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Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







22 de set. de 2011

O DOMINGO QUE NUNCA SONHEI


Domingo ensolarado, mas que coisa boa! Pensei na programação: um passeio no parque, depois suco de acerola na barraquinha, voltar pra casa e tomar um longo banho, ir depois pra casa de Sogra Latívia. Já tinha calçado o tênis quando Divo me interrompeu: vamos ao supermercado! Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Lá fomos nós pra um hipermercado atacadista. Longe, em plena Marginal Tietê. No caminho, tratei de abrir a janela do carro e respirar aquele gás carbônico dos veículos, misturado com o odor do rio Tietê.
Eis que começou o martírio do meu último domingo. Compras realizadas, voltamos pro carro. Calor, um dia digno de um passeio na Serra do Tereré, algo bucólico e romântico. Admirei os caminhões trafegando pela marginal. Devo ter suspirado resignada, porque tossi. Prontos para zarpar rumo à casa da sogra. Lá íamos nós! Chave do carro no contato... E nada! O carro parecia estar desmaiado. Pensei: liga, desgraçado! Nem sinal de vida. Decidimos chamar o socorro mecânico. Esse tipo de serviço promete ajuda prestativa, se nada puder ser feito, o carro deverá ser guinchado. Certo? Não foi assim. Portanto, a resposta é: errado!
Chegou o motociclista- mecânico, trouxe a parafernália que prometia nos salvar. A bateria foi recarregada. Carro funcionando, entramos na Marginal Tietê. Rodamos menos de um quilômetro e, novamente, o carro parou. Tenta ligar, tenta, tenta! Pensei em um palavrão. Que raiva, passou por nós um desses carrões importados, havia bicicletas presas em um suporte. Aquela gente sim, eles estavam curtindo o domingo. Já nós dois... Lá estávamos, parados na pista, atrapalhando o trânsito, praticamente encalhados no asfalto. Nova ligação para o socorro mecânico. Meia hora de espera, chegou o mesmo mecânico motociclista. A operação foi repetida, a bateria deveria ter recarregado, mas o carro não deu sinal de vida. Diagnóstico: não havia solução, o guincho deveria ser chamado. Porém, esses seguros são um fiasco. Não enviaram o guincho, ficamos muito tempo ali, parados, prato cheio para sermos assaltados.
A janela do carro estava aberta, o vidro elétrico não funcionava. As compras estavam derretendo, descongelando e murchando sob o sol causticante. Táxi, nem pensar. O jeito seria um de nós sair a pé, encontrar uma avenida próxima, tentar encontrar o tal do táxi, ir a algum lugar onde vendessem uma nova bateria. Precisávamos ainda de uma tal de chave 10, para trocar a danada da dita cuja.
A decisão foi a seguinte: Divo iria comprar o artefato e eu ficaria ali, dentro do carro, atolada, sob o sol, esperando a sua volta. Juro, a dor de barriga nem havia ainda dado sinal. Demorou exatos quinze minutos para minha barriga emitir um som mais ou menos assim: brrrruuummmmm... Decidi rezar: Por favor, tudo menos isso, aqui não tem banheiro, não tem matinho, não tem lugar! Parecia uma revolução, lembrei do leite com mamão que bebi no café da manhã. Suava gelado. Que pena, o ar condicionado não funcionava. Fiz uma promessa: se eu não me cagar, irei à igreja acender uma vela para as almas do purgatório. Purgatório? Lembrei! Eu tinha tomado um comprimido de laxante na noite anterior. Estava perdida, como segurar a situação? Impossível.
Quarenta minutos mais tarde, chegou Divo. Suado, danado, carregando uma chave 10 e uma bateria. Tirou a velha, colocou a nova. Entrou no carro. Olhou-me apalermado. Não podia acreditar. Que culpa tive eu, se não pude segurar? As compras derretidas, creio que o presunto estragou. E eu precisava de um banho, roupas limpas, tudo menos o que escutei da boca daquele que deveria me oferecer amor e proteção: vamos pra casa da minha mãe.
Mãe? A mãe dele é a minha sogra. Chegar naquela casa no estado que eu estava, isso poderia significar eterna humilhação. Chorei, não podia espernear, senão a coisa iria se espalhar. Ameacei, gritei, falei uns nomes impublicáveis. Por fim, ele pegou uma daquelas pontes da marginal e fez o retorno, rumo à nossa casa.
Chegamos sem conversar, aliás a situação estava digna de prender a respiração. Estacionamos o carro na garagem. Descer do carro, outra complicação. Divo subiu até o apartamento, pegou pra mim uma toalha de banho, a minha preferida. Que judiação! Escolheu um sobretudo, aquele que eu trouxe de NY! Fiz o melhor que pude, os sapatos faziam um som assim: chéc, chéc. Lembrei de um certo dizer: já que escorreu, mexa os dedinhos. Realmente, estava quentinho.
Pegamos o elevador. Aquela chata do oitavo andar entrou no meio do caminho. Olhava pra mim, olhava pra Divo. Juro, fiz cara de paisagem.
A sogra não perdoou o furo, não fomos ao almoço programado. Eis aqui a explicação. Almoçamos hambúrguer descongelado, sem muito conversar. Hoje, telefonou a seguradora, pra saber o meu grau de satisfação com o atendimento do socorro mecânico. Não me contive: cara senhora, ficamos parados na Marginal, sem guincho. Eu passei mal, quase morri! Estragou a comida, estragou meu sobretudo, estragou o meu sapatinho de camurça e estragou o meu domingo. Quis saber o que eu era de Divo. – Esposa, por que?
Foi assim que descobri que casei com Divo Latívio, em um domingo nada cheiroso na Marginal. Tudo tão diferente do que sempre sonhei, mas com a certeza de que comecei com o pé direito... Fazendo chéc, chéc, chéc....

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