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Dia de feira, aquela correria. O antigo carrinho, velho auxiliar e valente ajudante, cujas rodinhas insistem em não mais fazer a curva. Desci a ladeirinha da rua, virei à direita. Atravessei a avenida na faixa de pedestres. Eu o puxava, ele reclamava: nhéc, nhéc, nhéc. Verduras, frutas, legumes. Ah, sim, parei na barraquinha de pastel e caldo de cana. Lotado até à boca, arriando com o peso. Quase precisei levá-lo no colo. Assim que subi a ladeirinha uma rodinha se soltou. Os tomates rolaram pela sarjeta, os maracujás decidiram acompanhar a trajetória. O resgate foi complicado, um vigia da rua ajudou na missão. Quando tudo parecia resolvido, escutei a voz de nossa vizinha, a idosa Dona Violeta.
- Bárbara Germânia, há quanto tempo!
Tudo parecia tão surreal! Bárbara Germânia foi minha mãe, falecida há algum tempo.
- Bárbara, conte pra mim, por onde você andava?
- Ô Dona Violeta, eu não sou...
- Ah, menina, você está tão jovem! Fez plástica?
- Não! Eu...
- Usou algum creme importado?
- É que...
- Sabe, Bárbara, acho que você deveria se casar novamente.
- Dona Violeta, a minha mãe fa...
-Nossa, sua mãe ainda está viva? Essa sua família parece ter caído no poço da juventude!
Eu não conseguia dizer pra Dona Violeta que eu não era minha mãe, que eu era eu mesma. Incrível, ela deveria saber que a Mami faleceu, mas tudo indicava que estava confusa, talvez caduca! Achei melhor não contrariá-la.
- Dona Violeta, preciso ir embora, tenho que preparar o almoço.
- Você sempre tão prendada! Bom almoço e mande um beijo pra Diva, faz tempo que não a vejo. Ela já se casou com aquele namorado que a enrola... como é mesmo o nome dele?
- Divo Latívio.
- Isso! Que embrulhão!
Comecei a rir sem parar. Tive que concordar.
- Bom dia pra senhora.
- Bom dia, Bárbara. Vou rezar pra que Santo Antônio desencalhe a nossa Diva.
- Reze mesmo! Tchau!
- Tchau.
Pois é, a nossa semelhança física é mesmo grande. Vejo fotos antigas da minha mãe e me surpreendo. Outro dia, outra confusão parecida aconteceu. Mensalmente compramos sacos de lixo de um vendedor que passa de porta em porta. Quando fui atendê-lo, o homem ficou pálido, deu alguns passos pra trás, levou a mão ao peito. O susto foi tanto que, imediatamente percebi, ele estava vendo uma assombração. Pobre do homem, pensou ter visto minha mãe. Quando notou a confusão pediu desculpas. Servi até um copo d´água para ajudá-lo a recuperar-se. Depois desse dia sumiu. Terá infartado?
O telefone tocou.
- Bom dia, Dona Bárbara?
- Não senhora. Aqui quem fala é a filha dela.
- Ah, tá. Meu bem, pode chamar sua mãe?
- Não posso, ela...
- Olha, nós do Banco Vai Pro Brejo, temos uma excelente proposta para ela.
- É que...
- As nossas taxas de juros para clientes especiais com ...
- Dona... Ela não está.
- Onde posso encontrá-la?
- Quer mesmo saber?
- Por gentileza, sim.
- Ok. Quadra 8, lote 67898765 do Cemitério do Morumby.
-...
Parece que me livrei de uma chata. Ela desligou.
Ser filha de Dona Bárbara Germânia não é fácil. Ela sempre atual, cotidiana. Foi-se pro Céu, mas deixou a sua estampa, a sua marca, a sua história. E cá estou, a divagar sobre nossa semelhança física. Já comprei um novo carrinho de feira e estou habituada a responder com naturalidade os cumprimentos de Dona Violeta. Toda quinta-feira ela passa por mim, subindo a ladeirinha da rua e voltando da feira. Ainda pensa que sou minha mãe. E, o melhor disso é que ela está fazendo uma novena para que Diva Latívia desencalhe. Quem sabe Santo Antônio a escute? Toda confusão tem o seu lado positivo, certo?
