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Lá fora o sol, dentro do apartamento a sensação térmica assemelhava-se à temperatura da geladeira. Frio, muito frio! Acordamos atrasados, cada um correu pra um lado. Não deu tempo de lavar os cabelos, mas consegui fazer uma maquiagem rápida e leve. Divo despediu-se, escutei sua voz vinda do corredor, junto à porta do banheiro: - Bom dia, amor.
A pia lotada de louça. A máquina de lavar roupas funcionando à toda! E eu atrasada, reunião de trabalho marcada para as 09h00. Assim que terminei de me arrumar, larguei a casa pra lá e rumei em direção à porta de casa. Pressa, eu estava com muita pressa. Porta trancada, o chaveiro não estava no lugar de costume. Tenho uma chave reserva, aquela que fica sobre a prateleira da cozinha. Não estava lá. Falei uns nomes impublicáveis, olhei mais uma vez pro relógio: 08h35. Chegaria atrasada! Levantei almofadas, revirei minha bolsa, fiz uma breve excursão pelo apartamento. Nada do chaveiro, nada da chave. Telefonei pra Divo. Irritou-se, disse que não tinha visto chave nenhuma. Mas, como ele saiu de casa? Eis que, com essa pergunta, ele encontrou no bolso de seu paletó o meu chaveiro. Distração, talvez. Deixou-me trancada no apartamento.
Escrava moderna. De tailleur, salto 10, maquiada. Trancada no apartamento. Divo não poderia vir libertar-me, no máximo poderia enviar um motoboy com o meu alvará de soltura, mas demoraria uma hora isso.
A reunião! Como explicar a minha ausência? Como dizia a vovó, melhor uma mentira inteira do que uma verdade pela metade. – Doutor Armando? Bom dia, doutor. Sou eu, a Diva. Como o senhor está? Hã? Reunião? Nossa, esqueci que havíamos agendado a reunião, doutor! Estou aqui, em Curitiba, vim buscar os documentos da Parto Feliz, a maternidade nossa cliente. Pois não, doutor. Sim, devo voltar no voo das... das... 17h00.
Menti! Escrava, trancada, mentirosa. Pela janela observei o movimento de carros e pessoas. Livres, todos livres. Inveja dessa liberdade. O motoboy chegou, o interfone tocou. – Ô Dona Diva, tem uma encomenda aqui pra senhora, mas a síndica proibiu nóis de subir no apartamento, a senhora tem que vir buscar. – Ô Severino, tem aí uma cordinha ou uma escada? – Tem sim senhora, pode vir buscar que empresto pra senhora. – Severino! Não me faça perder a paciência, preciso que traga pra mim essa encomenda, é a chave do apartamento, estou aqui trancada. – Dona Diva! Seu Divo trancou a senhora em casa? – Trancou sim, Severino. – Que homem doido, trancar um anjo feito a senhora! – Severino, anda depressa, traga logo essa chave.
Ele abriu a porta, parecia um super herói. Indignado, valente, corajoso. – A senhora está bem?Quer que eu chame algum parente seu? Olha, se precisar de testemunha na separação eu digo toda verdade pro juiz. – Que separação, Severino? – A sua com seu Divo, ele trancou a senhora em casa! – Severino, foi um acidente, ele trancou sem querer. Olhou-me como quem duvidava de minhas palavras. Voltou pra portaria, cismado.
Dia complicado. Não pude ir pro trabalho, afinal eu disse que estava em Curitiba. O resto do dia reservei para lavar a louça, arrumar a cama, passar seis camisas sociais de Divo, aproveitei pra fazer as unhas e resolver um assunto com o gerente do banco. No final do dia, Divo chegou com a expressão zangada estampada em seu rosto. – Sabe o Severino? Passei pela portaria, ele me disse que se eu de novo te trancar em casa, ele vai chamar a polícia. Você, Diva, não sabe resolver nada sem gritar, pedir socorro. – Não gritei, nem pedi socorro! – Pediu sim, Severino disse que você queria escada e corda pra se salvar.
Não adiantou nada explicar toda a história. Divo, o involuntário causador da confusão, parecia determinado a brigar comigo. Perdi a reunião, fiquei trancada, menti pro meu chefe, tive que aturar Divo e Severino. Agora tenho quatro cópias da chave de casa. Uma fica dentro da minha bolsa, a outra fica na prateleira da cozinha, a terceira fica dentro da gaveta de calcinhas e a última, essa deixei dentro do vasinho de pimenta, aquele que Divo cultiva. Não tem erro, presa no apartamento não ficarei nunca mais!
