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Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







16 de ago. de 2012

SEGUNDO DEGRAU


A cabeça dela rodava. Mil pensamentos na contramão. Há quantos anos eles estavam juntos? Tentou fazer as contas, mas o torpor da segunda garrafa de vinho parecia fazer girar seus pensamentos.  Caiu sentada no segundo degrau da escada. O velho edifício, o mesmo onde nascera. Herança de seus pais, o apartamento enorme que precisava de reforma.  A Avenida Atlântica pareceu brincar de roda. Acendeu um cigarro. Tragou fundo e riu sozinha. Quantos amores? Quantos namorados? Maridos?  Amaldiçoou: que os homens todos fossem pro inferno!
Há meses ela esperava um só elogio, galanteio, um só beijo apaixonado, um breve abraço com segundas intenções. Tudo, tudo, tudo, menos a frieza do Zé Geraldo. Ele parecia apático, indiferente, indecifrável.  Pagava as contas em dia, não deixava faltar nada na geladeira, comparecia aos compromissos familiares. Porém, não mais a beijava na boca, nem mais a abraçava de conchinha ao buscar o sono.  Era o começo do fim do relacionamento. Deu um ponto final, um corte que sangrou.
Bebeu. Bebeu tudo o que conseguiu beber: vinho, champanhe, uísque, cerveja e licor. Enjoou com o café da saideira. Tirou as sandálias de salto alto, enxugou o suor da testa e tentou remover os confetes presos nos cachos de seus cabelos loiros. Entrou em um táxi e seguiu desacompanhada pra casa. Foi assim que se lançou ao segundo degrau da escadaria do edifício Sobre os Mares, o mesmo que assistiu à sua infância, adolescência, ao seu primeiro beijo. Beijo trocado com ele mesmo, o Zé Geraldo. De namorado a marido demorou pouco tempo. Menos tempo durou o enlace, ele se engraçou com uma tal de Alice.
Ela resolveu dar uma virada, mudar tudo na vida. Mudou os móveis da sala, depois mudou de emprego, clareou os cabelos, emagreceu. Mas, aquela dor de corno, aquela que fica no fundo do coração, não passava com nada.
Saiu com um sujeito que conhecera na internet. Saiu, bebeu, entre confetes, por fim largou o cara falando sozinho, entrou naquele táxi e, de tão zonza, tropeçou e caiu no segundo degrau da escada do prédio onde morava. Quedou-se para chorar tanto que chegou a soluçar por tudo, por todos e, por fim, por nada. Tonta, bêbada de dor.
Vida, coisa doida que roda depressa demais pra gente acompanhar.

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