Eu tinha acabado de sair da reunião quando tocou meu
celular. Era Divo.
- Amor, a que horas você vai voltar do trabalho?
Jamais sei a que horas voltarei pra casa. A correria é
muita, o trânsito complica tudo e eu não sei de mais nada.
- Lá pelas 20h00. Talvez, lá pelas 21h00. Por que a
pergunta?
- Precisamos ir ao supermercado.
Nada, mas nada mesmo me irrita tanto quanto fazer o
supermercado. Pior que isso, nada, mas
nada mesmo me irrita tanto quanto fazer o supermercado à noite, depois de um
longo e cansativo dia de trabalho.
Passei o dia sem a menor pressa de voltar pra casa. Pudera,
eu sequer teria o gostinho de ver na TV o bonitão. Não, ele não é mais O Astro.
Rodrigo Lombardi agora salvou Jorge, digo, trabalha na novela Salve Jorge. Ai,
ai...
Voltando ao assunto: eu odeio fazer supermercado, detesto
esse tipo de compromisso depois de dez, doze horas de trabalho. Porém, Divo,
melhor do que ninguém sabe o jeito certo de me intimar. Ou será me intimidar?
Nem sei. Tudo o que sei é que eu saí às 20h30 do escritório me arrastando. Eu era o retrato em preto e branco da
situação. Parecia que uma nuvenzinha de chuva caminhava sobre minha cabeça, a
desaguar um temporal.
Supermercados modernos, de fato hipermercados. Lá tem de
tudo: de fralda geriátrica até ração para o cachorro. É possível caminhar
quilômetros a puxar e empurrar um pesado carrinho de compras. Pensando bem: pra
quê academia de ginástica, não é mesmo?
Quando eu preparo a
lista de compras faço questão de anotar tudo o que falta em meu lar, doce lar. Primeiro,
faço uma limpeza na geladeira. Depois, faço uma limpeza na dispensa. Depois, é
a vez do banheiro e da área de serviço. Mas, ultimamente, ando sem tempo. A
lista foi preparada por Divo Latívio. Lista econômica, exótica, como se escreve
“esdrúxula”?
Estávamos na fila dos frios, meus pés doíam tanto que decidi
tirar os sapatos. Descalça, provei uma fatia de mortadela. Meu estômago roncou
satisfeito. Divo continuava a escolher calmamente entre salame italiano e
salame hamburguês. Ao meu lado um senhor de uns 79 anos admirava o meu decote. Quase
faleci, eu estava mortinha de cansaço. Sorri amarelinho pro vovô.
A sessão de produtos de limpeza é muito interessante,
especialmente às 22h00 e depois de um longo dia de trabalho suado. Na lista de
Divo constava apenas detergente e sabão em pó.
Lembrar-se de cada ítem faltante na área de serviço, isso parece um
tormento. Pelo sim, pelo não, coloquei uma porção de coisas no carrinho já
lotado.
Congelados. Não gosto muito disso, prefiro tudo natural, mas
Divo é moderninho. Couve de Bruxelas, smiles e hambúrguer. Tudo isso e mais
alguma coisa. Eu já não via mais a hora de voltar pra casa! Tentei calcular a
quantas horas eu estava vestida com aquele tailleur, meia-calça, scarpin de
salto alto. Exatamente quinze horas e quarenta e cinco minutos.
Divo, vestido com bermudão, chinelão e nem aí, estava sem a
menor pressa. Decidiu escolher pilhas para a lanterna. Depois decidiu escolher
vinhos para a nossa adega. Não fosse meu desespero, eu o teria ajudado a
escolher, mas eu estava literalmente desesperada. Eu daria tudo por um banho,
por meu pijaminha, minhas pantufinhas. O que teria acontecido no capítulo de
Salve Jorge?
- Divo, estou muito cansada, ainda faltam muitas coisas na sua lista de compras? - Falta, não reclame Diva, deixe de moleza!
Moleza, eu? Aquilo começava a mexer com meu juízo.
Eram 23h20 quando passamos pelo caixa. Divo atento ao
empacotamento dos produtos, que embalava sossegadamente, sem o menor sinal de estresse, e eu fazendo trabalho braçal, ou seja, era eu quem
tirava as coisas de dentro do carrinho e colocava sobre a esteira rolante do
caixa. Tudo bem, se minha missão terrena era sofrer tamanho sacrifício, pois
que assim fosse. Eu sabia que estava suada, desgraçada, descabelada. Eis que a
água de lavadeira, a maldita Cândida, escapou de minhas mãos, bateu na quina do
carrinho e estourou no chão, juntinho de minhas pernas. Respingou em mim.
Manchou irremediavelmente minha roupa. Eu comecei a chorar. O que fez Divo
Latívio? – Pare de chorar, você está ficando louca?
Pois foi assim que vi Divo Latívio pela última vez, isso há
48 horas. Eu saí do supermercado pisando duro e ligeiro, eu e meu perfume de
limpeza de vaso sanitário. Ainda escutei
Divo gritar: - Diva, volte aqui, você está com minha carteira dentro da bolsa! Peguei
um táxi e rumei pra um hotel quatro estrelas (poderia ser cinco estrelas
também). Tomei um banho de banheira
digno de uma rainha, dormi uma noite de princesa, espalhada na cama, meu corpo
em formato de X. No dia seguinte, comprei duas mudas de roupas e tratei de não
atender nenhum telefonema de Divo.
Escrevo este texto no tablet que adquiri ali no shopping.
Nada como um bom hotel com wi-fi, cama king size e serviço de quarto. Quando voltarei pra casa? Sei lá! Tirei
férias depois do episódio do supermercado. Ah, fala sério... Tem coisa melhor
que umas férias conjugais, ainda mais com tudo pago com o cartão de Divo
Latívio?
2 comentários:
Cômica se ñ fosse trágica sua saga!!! Pelo menos voltou das férias com o Divo?
Olá, Clara!
Fui espiar seu blog. Gostei muito!
Trágica a minha saga? Pois se tudo aquilo o que escrevo, certamente, tem o meu perfume... Como evitar um toque de pimenta, outro de açúcar, uma gotinha de amargura, outra de bom humor?
Ah sim, as férias de Divo foram bem curtas. O limite do cartão de crédito dele estourou, por assim dizer...rs
Obrigada pelo seu comentário, volte sempre!
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