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Olhei pro espelho, olhei e olhei. Crítica, severa. Chata, pra dizer o mínimo. Arranquei aquele fiozinho de cabelo branco. Haja tinta! Aja, tinta! Que droga, os cabelos brancos brotam feito mato, por mais que eu corra pro salão do cabeleireiro. Continuei a inspeção, desta vez meu olhar derramou-se sobre as ruguinhas ao redor dos olhos. Aquela receitinha caseira da rodelinha de pepino, lembrei disso. Fui até à cozinha, peguei o tal do pepino, o legume, evidentemente. Fatiei em rodelas bem fininhas. Fui até à sala, liguei o som em uma rádio FM que tocava música suave. Acomodei-me entre as almofadas do sofá. Lá estava eu, rodelas de pepino sobre os olhos, pensando em nada e escutando algo ao estilo Frank Sinatra. Tocou o celular. Tocou, tocou e tocou. Removi as rodelas de pepino dos olhos, busquei o aparelho dentro da bolsa. Parou de tocar. Algum número não identificável. Estava assim registrado na lista de chamadas perdidas: número desconhecido.
Voltei ao sofá, novamente acomodei as fatias de pepino sobre meus olhos. Creio, adormeci. Sonhei com George Clooney e o tapete vermelho do Oscar. Eu, cheia de glamour, de braços dados com o bonitão. Novamente o celular tocou, literalmente puxou o meu tapete. De novo um número não identificado. Atendi.
- Alô! Diva Latívia?
Esforcei-me para ser educada. – Sim, pois não, quem é?
- É da operadora de celular Lógico! Nosso programa, de mil e trocentos minutos de ligação gratuita para outro celular de nossa operadora, está muito interessante. A senhora, nossa cliente preferencial, automaticamente também recebeu um bônus de mil e sei lá quantos minutos para ligar para qualquer fixo no estado de São Paulo. Concorda com essa inclusão?
Meio sonolenta, os pepinos entre as mãos, melecando o aparelho de celular. A música que tocava era orquestrada, algo sob medida para dançar, tal e qual Ginger Rogers. Aquela sim, uma diva da época em que celular era ficção científica e nada mais.
- Não estou interessada.
- Senhora Diva, nosso plano de mil e trocentos minutos de ligação gratuita para qualquer celular de nossa operadora Lógico, mais a promoção de mil e sei lá quantos minutos para qualquer fixo no estado de São Paulo proporcionará à senhora, nossa cliente preferencial, uma economia de cem reais em sua conta mensal. Basta que a senhora concorde e, imediatamente, “estará sendo” beneficiada pela nossa promoção.
- Desculpe, eu estou ocupada.
- Senhora, podemos “estar ligando” em outro horário de sua preferência.
- Entendo, mas agora não posso mais falar.
- Pois não, senhora. Ligarei mais tarde.
Ufa, lá se foi a mala sem zíper, sem rodinha. Que chatice essas operadoras de celular!
Continuei meu ritual, pepinos sobre os olhos, música lenta. Não mais consegui encontrar George Clooney. Ah, quem me dera voltar pro mesmo sonho!
Voltei ao espelho. Notei uma leve penugenzinha loira sobre meus lábios. Com mulher de bigode, nem o diabo pode. Certo? Errado. Aquilo precisava ser imediatamente removido. Busquei aquele creme de depilação, aquele que comprei da Isis recentemente. Abri, mais ou menos li as instruções. Passei uma quantidade farta sobre os lábios. Esperei dez minutos, sem me importar sequer com o que dizia o rótulo do produto. Removi após esse tempo. Meio avermelhado o meu rosto, mas a minha pele é sensível. Fiz um lanchinho, vim ao computador cuidar do blog. Nem sei quanto tempo passou. Quando novamente fui ao espelho, minha boca havia inchado tanto que se parecia com a boca da Angelina Jolie. Beiçuda, bocuda! Continuou inchando sem parar. Resolvi pedir socorro ao médico. Telefonei. – Doutor, passei um creme depilatório no rosto, minha boca não para de inchar! – Diva, qual é o nome desse creme?
Fui até o banheiro procurar. Abaixei, revirei tudo no armário sob a pia. Enfim, achei. Voltei com a embalagem em mãos. Diz aqui: “gel lubrificante para motores”.
