular e hesitou durante alguns minutos. Telefono pra ele, ou não telefono? Sentiu um frio desconfortável a percorrer sua espinha. Respirou fundo e assumiu o risco de fazer papel ridículo: telefonou. Do outro lado a mesma gravação, a voz grave de Sérgio, a mensagem que lhe pareceu tão familiar: “você telefonou para o Sérgio, por favor deixe o seu recado, obrigado”. Balbuciou um recado: “ Sérgio, se você escutar meu recado, estou acordada, quero muito conversar com você”.
Isso fazia oito anos. Sérgio não telefonou, ela sequer soube se ele escutou o recado. O tempo passou, muitas outras vezes foi à janela e não mais o avistou. Sérgio se perdeu na multidão e, pouco a pouco, a dor de sua ausência foi enfrentada. No dia em que mudou de apartamento, de novo deixou um recado naquela caixa postal de celular, disse seu endereço. Mandou também um e-mail, que voltou com aquele recado infeliz e cibernético: “undisclosed recipientes”. Sérgio simplesmente sumiu sem dar a menor satisfação.
Oito anos é tempo suficiente para empalidecer as lembranças, mas ela guardava cada detalhe em sua memória, tudo parecia ter acontecido ontem. Para curar a insônia, aprendeu técnicas de meditação, tornou-se adepta da yoga. Estava certa de que tudo aquilo pertencia ao seu passado, uma enorme lacuna que não merecia explicação.
O presente de Natal que faltava ser comprado,  isso ela deixou para escolher no horário do almoço. Saiu do escritório e, sem perder tempo, entrou na livraria. Entre poesias de Drummond sentiu alguém tocar levemente seu ombro. Virou-se e mal podia acreditar: era ele, o Sérgio. Mais grisalho e charmoso do que nunca!
Em sua cabeça passaram todos aqueles anos, um flashback triste e inevitável. Ele falou alguma coisa que não foi possível compreender, tal era a barulheira que fazia seu coração a bater disparado. Sentiu as mãos frias, a garganta seca. Tentou disfarçar, derrubou um livro no chão.
Somente voltou a si quando ele disse: - foi bom te ver, estou com um pouco de pressa, tenho que buscar meu filho na escola. Tchau, Dorinha!
Sua cabeça rodava: Filho? Ele tinha filho? Talvez tivesse se casado. É, provavelmente ele se casou. Casou com outra, não casou comigo. Teve filho com outra, não teve filho comigo.Chorou publicamente. 
Foi embora da livraria sem comprar o presente e somente se recompôs quando, meses depois, conheceu o Daniel, também grisalho. Se conheceram naquela mesma livraria, onde ela passou boa parte de seu tempo de modo persistente, compulsivo. Meses e meses, com a vã esperança de mais um reencontro.
Rei morto, rei posto. Um grisalho por outro grisalho. Restava apenas convencer seu coração, que até hoje anseia por outro golpe do destino, um novo encontro, uma oportunidade para poder perguntar: que filho? 
Ah, o amor...





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