A cabeça dela rodava. Mil pensamentos na contramão. Há quantos
anos eles estavam juntos? Tentou fazer as contas, mas o torpor da segunda
garrafa de vinho parecia fazer girar seus pensamentos. Caiu sentada no segundo degrau da escada. O
velho edifício, o mesmo onde nascera. Herança de seus pais, o apartamento
enorme que precisava de reforma. A
Avenida Atlântica pareceu brincar de roda. Acendeu um cigarro. Tragou fundo e
riu sozinha. Quantos amores? Quantos namorados? Maridos? Amaldiçoou: que os homens todos fossem pro
inferno!
Há meses ela esperava um só elogio, galanteio, um só beijo
apaixonado, um breve abraço com segundas intenções. Tudo, tudo, tudo, menos a
frieza do Zé Geraldo. Ele parecia apático, indiferente, indecifrável. Pagava as contas em dia, não deixava faltar
nada na geladeira, comparecia aos compromissos familiares. Porém, não mais a beijava
na boca, nem mais a abraçava de conchinha ao buscar o sono. Era o começo do fim do relacionamento. Deu um
ponto final, um corte que sangrou.
Bebeu. Bebeu tudo o que conseguiu beber: vinho, champanhe,
uísque, cerveja e licor. Enjoou com o café da saideira. Tirou as sandálias de
salto alto, enxugou o suor da testa e tentou remover os confetes presos nos
cachos de seus cabelos loiros. Entrou em um táxi e seguiu desacompanhada pra
casa. Foi assim que se lançou ao segundo degrau da escadaria do edifício Sobre
os Mares, o mesmo que assistiu à sua infância, adolescência, ao seu primeiro
beijo. Beijo trocado com ele mesmo, o Zé Geraldo. De namorado a marido demorou
pouco tempo. Menos tempo durou o enlace, ele se engraçou com uma tal de Alice.
Ela resolveu dar uma virada, mudar tudo na vida. Mudou os
móveis da sala, depois mudou de emprego, clareou os cabelos, emagreceu. Mas,
aquela dor de corno, aquela que fica no fundo do coração, não passava com nada.
Saiu com um sujeito que conhecera na internet. Saiu, bebeu, entre
confetes, por fim largou o cara falando sozinho, entrou naquele táxi e, de tão
zonza, tropeçou e caiu no segundo degrau da escada do prédio onde morava. Quedou-se
para chorar tanto que chegou a soluçar por tudo, por todos e, por fim, por
nada. Tonta, bêbada de dor.
Vida, coisa doida que roda depressa demais pra gente
acompanhar.
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