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Ajuda de tia é pouca, mas não aceitar a ajuda da tia, em plena mudança de casa, isso eu apenas faria se fosse louca! Tia Marieta mora pra lá da Serra do Tereré, exatos quatrocentos e trinta quilômetros de estrada. Tão perto do final do ano, senti pena quando ela contou que passaria o Natal sozinha em casa, sem os filhos, sem os netos. Praticamente se convidou: posso ir pra sua casa? Sem alternativa, imbuída do mais puro espírito natalino, chamei a titia pra nos visitar.
O ônibus chegou na rodoviária meia hora atrasado. A plataforma lotada de gente carregando crianças chorando, caixas de papelão, trouxas, malas, sacolas. Um inferno rodoviário! Titia desceu do ônibus com dificuldade, esbaforida, desalinhada. O abraço que esbocei ela praticamente recusou: Diva, estou morta, sua casa fica muito longe daqui? Tentei apresentar Divo, ela o olhou de cima abaixo, como quem observa uma minhoca, um rato, talvez. Fez uma espécie de careta.
Tia Marieta nunca se separa do Haroldo. Gatos costumam ser carinhosos, afáveis. Acho que o felino Haroldo estava também estressado com a longa viagem, confinado em uma espécie de gaiola. Assim que entramos no carro, a titia libertou o bichano, que tentou suicídio, quis saltar pela janela com o carro em movimento. Gritaria geral, foi por um triz que o pior não aconteceu.
A distância entre a rodoviária e minha nova casa é de oito quilômetros. O trânsito à véspera das festas de final de ano é caótico. Demoramos uma hora pra chegar. Orgulhosa, assim que dobramos a esquina da rua, mostrei o condomínio: titia, olhe que lindo! Ela resmungou qualquer coisa incompreensível, acho que disse um palavrão, qualquer coisa que termina com “osta”.
Descer do carro na garagem, isso pareceu uma missão impossível. Titia praticamente entalou no banco de passageiro. Precisei ajudá-la a desentalar, o Haroldo pareceu não gostar. O arranhão que ganhei no braço deixou uma cicatriz.
A bagagem necessária para uma viagem curta, de uma semana, deve ser reduzida. Uma malinha, nada além disso. Titia trouxe três malas, duas sacolas e, claro, Haroldo e sua gaiola.
O novo apartamento ainda aguardava a chegada dos móveis da sala de estar e da sala de jantar. Titia resmungou em alto e bom som: ainda não mudaram? Expliquei que a entrega da mobília aconteceria em janeiro. Irritada, Tia Marieta nem pediu licença, fez uma breve excursão pela casa. Achou pequeno o meu lar, quis saber onde iria dormir. Mostrei o escritório, o sofá-cama. Ela falou alguma coisa, comecei a achar que estava ficando surda. Será que ouvi bem? Qualquer coisa que terminava com “erda”.
Tia Marieta fez uma visita rápida, exatos quarenta minutos em minha casa. Recusou o café, a água, o uísque que Divo ofereceu. Aliás, tamanha era a tensão, que Divo bebeu dois copos de uísque duplo, cowboy. Inquieta, titia aguardou a chegada de minha prima Verinha. Foi embora pra casa de parentes que moram na zona oeste, casa grande, confortável. Disse que Haroldo tinha alergia ao cheiro de tinta, que certamente teria uma crise alérgica em meu recém-pintado apartamento. Foi embora sem ao menos desejar-nos feliz Natal.
Três dias depois, Verinha telefonou pra mim. Desesperada, não encontrava passagem de ônibus para despachar a Tia Marieta de volta. Disse que estava sobrevivendo à base de calmantes,desde que havia resgatado a titia do meu novo lar. Titia despediu a empregada de prima Vera, ateou fogo no colchão enquanto fumava seu cachimbo durante a noite, implicou com as crianças e indispôs-se com o marido de Verinha. Haroldo pendurou-se na cortina nova e estraçalhou-a de ponta a ponta. Com uma visita dessas, a solução que pareceu melhor foi devolvê-la ao lugar de onde veio: a Serra do Tereré.
