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Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







1 de jun. de 2011

PERFEITAMENTE DESLIGADA


Desde aquele dia eu não tinha uma experiência tão desastrosa. Cheguei a sentar-me no banco da pracinha, entre pombos e mendigos, para tentar colocar as confusas ideias de volta no lugar.
Desde aquele dia, quando entrei no avião errado, nada parecido acontecia. O voo? Ah, sim, não lhes contei ainda sobre isso. Precisava embarcar para Florianópolis, uma viagem relativamente curta, coisa simples e corriqueira. Porém, quando chamaram o voo, eu me dirigi ao portão de embarque, entrei no avião, acomodei-me na poltrona indicada na passagem. Tudo correu muito bem, ótima decolagem, pouca turbulência. Maravilhoso, até perceber que eu estava indo pra Brasília. Bem que havia notado aqueles sujeitos de terno, sisudos, mal humorados. Políticos, talvez.
Quis gritar, chorar, espernear. Se pudesse eu pediria pra descer, mas já que não sei voar, precisei esperar o pouso da aeronave. Fiquei descontrolada. Perdi a reunião de trabalho e fui piadinha por muito tempo lá no escritório.
Desde aquele dia, eu não experimentava uma sensação tão desconfortável. Vou lhes contar! Estava no supermercado. Fiz minhas compras normalmente. Validei o ticket, coisa moderna que possibilita a saída do estacionamento. Cheguei onde havia parado o carro, abri o porta-malas, guardei as minhas compras. Calmamente saí. Quando cheguei na garagem de casa, notei algo estranho. Que cadeirinha de bebê era aquela no banco de trás? Um mau pressentimento se apoderou de mim. Imediatamente lembrei aquele voo rumo a Brasília.
Desci do carro e meu coração parecia querer saltar boca afora. Aquele não era o meu carro! Modelo parecido, cor prata, mas não era o meu carro! Pensei no que fazer, nenhuma ideia razoável atravessava o meu cérebro. Liguei pra polícia.
– Polícia ao seu dispor.
- Moça, socorro. Roubei um carro.
- Como?
- Quero dizer, eu fui fazer compras no supermercado, mas quando cheguei em casa percebi que trouxe pra casa o carro errado. Dá pra entender?
- Senhora, comunicação falsa de delito é crime punido pelo Código Penal, artigo...
- Moça, dona policial, estou falando sério, eu vim pra casa com um carro que não é o meu!
-Sua chamada já foi identificada. Deseja ser presa em flagrante por falso comunicado de crime?
- Não é falsa! Eu sou de verdade e roubei, ou trouxe pra casa, um carro que não é meu!
E ela continuou duvidando de mim por mais algum tempo. Decidi, então, levar o carro de volta pro lugar onde eu o achei. Entrei no estacionamento tremendo, suando gelado. Faróis apagados, sem o cinto de segurança, pra poder correr se fosse necessário. A vaga ainda estava desocupada, nada estranho parecia ocorrer ao redor, nenhum policial, nem mesmo um segurança do supermercado, ou o dono do veículo. Estacionei rapidamente, fechei a porta e apressei meus passos, rumo à saída de pedestres. Lancei um olhar furtivo, quase criminoso, em direção ao objeto alvo da confusão. Pude ver a aproximação de um casal feliz, empurrando um carrinho lotado de compras, uma criança pequena no colo da mãe. Eram os donos do carro. Ao que parece, sequer notaram que estacionei mal pra caramba.
Sentei-me na pracinha para me recuperar. Ali fiquei a lavar meus pensamentos embaralhados. “Felizes são os pombos, que não precisam de avião para viajar. Feliz é aquele pedinte, um mendigo sem carro, sem compras e sem garagem para estacionar”.
Por fim, voltei a mim com o toque do celular. Era a polícia.
- Senhora Diva Latívia? Estamos ligando devido à informação de um crime.
Gelei.
-Crime?
- Sim, a senhora telefonou a exatamente duas horas comunicando ter roubado um veículo.
-Eu?
-Senhora, mais alguém usa esse aparelho de celular?
-Sim! Ou melhor, eu perdi o celular no supermercado, mas agora a pouco voltei e lá estava ele, em cima do balcão de frios. Não é mesmo incrível?
-Durante quanto tempo a senhora permaneceu sem seu aparelho celular?
-Umas... hã... Não sei! Eu demoro tanto pra fazer compras!
- Certo. Por gentileza, dirija-se a uma delegacia de polícia e comunique que seu celular ficou perdido.
- Ah, tá, pode deixar, seu guarda. Obrigada, viu?
- De nada. A polícia da cidade agradece a sua atenção.
Ah, eu queria ser uma pomba e voar pro Afeganistão. Queria ser mendiga e cair dentro daquele bueiro debaixo do viaduto. Como é mesmo o nome daquele chá que acaba com os problemas? Ah, sim, chá de cicuta. Veneno mortal.
Ai quem me dera não ser tão distraída, pisar por onde ando, olhar pra onde vou! Porém, tudo isso faz parte do meu show. Esta sou eu, uma Diva desligada, cheia de histórias maluquinhas pra lhes contar.



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