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
19 de jun. de 2011
TAL MÃE, TAL FILHA!
Dia de feira, aquela correria. O antigo carrinho, velho auxiliar e valente ajudante, cujas rodinhas insistem em não mais fazer a curva. Desci a ladeirinha da rua, virei à direita. Atravessei a avenida na faixa de pedestres. Eu o puxava, ele reclamava: nhéc, nhéc, nhéc. Verduras, frutas, legumes. Ah, sim, parei na barraquinha de pastel e caldo de cana. Lotado até à boca, arriando com o peso. Quase precisei levá-lo no colo. Assim que subi a ladeirinha uma rodinha se soltou. Os tomates rolaram pela sarjeta, os maracujás decidiram acompanhar a trajetória. O resgate foi complicado, um vigia da rua ajudou na missão. Quando tudo parecia resolvido, escutei a voz de nossa vizinha, a idosa Dona Violeta.
- Bárbara Germânia, há quanto tempo!
Tudo parecia tão surreal! Bárbara Germânia foi minha mãe, falecida há algum tempo.
- Bárbara, conte pra mim, por onde você andava?
- Ô Dona Violeta, eu não sou...
- Ah, menina, você está tão jovem! Fez plástica?
- Não! Eu...
- Usou algum creme importado?
- É que...
- Sabe, Bárbara, acho que você deveria se casar novamente.
- Dona Violeta, a minha mãe fa...
-Nossa, sua mãe ainda está viva? Essa sua família parece ter caído no poço da juventude!
Eu não conseguia dizer pra Dona Violeta que eu não era minha mãe, que eu era eu mesma. Incrível, ela deveria saber que a Mami faleceu, mas tudo indicava que estava confusa, talvez caduca! Achei melhor não contrariá-la.
- Dona Violeta, preciso ir embora, tenho que preparar o almoço.
- Você sempre tão prendada! Bom almoço e mande um beijo pra Diva, faz tempo que não a vejo. Ela já se casou com aquele namorado que a enrola... como é mesmo o nome dele?
- Divo Latívio.
- Isso! Que embrulhão!
Comecei a rir sem parar. Tive que concordar.
- Bom dia pra senhora.
- Bom dia, Bárbara. Vou rezar pra que Santo Antônio desencalhe a nossa Diva.
- Reze mesmo! Tchau!
- Tchau.
Pois é, a nossa semelhança física é mesmo grande. Vejo fotos antigas da minha mãe e me surpreendo. Outro dia, outra confusão parecida aconteceu. Mensalmente compramos sacos de lixo de um vendedor que passa de porta em porta. Quando fui atendê-lo, o homem ficou pálido, deu alguns passos pra trás, levou a mão ao peito. O susto foi tanto que, imediatamente percebi, ele estava vendo uma assombração. Pobre do homem, pensou ter visto minha mãe. Quando notou a confusão pediu desculpas. Servi até um copo d´água para ajudá-lo a recuperar-se. Depois desse dia sumiu. Terá infartado?
O telefone tocou.
- Bom dia, Dona Bárbara?
- Não senhora. Aqui quem fala é a filha dela.
- Ah, tá. Meu bem, pode chamar sua mãe?
- Não posso, ela...
- Olha, nós do Banco Vai Pro Brejo, temos uma excelente proposta para ela.
- É que...
- As nossas taxas de juros para clientes especiais com ...
- Dona... Ela não está.
- Onde posso encontrá-la?
- Quer mesmo saber?
- Por gentileza, sim.
- Ok. Quadra 8, lote 67898765 do Cemitério do Morumby.
-...
Parece que me livrei de uma chata. Ela desligou.
Ser filha de Dona Bárbara Germânia não é fácil. Ela sempre atual, cotidiana. Foi-se pro Céu, mas deixou a sua estampa, a sua marca, a sua história. E cá estou, a divagar sobre nossa semelhança física. Já comprei um novo carrinho de feira e estou habituada a responder com naturalidade os cumprimentos de Dona Violeta. Toda quinta-feira ela passa por mim, subindo a ladeirinha da rua e voltando da feira. Ainda pensa que sou minha mãe. E, o melhor disso é que ela está fazendo uma novena para que Diva Latívia desencalhe. Quem sabe Santo Antônio a escute? Toda confusão tem o seu lado positivo, certo?
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