Quase engasguei. Como que era mesmo? Li de novo. Era aquilo mesmo, um gel lubrificante para motores de carros. Aquilo estava dentro da embalagem do creme depilatório!
O médico quase se matou de rir. Como pode um médico fazer isso com uma paciente com a boca da Angelina Jolie? Receitou um antialérgico e pediu que eu observasse a melhora, em caso contrário deveria ir ao pronto-socorro.
Já medicada, fiquei esperando por Divo Latívio, sentada na sala. Bocuda e furiosa. Eu parecia um índio esperando o cara-pálida. Um índio pele vermelha, daqueles que penduram badulaques enormes nos lábios.
Quando ele entrou em casa, eu estava cega de ódio. Quem havia colocado aquele gel para lubrificar peças de automóveis, dentro da caixinha do meu creme depilatório?
Jurou de pés juntos que não tinha sido ele. Notei que, vez ou outra, evitava olhar pra mim. Estava com vontade de rir, sei que estava rindo por dentro, se divertindo com a minha tragédia.
Suspeito número um eliminado. Restava a única suspeita: Zezé, minha valiosa ajudante do lar.
No dia seguinte, oito horas da manhã, Zezé chegou em casa. Contente, cantarolando. Resolvi ir direto ao assunto.
- Zezé, você guardou um tubinho dentro desta caixa aqui? Mostrei a ela a embalagem.
Fez cara de choro. –ô dona Diva, não fala assim comigo não, que sou direita, sou boa e nunca mexi em nada da senhora. Sou humilde, sou limpinha. Fez um discurso interminável, de dar dó.
Os dois suspeitos se recusaram a colaborar. Nenhum dos dois assumiu a culpa. Tudo o que sei é que hoje, cinco dias depois, meu rosto ainda está um pouco avermelhado e a boca continua parecida com a da Angelina Jolie. Acho, descobri algo mais eficaz que botóx e preenchimento. Para ficar bocuda, nada melhor que gel lubrificante automotivo. É tiro e queda! Passou, inchou.
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
6 de set. de 2011
BOCÃO!
Olhei pro espelho, olhei e olhei. Crítica, severa. Chata, pra dizer o mínimo. Arranquei aquele fiozinho de cabelo branco. Haja tinta! Aja, tinta! Que droga, os cabelos brancos brotam feito mato, por mais que eu corra pro salão do cabeleireiro. Continuei a inspeção, desta vez meu olhar derramou-se sobre as ruguinhas ao redor dos olhos. Aquela receitinha caseira da rodelinha de pepino, lembrei disso. Fui até à cozinha, peguei o tal do pepino, o legume, evidentemente. Fatiei em rodelas bem fininhas. Fui até à sala, liguei o som em uma rádio FM que tocava música suave. Acomodei-me entre as almofadas do sofá. Lá estava eu, rodelas de pepino sobre os olhos, pensando em nada e escutando algo ao estilo Frank Sinatra. Tocou o celular. Tocou, tocou e tocou. Removi as rodelas de pepino dos olhos, busquei o aparelho dentro da bolsa. Parou de tocar. Algum número não identificável. Estava assim registrado na lista de chamadas perdidas: número desconhecido.
Voltei ao sofá, novamente acomodei as fatias de pepino sobre meus olhos. Creio, adormeci. Sonhei com George Clooney e o tapete vermelho do Oscar. Eu, cheia de glamour, de braços dados com o bonitão. Novamente o celular tocou, literalmente puxou o meu tapete. De novo um número não identificado. Atendi.
- Alô! Diva Latívia?
Esforcei-me para ser educada. – Sim, pois não, quem é?
- É da operadora de celular Lógico! Nosso programa, de mil e trocentos minutos de ligação gratuita para outro celular de nossa operadora, está muito interessante. A senhora, nossa cliente preferencial, automaticamente também recebeu um bônus de mil e sei lá quantos minutos para ligar para qualquer fixo no estado de São Paulo. Concorda com essa inclusão?
Meio sonolenta, os pepinos entre as mãos, melecando o aparelho de celular. A música que tocava era orquestrada, algo sob medida para dançar, tal e qual Ginger Rogers. Aquela sim, uma diva da época em que celular era ficção científica e nada mais.
