Da janela do quarto ela o viu do outro lado da calçada. As
noites de verão causavam sua vigília interminável. Horas e horas a papear com a
insônia. De tudo havia feito para adormecer, tentativas inúteis. Por fim,
buscou um copo d´água e debruçou-se na janela, a observar o movimento de
pessoas e veículos barulhentos que iam e vinham. Assim que, ao longe, observou
aqueles cabelos grisalhos, seu coração acelerou. Era ele! Sua primeira intenção
foi a de gritar seu nome: - Sérgio! Oi!
Conteve-se. De camisola, não havia muito tempo a perder,
naquela altura dos acontecimentos ele já deveria ter alcançado a esquina. Mais
do que depressa vestiu a primeira roupa que encontrou, o vestidinho sobre a
cadeira. Calçou um chinelo e, ainda prendendo os cabelos com um grampo, chamou
o elevador. Chegou à rua e não mais o viu. Foi à esquina, olhou para todos os
lados e nada dele. Estaria louca, teria visto alma do outro mundo? Não era
possível, aquele era ele. O jeito de andar, a camisa cinza que ele gostava de
usar. Era ele sim! Voltou pra casa caminhando lentamente, cabisbaixa e
mergulhada no passado.
Pegou o celular e hesitou durante alguns minutos. Telefono
pra ele, ou não telefono? Sentiu um frio desconfortável a percorrer sua
espinha. Respirou fundo e assumiu o risco de fazer papel ridículo: telefonou.
Do outro lado a mesma gravação, a voz grave de Sérgio, a mensagem que lhe
pareceu tão familiar: “você telefonou para o Sérgio, por favor deixe o seu
recado, obrigado”. Balbuciou um recado: “ Sérgio, se você escutar meu recado,
estou acordada, quero muito conversar com você”.
Isso fazia oito anos. Sérgio não telefonou, ela sequer soube
se ele escutou o recado. O tempo passou, muitas outras vezes foi à janela e
não mais o avistou. Sérgio se perdeu na multidão e, pouco a pouco, a dor de sua
ausência foi enfrentada. No dia em que mudou de apartamento, de novo deixou um
recado naquela caixa postal de celular, disse seu endereço. Mandou também um
e-mail, que voltou com aquele recado infeliz e cibernético: “undisclosed recipientes”. Sérgio
simplesmente sumiu sem dar a menor satisfação.
Oito anos é tempo suficiente para empalidecer as lembranças,
mas ela guardava cada detalhe em sua memória, tudo parecia ter acontecido
ontem. Para curar a insônia, aprendeu técnicas de meditação,
tornou-se adepta da yoga. Estava certa de que tudo aquilo pertencia ao seu passado, uma enorme lacuna que não merecia explicação.
O presente de Natal que faltava ser comprado, isso ela deixou para escolher no horário do almoço.
Saiu do escritório e, sem perder tempo, entrou na livraria. Entre poesias de
Drummond sentiu alguém tocar levemente seu ombro. Virou-se e mal podia
acreditar: era ele, o Sérgio. Mais grisalho e charmoso do que nunca!
Em sua cabeça passaram todos aqueles anos, um flashback
triste e inevitável. Ele falou alguma coisa que não foi possível compreender,
tal era a barulheira que fazia seu coração a bater disparado. Sentiu as mãos
frias, a garganta seca. Tentou disfarçar, derrubou um livro no chão.
Somente voltou a si quando ele disse:
- foi bom te ver, estou com um pouco de pressa, tenho que buscar meu filho na
escola. Tchau, Dorinha!
Sua cabeça rodava: Filho? Ele tinha filho? Talvez tivesse se
casado. É, provavelmente ele se casou. Casou com outra, não casou comigo. Teve
filho com outra, não teve filho comigo.Chorou publicamente.
Foi embora da livraria sem comprar o
presente e somente se recompôs quando, meses depois, conheceu o Daniel, também
grisalho. Se conheceram naquela mesma livraria, onde ela passou boa parte de seu
tempo de modo persistente, compulsivo. Meses e meses, com a vã esperança de mais um reencontro.
Rei morto, rei
posto. Um grisalho por outro grisalho. Restava apenas
convencer seu coração, que até hoje anseia por outro golpe do destino, um novo encontro, uma
oportunidade para poder perguntar: que filho?
Ah, o amor...
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