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
1 de set. de 2011
DIVA, TRANCADA EM CASA
Lá fora o sol, dentro do apartamento a sensação térmica assemelhava-se à temperatura da geladeira. Frio, muito frio! Acordamos atrasados, cada um correu pra um lado. Não deu tempo de lavar os cabelos, mas consegui fazer uma maquiagem rápida e leve. Divo despediu-se, escutei sua voz vinda do corredor, junto à porta do banheiro: - Bom dia, amor.
A pia lotada de louça. A máquina de lavar roupas funcionando à toda! E eu atrasada, reunião de trabalho marcada para as 09h00. Assim que terminei de me arrumar, larguei a casa pra lá e rumei em direção à porta de casa. Pressa, eu estava com muita pressa. Porta trancada, o chaveiro não estava no lugar de costume. Tenho uma chave reserva, aquela que fica sobre a prateleira da cozinha. Não estava lá. Falei uns nomes impublicáveis, olhei mais uma vez pro relógio: 08h35. Chegaria atrasada! Levantei almofadas, revirei minha bolsa, fiz uma breve excursão pelo apartamento. Nada do chaveiro, nada da chave. Telefonei pra Divo. Irritou-se, disse que não tinha visto chave nenhuma. Mas, como ele saiu de casa? Eis que, com essa pergunta, ele encontrou no bolso de seu paletó o meu chaveiro. Distração, talvez. Deixou-me trancada no apartamento.
Escrava moderna. De tailleur, salto 10, maquiada. Trancada no apartamento. Divo não poderia vir libertar-me, no máximo poderia enviar um motoboy com o meu alvará de soltura, mas demoraria uma hora isso.
A reunião! Como explicar a minha ausência? Como dizia a vovó, melhor uma mentira inteira do que uma verdade pela metade. – Doutor Armando? Bom dia, doutor. Sou eu, a Diva. Como o senhor está? Hã? Reunião? Nossa, esqueci que havíamos agendado a reunião, doutor! Estou aqui, em Curitiba, vim buscar os documentos da Parto Feliz, a maternidade nossa cliente. Pois não, doutor. Sim, devo voltar no voo das... das... 17h00.
Menti! Escrava, trancada, mentirosa. Pela janela observei o movimento de carros e pessoas. Livres, todos livres. Inveja dessa liberdade. O motoboy chegou, o interfone tocou. – Ô Dona Diva, tem uma encomenda aqui pra senhora, mas a síndica proibiu nóis de subir no apartamento, a senhora tem que vir buscar. – Ô Severino, tem aí uma cordinha ou uma escada? – Tem sim senhora, pode vir buscar que empresto pra senhora. – Severino! Não me faça perder a paciência, preciso que traga pra mim essa encomenda, é a chave do apartamento, estou aqui trancada. – Dona Diva! Seu Divo trancou a senhora em casa? – Trancou sim, Severino. – Que homem doido, trancar um anjo feito a senhora! – Severino, anda depressa, traga logo essa chave.
Ele abriu a porta, parecia um super herói. Indignado, valente, corajoso. – A senhora está bem?Quer que eu chame algum parente seu? Olha, se precisar de testemunha na separação eu digo toda verdade pro juiz. – Que separação, Severino? – A sua com seu Divo, ele trancou a senhora em casa! – Severino, foi um acidente, ele trancou sem querer. Olhou-me como quem duvidava de minhas palavras. Voltou pra portaria, cismado.
Dia complicado. Não pude ir pro trabalho, afinal eu disse que estava em Curitiba. O resto do dia reservei para lavar a louça, arrumar a cama, passar seis camisas sociais de Divo, aproveitei pra fazer as unhas e resolver um assunto com o gerente do banco. No final do dia, Divo chegou com a expressão zangada estampada em seu rosto. – Sabe o Severino? Passei pela portaria, ele me disse que se eu de novo te trancar em casa, ele vai chamar a polícia. Você, Diva, não sabe resolver nada sem gritar, pedir socorro. – Não gritei, nem pedi socorro! – Pediu sim, Severino disse que você queria escada e corda pra se salvar.
Não adiantou nada explicar toda a história. Divo, o involuntário causador da confusão, parecia determinado a brigar comigo. Perdi a reunião, fiquei trancada, menti pro meu chefe, tive que aturar Divo e Severino. Agora tenho quatro cópias da chave de casa. Uma fica dentro da minha bolsa, a outra fica na prateleira da cozinha, a terceira fica dentro da gaveta de calcinhas e a última, essa deixei dentro do vasinho de pimenta, aquele que Divo cultiva. Não tem erro, presa no apartamento não ficarei nunca mais!
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