Dia do trabalho, ou dia da preguiça? A maioria das pessoas
não trabalha neste dia, feriado celebrado com horas a mais de sono, passeios
pela cidade, viagens, idas a restaurantes, almoços em casa, ou visitas a amigos
e parentes. Como diria a Nona: “il dolce
far niente”, traduzindo: curta seu feriado, divirta-se!
Trabalhar, eu escutava esse verbo aos catorze, quinze anos
de idade, como quem escutava falar do resto de toda minha vida. O que eu seria um
dia? Vocação é algo sagrado, quem exerce seu ofício com dom apaixonado e
apaixonante simplesmente não trabalha,
vive! E eu, ainda que em tão tenra idade, tinha essa noção da diferença que
existia e sempre existirá entre realizar um ofício para ganhar o pão de cada
dia e realizar o mesmo ofício com a habilidade e o amor de quem nasceu para
exercê-lo.
Desde criança eu fui levada pelas mãos de meu avô, um
renomado advogado da época, a fóruns, adentrava em salas de audiência puxada
por suas mãos rechonchudas, era apresentada aos magistrados, que deixavam de
lado suas expressões sisudas e sorriam simpáticos pra mim. Jamais esquecerei uma cena: eu miudinha, com
não mais que quatro anos de idade, sentada sobre uma mesa do Fórum João Mendes,
atual Foro Central de São Paulo, caixa de bombons que ganhei em mãos e feliz a
beber guaraná. Some-se a isso que eu dizia que, quando crescesse, seria médica
pediatra, o que acalentava o sonho irrealizado de minha mãe e minha avó, donas
de casa de meados do século 20, que se dedicaram ao lar, doce lar, enquanto suas
verdadeiras vocações foram deixadas pra lá. Talvez, isso explique o motivo de
algumas mulheres do passado terem se tornado amarguradas.
O tempo passou, saí de cima da mesa onde bebia guaraná e fui
para detrás do balcão, sem mais observar sorrisos simpáticos. Ganha pão! São
agora quase trinta e três anos de profissão, todos esses anos no mesmo emprego.
A aposentadoria aponta no horizonte a acenar pra mim. Dezembro de 2013, dentro
de sete meses poderei mudar para o lado de fora do balcão e, quiçá, levar meus
futuros netos a passeios divertidos pelos corredores da Justiça de nosso país.
A vida se repete.
O que farei depois da aposentadoria? Essa pergunta passou a
atormentar meus pensamentos todos. Ficar em casa é ótimo, mas apenas por
algumas horas. O mundo ferve e eu sou borbulha a mais de mil graus de
temperatura. Um dia desses deparei-me com um teste vocacional on-line, em um
desses sites destinados a estudantes prestes a ingressar nas universidades. Há
mais de quarenta anos eu fiz um teste vocacional, isso no colégio de freiras
onde eu estudava. O resultado foi medicina, ou jornalismo. Azeite, ou vinagre?
Par, ou ímpar? Não pude levar a sério o resultado, tamanha diferença que
imaginei entre as duas profissões. Deixei de lado o resultado e tratei de
seguir o meu caminho: Direito, mundo das leis, dos parágrafos, artigos,
códigos, decretos, mundo perfeito em letrinhas e imperfeito em ações. Mundo que
eu conheci a saborear guaraná e que avistei aos quatro anos de idade,sentada sobre mesas
onde ninguém ousaria jamais recostar-se. Desiludida, afinal de guaraná a fel a
vida mudou muito com o passar dos anos, agora eu me pergunto: o que será que eu vou ser quando me aposentar?
O quê? Veja bem, caro leitor, cara leitora, essa é a pergunta que eu faço e que
muitos se fazem neste momento da aposentadoria. O que fazer com o resto da
vida, que ainda haverá de durar no mínimo três, quatro décadas?
Fiz o teste vocacional on-line. Tratei de ser sincera ao responder
todos os itens, um a um, inclusive algo sobre preferir morar sozinha a morar
com meus pais ( a esta altura dos fatos, morar com meus pais significaria morar
na terra dos pés juntos). Quando vi o resultado, tentei imaginar o que teria
sido de mim, de minha história, se desde a época em que eu fazia meu número das
perninhas cruzadas a beber guaraná nas salas de audiência, eu soubesse que nasci para ser atriz, cineasta,
ou escritora. E encontrei a explicação para a minha teimosa mania de escrever neste
blog: vocação! Escreverei meu ganha pão, essa será a minha profissão!
Hoje, Dia do Trabalho.
Dedico este texto a meu avô, José, que me ensinou o valor do exercício
apaixonado e honesto da profissão.