Soube que depois desse episódio, Tia Marieta foi pra casa de praia da prima Elenice. Viagem curta, voltaram antes do planejado. Parece que a titia não gostava muito de areia, que a maresia estragava a permanente que havia feito nos cabelos. Não sei quem mais hospedou Tia Marieta. Ela foi de casa em casa, um jogo de empurra-empurra até que, um dia, o interfone do meu apartamento tocou. Era o porteiro para avisar que lá estava uma senhora com muitas malas e um gato. Tia Marieta rodou por toda a família e voltou pra mim.
Em menos de um dia, ela quebrou dois copos do meu jogo novo de cristal, riscou uma cadeira da sala de jantar e ofereceu ao gato uma toalha de banho novinha, branquinha e felpuda. A canequinha de louça branca, aquela que Divo prefere para beber seu café, a titia usou para guardar a dentadura.
Eu providenciei a passagem de volta da titia. Divo, de tão nervoso, roía as unhas compulsivamente, com o olhar meio perdido. Ao nos despedirmos na rodoviária, admirei feliz a partida do ônibus. Adeusinho, Titia! Adeusinho, Haroldo!
O espírito natalino é lindo. O desejo de abraçar o mundo e celebrar! Vale quase tudo, mas trazer a tia Marieta, isso foi o cúmulo do espírito de Natal. Já prometi: Tia Marieta na minha casa? Isso não acontecerá nunca mais! Sei lá onde eu estava com a cabeça! Nem Papai Noel carregaria um saco tão cheio assim!
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
20 de dez. de 2011
A VISITA NATALINA DE TIA MARIETA
Ajuda de tia é pouca, mas não aceitar a ajuda da tia, em plena mudança de casa, isso eu apenas faria se fosse louca! Tia Marieta mora pra lá da Serra do Tereré, exatos quatrocentos e trinta quilômetros de estrada. Tão perto do final do ano, senti pena quando ela contou que passaria o Natal sozinha em casa, sem os filhos, sem os netos. Praticamente se convidou: posso ir pra sua casa? Sem alternativa, imbuída do mais puro espírito natalino, chamei a titia pra nos visitar.
O ônibus chegou na rodoviária meia hora atrasado. A plataforma lotada de gente carregando crianças chorando, caixas de papelão, trouxas, malas, sacolas. Um inferno rodoviário! Titia desceu do ônibus com dificuldade, esbaforida, desalinhada. O abraço que esbocei ela praticamente recusou: Diva, estou morta, sua casa fica muito longe daqui? Tentei apresentar Divo, ela o olhou de cima abaixo, como quem observa uma minhoca, um rato, talvez. Fez uma espécie de careta.
Tia Marieta nunca se separa do Haroldo. Gatos costumam ser carinhosos, afáveis. Acho que o felino Haroldo estava também estressado com a longa viagem, confinado em uma espécie de gaiola. Assim que entramos no carro, a titia libertou o bichano, que tentou suicídio, quis saltar pela janela com o carro em movimento. Gritaria geral, foi por um triz que o pior não aconteceu.
A distância entre a rodoviária e minha nova casa é de oito quilômetros. O trânsito à véspera das festas de final de ano é caótico. Demoramos uma hora pra chegar. Orgulhosa, assim que dobramos a esquina da rua, mostrei o condomínio: titia, olhe que lindo! Ela resmungou qualquer coisa incompreensível, acho que disse um palavrão, qualquer coisa que termina com “osta”.
Descer do carro na garagem, isso pareceu uma missão impossível. Titia praticamente entalou no banco de passageiro. Precisei ajudá-la a desentalar, o Haroldo pareceu não gostar. O arranhão que ganhei no braço deixou uma cicatriz.