- Não estou interessada.
- Senhora Diva, nosso plano de mil e trocentos minutos de ligação gratuita para qualquer celular de nossa operadora Lógico, mais a promoção de mil e sei lá quantos minutos para qualquer fixo no estado de São Paulo proporcionará à senhora, nossa cliente preferencial, uma economia de cem reais em sua conta mensal. Basta que a senhora concorde e, imediatamente, “estará sendo” beneficiada pela nossa promoção.
- Desculpe, eu estou ocupada.
- Senhora, podemos “estar ligando” em outro horário de sua preferência.
- Entendo, mas agora não posso mais falar.
- Pois não, senhora. Ligarei mais tarde.
Ufa, lá se foi a mala sem zíper, sem rodinha. Que chatice essas operadoras de celular!
Continuei meu ritual, pepinos sobre os olhos, música lenta. Não mais consegui encontrar George Clooney. Ah, quem me dera voltar pro mesmo sonho!
Voltei ao espelho. Notei uma leve penugenzinha loira sobre meus lábios. Com mulher de bigode, nem o diabo pode. Certo? Errado. Aquilo precisava ser imediatamente removido. Busquei aquele creme de depilação, aquele que comprei da Isis recentemente. Abri, mais ou menos li as instruções. Passei uma quantidade farta sobre os lábios. Esperei dez minutos, sem me importar sequer com o que dizia o rótulo do produto. Removi após esse tempo. Meio avermelhado o meu rosto, mas a minha pele é sensível. Fiz um lanchinho, vim ao computador cuidar do blog. Nem sei quanto tempo passou. Quando novamente fui ao espelho, minha boca havia inchado tanto que se parecia com a boca da Angelina Jolie. Beiçuda, bocuda! Continuou inchando sem parar. Resolvi pedir socorro ao médico. Telefonei. – Doutor, passei um creme depilatório no rosto, minha boca não para de inchar! – Diva, qual é o nome desse creme?
Fui até o banheiro procurar. Abaixei, revirei tudo no armário sob a pia. Enfim, achei. Voltei com a embalagem em mãos. Diz aqui: “gel lubrificante para motores”.
Quase engasguei. Como que era mesmo? Li de novo. Era aquilo mesmo, um gel lubrificante para motores de carros. Aquilo estava dentro da embalagem do creme depilatório!
O médico quase se matou de rir. Como pode um médico fazer isso com uma paciente com a boca da Angelina Jolie? Receitou um antialérgico e pediu que eu observasse a melhora, em caso contrário deveria ir ao pronto-socorro.
Já medicada, fiquei esperando por Divo Latívio, sentada na sala. Bocuda e furiosa. Eu parecia um índio esperando o cara-pálida. Um índio pele vermelha, daqueles que penduram badulaques enormes nos lábios.
Quando ele entrou em casa, eu estava cega de ódio. Quem havia colocado aquele gel para lubrificar peças de automóveis, dentro da caixinha do meu creme depilatório?
Jurou de pés juntos que não tinha sido ele. Notei que, vez ou outra, evitava olhar pra mim. Estava com vontade de rir, sei que estava rindo por dentro, se divertindo com a minha tragédia.
Suspeito número um eliminado. Restava a única suspeita: Zezé, minha valiosa ajudante do lar.
No dia seguinte, oito horas da manhã, Zezé chegou em casa. Contente, cantarolando. Resolvi ir direto ao assunto.
- Zezé, você guardou um tubinho dentro desta caixa aqui? Mostrei a ela a embalagem.
Fez cara de choro. –ô dona Diva, não fala assim comigo não, que sou direita, sou boa e nunca mexi em nada da senhora. Sou humilde, sou limpinha. Fez um discurso interminável, de dar dó.
Os dois suspeitos se recusaram a colaborar. Nenhum dos dois assumiu a culpa. Tudo o que sei é que hoje, cinco dias depois, meu rosto ainda está um pouco avermelhado e a boca continua parecida com a da Angelina Jolie. Acho, descobri algo mais eficaz que botóx e preenchimento. Para ficar bocuda, nada melhor que gel lubrificante automotivo. É tiro e queda! Passou, inchou.
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