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Naquele dia ensolarado, dia bonito que seria ainda mais belo se não fosse uma terça-feira, eu estava na correria entre o trabalho e os afazeres domésticos. Divo tinha ido pro trabalho, eu precisava deixar a casa meio em ordem e seguir depressa pro escritório. Antes, parei na casa da Juraci, uma vizinha fofoqueira que prepara doces e bolos, quis fazer uma encomenda pro final de semana. Ela tinha acabado de preparar um café, aceitei o convite para entrar em sua casa. Quando vi o colar sobre a mesa, aquele patuá com figa, olho de tigre, ferradura, achei tão bonitinho. Mais do que depressa, ela me ofereceu de presente. Não queria aceitar, mas ela insistiu tanto que, pra mostrar o quanto fiquei agradecida, eu o coloquei no meu pescoço. E fui embora pro trabalho.
Já tiveram uma terça-feira negra? Pois começa aqui a história de um dia que prefiro riscar pra sempre do meu caderninho. Assim que entrei no escritório, meu chefe, Dr. Armando, estava furioso, mas tão bravo comigo que mal pude reconhecê-lo. Normalmente, ele é amável e paciente. Estava transtornado, não sabia onde estava o carregador de seu celular. Por engano, eu havia levado o carregador pra minha casa, dentro de minha bolsa. Isso quase custou o meu emprego, jamais vi aquele homem tão zangado. Tentei contornar, do jeito que pude. O clima ficou tenso, eu fiquei tensa. Que terça-feira foi aquela!
Quando voltei pra casa, tentando voltar pra Terra, encontrei Divo. Outro transtornado, inconformado. Procurava o chip de seu celular, pois fez migração pra outra operadora e o chip novo ele não encontrava. Procura, procura, procura. E eis que o chip também estava dentro da minha bolsa. Já tinha visto Divo do avesso, mas não daquele modo. Brigamos.
Dentro da minha bolsa cabe quase tudo. Aliás, ali dentro tem de tudo, menos dinheiro. Já fui batizada pela turma do escritório de “Capitão Caverna”. Desconsolada, chorando sem parar, resolvi tomar um banho. E eis que parei na frente do espelho e observei aquele colar, o tal de patuá. Macumba. Só podia ser macumba! Peguei o colar e guardei dentro de um saco plástico.
No dia seguinte, Divo e eu sem nos falarmos, fui direto até à Avenida Marginal. Parei em uma ponte sobre o rio Pinheiros, os carros buzinando. Encostei no parapeito e, quando eu ia jogando no rio o colar macumbado, afinal dizem que essas coisas a gente tem que jogar em um rio, um sujeito parou o carro ao meu lado e gritou: - moça, pelo amor de Deus, não se jogue, calma, vamos conversar.
E eu, que só queria mandar o colar pro raio que o partisse, ou melhor, atirar o colar na água, ainda tive que explicar pro homem que aquilo não era uma tentativa de suicídio, apenas era operação de descarrego. Por fim, trouxe o colar de volta pra casa e joguei na lixeira.
Quando Divo voltou do trabalho, ainda sem falar comigo, fiquei pensando na bobagem que eu tinha feito. Se o colar estava macumbado, o certo era mesmo jogá-lo em água corrente. Fui até a lixeira, entre sacos de lixo e caixas de papelão consegui resgatá-lo. Discretamente, fui até o banheiro, joguei o colar no vaso sanitário e dei descarga. Pois não é que a privada entupiu? Pior, aquele monte de água subindo, transbordando e eu com medo que Divo descobrisse o mal feito.
Resolvi pegar o desentupidor de pia. Meti as mãos naquela água nada límpida e tentei puxar o colar. Dez minutos depois, Divo bateu na porta do banheiro. – Diva, o que está acontecendo? E eu, preparada pra me ferrar de vez, pedi uns minutinhos, disse que estava com dor de barriga. Tive uma ideia, peguei um pente de cabelo, com o cabo tentei puxar o colar. O pente também foi parar dentro do vaso. Aí não tinha mais jeito, precisei chamar o Divo.
Ele não conseguiu resolver, quem consertou o estrago foi o porteiro do prédio, o Severino. Teve que tirar o vaso sanitário do chão, foi uma bagunça enorme que aconteceu pra remover o colar e o pente entalados no encanamento.
Quando vi o colar, aquilo me deu até arrepio. Já tinha feito quase tudo pra me livrar dele, sem conseguir. E eis que tive outra ideia: me livrar do colar em algum bueiro por aí. E foi o que eu fiz, parei na esquina, o maior bueirão dando sopa. Joguei lá dentro, sem olhar pra trás. Ainda fiz o sinal da cruz.
Divo continua sem falar comigo, o motivo agora é que eu atiro objetos estranhos dentro da privada. Mal sabe ele que, tudo o que eu queria, era mandar a falta de sorte pelo esgoto.
Quem merece uma terça-feira igual aquela? Quem? Ainda acho que eu deveria ter jogado o colar no rio Pinheiros.