A bagagem necessária para uma viagem curta, de uma semana, deve ser reduzida. Uma malinha, nada além disso. Titia trouxe três malas, duas sacolas e, claro, Haroldo e sua gaiola.
O novo apartamento ainda aguardava a chegada dos móveis da sala de estar e da sala de jantar. Titia resmungou em alto e bom som: ainda não mudaram? Expliquei que a entrega da mobília aconteceria em janeiro. Irritada, Tia Marieta nem pediu licença, fez uma breve excursão pela casa. Achou pequeno o meu lar, quis saber onde iria dormir. Mostrei o escritório, o sofá-cama. Ela falou alguma coisa, comecei a achar que estava ficando surda. Será que ouvi bem? Qualquer coisa que terminava com “erda”.
Tia Marieta fez uma visita rápida, exatos quarenta minutos em minha casa. Recusou o café, a água, o uísque que Divo ofereceu. Aliás, tamanha era a tensão, que Divo bebeu dois copos de uísque duplo, cowboy. Inquieta, titia aguardou a chegada de minha prima Verinha. Foi embora pra casa de parentes que moram na zona oeste, casa grande, confortável. Disse que Haroldo tinha alergia ao cheiro de tinta, que certamente teria uma crise alérgica em meu recém-pintado apartamento. Foi embora sem ao menos desejar-nos feliz Natal.
Três dias depois, Verinha telefonou pra mim. Desesperada, não encontrava passagem de ônibus para despachar a Tia Marieta de volta. Disse que estava sobrevivendo à base de calmantes,desde que havia resgatado a titia do meu novo lar. Titia despediu a empregada de prima Vera, ateou fogo no colchão enquanto fumava seu cachimbo durante a noite, implicou com as crianças e indispôs-se com o marido de Verinha. Haroldo pendurou-se na cortina nova e estraçalhou-a de ponta a ponta. Com uma visita dessas, a solução que pareceu melhor foi devolvê-la ao lugar de onde veio: a Serra do Tereré.
Soube que depois desse episódio, Tia Marieta foi pra casa de praia da prima Elenice. Viagem curta, voltaram antes do planejado. Parece que a titia não gostava muito de areia, que a maresia estragava a permanente que havia feito nos cabelos. Não sei quem mais hospedou Tia Marieta. Ela foi de casa em casa, um jogo de empurra-empurra até que, um dia, o interfone do meu apartamento tocou. Era o porteiro para avisar que lá estava uma senhora com muitas malas e um gato. Tia Marieta rodou por toda a família e voltou pra mim.
Em menos de um dia, ela quebrou dois copos do meu jogo novo de cristal, riscou uma cadeira da sala de jantar e ofereceu ao gato uma toalha de banho novinha, branquinha e felpuda. A canequinha de louça branca, aquela que Divo prefere para beber seu café, a titia usou para guardar a dentadura.
Eu providenciei a passagem de volta da titia. Divo, de tão nervoso, roía as unhas compulsivamente, com o olhar meio perdido. Ao nos despedirmos na rodoviária, admirei feliz a partida do ônibus. Adeusinho, Titia! Adeusinho, Haroldo!
O espírito natalino é lindo. O desejo de abraçar o mundo e celebrar! Vale quase tudo, mas trazer a tia Marieta, isso foi o cúmulo do espírito de Natal. Já prometi: Tia Marieta na minha casa? Isso não acontecerá nunca mais! Sei lá onde eu estava com a cabeça! Nem Papai Noel carregaria um saco tão cheio assim!
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- A VISITA NATALINA DE TIA MARIETA
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2 comentários:
Também tenho uma uma "tia Marieta", rsrs. Adorei sua história! Bjs.
Marissol,
Família divertida tem que ter uma "Tia Marieta".
Obrigada pelo seu comentário e volte sempre, aqui sempre desembarcam personagens que a gente parece já ter visto em algum lugar!
Beijo
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