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
15 de set. de 2011
A MACUMBA DE TERÇA-FEIRA
Naquele dia ensolarado, dia bonito que seria ainda mais belo se não fosse uma terça-feira, eu estava na correria entre o trabalho e os afazeres domésticos. Divo tinha ido pro trabalho, eu precisava deixar a casa meio em ordem e seguir depressa pro escritório. Antes, parei na casa da Juraci, uma vizinha fofoqueira que prepara doces e bolos, quis fazer uma encomenda pro final de semana. Ela tinha acabado de preparar um café, aceitei o convite para entrar em sua casa. Quando vi o colar sobre a mesa, aquele patuá com figa, olho de tigre, ferradura, achei tão bonitinho. Mais do que depressa, ela me ofereceu de presente. Não queria aceitar, mas ela insistiu tanto que, pra mostrar o quanto fiquei agradecida, eu o coloquei no meu pescoço. E fui embora pro trabalho.
Já tiveram uma terça-feira negra? Pois começa aqui a história de um dia que prefiro riscar pra sempre do meu caderninho. Assim que entrei no escritório, meu chefe, Dr. Armando, estava furioso, mas tão bravo comigo que mal pude reconhecê-lo. Normalmente, ele é amável e paciente. Estava transtornado, não sabia onde estava o carregador de seu celular. Por engano, eu havia levado o carregador pra minha casa, dentro de minha bolsa. Isso quase custou o meu emprego, jamais vi aquele homem tão zangado. Tentei contornar, do jeito que pude. O clima ficou tenso, eu fiquei tensa. Que terça-feira foi aquela!
Quando voltei pra casa, tentando voltar pra Terra, encontrei Divo. Outro transtornado, inconformado. Procurava o chip de seu celular, pois fez migração pra outra operadora e o chip novo ele não encontrava. Procura, procura, procura. E eis que o chip também estava dentro da minha bolsa. Já tinha visto Divo do avesso, mas não daquele modo. Brigamos.
Dentro da minha bolsa cabe quase tudo. Aliás, ali dentro tem de tudo, menos dinheiro. Já fui batizada pela turma do escritório de “Capitão Caverna”. Desconsolada, chorando sem parar, resolvi tomar um banho. E eis que parei na frente do espelho e observei aquele colar, o tal de patuá. Macumba. Só podia ser macumba! Peguei o colar e guardei dentro de um saco plástico.
No dia seguinte, Divo e eu sem nos falarmos, fui direto até à Avenida Marginal. Parei em uma ponte sobre o rio Pinheiros, os carros buzinando. Encostei no parapeito e, quando eu ia jogando no rio o colar macumbado, afinal dizem que essas coisas a gente tem que jogar em um rio, um sujeito parou o carro ao meu lado e gritou: - moça, pelo amor de Deus, não se jogue, calma, vamos conversar.
E eu, que só queria mandar o colar pro raio que o partisse, ou melhor, atirar o colar na água, ainda tive que explicar pro homem que aquilo não era uma tentativa de suicídio, apenas era operação de descarrego. Por fim, trouxe o colar de volta pra casa e joguei na lixeira.
Quando Divo voltou do trabalho, ainda sem falar comigo, fiquei pensando na bobagem que eu tinha feito. Se o colar estava macumbado, o certo era mesmo jogá-lo em água corrente. Fui até a lixeira, entre sacos de lixo e caixas de papelão consegui resgatá-lo. Discretamente, fui até o banheiro, joguei o colar no vaso sanitário e dei descarga. Pois não é que a privada entupiu? Pior, aquele monte de água subindo, transbordando e eu com medo que Divo descobrisse o mal feito.
Resolvi pegar o desentupidor de pia. Meti as mãos naquela água nada límpida e tentei puxar o colar. Dez minutos depois, Divo bateu na porta do banheiro. – Diva, o que está acontecendo? E eu, preparada pra me ferrar de vez, pedi uns minutinhos, disse que estava com dor de barriga. Tive uma ideia, peguei um pente de cabelo, com o cabo tentei puxar o colar. O pente também foi parar dentro do vaso. Aí não tinha mais jeito, precisei chamar o Divo.
Ele não conseguiu resolver, quem consertou o estrago foi o porteiro do prédio, o Severino. Teve que tirar o vaso sanitário do chão, foi uma bagunça enorme que aconteceu pra remover o colar e o pente entalados no encanamento.
Quando vi o colar, aquilo me deu até arrepio. Já tinha feito quase tudo pra me livrar dele, sem conseguir. E eis que tive outra ideia: me livrar do colar em algum bueiro por aí. E foi o que eu fiz, parei na esquina, o maior bueirão dando sopa. Joguei lá dentro, sem olhar pra trás. Ainda fiz o sinal da cruz.
Divo continua sem falar comigo, o motivo agora é que eu atiro objetos estranhos dentro da privada. Mal sabe ele que, tudo o que eu queria, era mandar a falta de sorte pelo esgoto.
Quem merece uma terça-feira igual aquela? Quem? Ainda acho que eu deveria ter jogado o colar no rio Pinheiros.
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