Sentei-me à sombra da jabuticabeira e viajei ao passado. O
final de semana ensolarado espantou pra longe a chuva e o frio. Observei o
passeio das formigas no gramado, a cantoria dos pássaros, senti a brisa morna
soprar meus cabelos. Há quanto tempo eu não me deliciava com aquelas frutinhas
doces?
Viajei ao passado. Jabuticaba era sinônimo de geleia
preparada por minha mãe. Mal podia esperar o doce esfriar, ficava a saltitar
feliz pela cozinha aguardando as torradas a tostar no forno. Torradas e geleia
de jabuticaba, isso lembra lanchinho para saborear na hora do recreio. Ah, os
tempos de escola...
Dentro da lancheira não podia faltar o suco de frutas,
acondicionado em uma garrafinha plástica. A tampa dessa garrafa cismava em
abrir durante o trajeto de casa para o colégio. Vazava e molhava o lanchinho
embrulhado em guardanapo de pano. Por fim, o resultado era uma iguaria
inusitada: torradas com geleia de jabuticaba ao molho de groselha, de suco de
maracujá, de guaraná. De vez em quando minha mãe tentava me incentivar a comer
frutas. Maçã, pera, banana. Claro, também ao molho do suco vazado na lancheira.
Jamais esquecerei a recomendação materna: - Menina, vá pra escola sem sacudir sua lancheira! Era natural
que eu pulasse pelas calçadas, que tocasse a campainha das casas vizinhas e
saísse correndo. O mais interessante é que eu carregava um peso enorme, não
dentro da lancheira, mas em uma maleta de couro de cor preta. Ainda assim,
conseguia pular e correr ligeiro.
A mala escolar continha de tudo um pouco. Cadernos caprichosamente
encapados com plástico colorido e etiquetados com a caligrafia de minha mãe.
Estojo de madeira contendo: borracha, apontador de lápis, canetas
esferográficas BIC nas cores azul,
vermelha, verde e preta. Lápis número 2. Lápis de todas as cores. Lembrei-me
dos moldes com o mapa do Brasil e do estado de São Paulo.
Quem foi criança na década de 60, 70, usava
em suas aulas o Desenho Copy, que nada mais era do que um caderno espiral com
desenhos que podiam ser transferidos para o papel, pra isso bastava seguir o
contorno dos desenhos com um lápis. As canetinhas Sylvapen! Os decalques, ou decalque-mania, isso era moda
entre as garotas. Eram adesivos com estampas delicadas, flores, corações e
personagens infantis. A cada lição de casa caprichada eu colava um decalque no
rodapé da página do caderno.
Certa vez, em uma quermesse, comprei a rifa de uma lapiseira
que tinha pontinhas de lápis de todas as cores. Belíssima! Comprei e fiquei
atenta ao sorteio, na torcida para ganhar aquela prenda. Não ganhei. Aliás,
quem ganhou foi uma garota que sequer me deixou admirar de perto o pequeno
tesouro. Chata!
Naquela época havia uma exigência: a caligrafia dos alunos
devia se aproximar da perfeição. Nada de garranchos, de erros gramaticais, de
borrões nas lições de casa. Quem acertasse a tabuada, ganhava uma estrelinha
dourada. Estrelinha de papel laminado. Sempre fui péssima em matemática. Que
sufoco aprender quanto é 9 x 8! Eis que, um dia, deparei-me com a solução: um
lápis com toda a tabuada nele desenhada. Fui flagrada durante uma prova por uma
professora. O resultado? Uma advertência aos meus pais, escrita com caneta-tinteiro em
meu boletim. O castigo que recebi de minha mãe, trancada no quarto até aprender
as continhas, serviu para que eu decorasse toda a tabuada. Divisão não sei
fazer, mas tabuada é comigo mesma!
O uniforme escolar era muito limpo, bem passado, engomado. Saia
xadrez de preguinhas, na altura dos joelhos. Não podia ser mais curto o
comprimento, mas algumas garotas enrolavam a saia na cintura, afinal estávamos
em plena moda da minissaia. As meias eram brancas, ¾. Blusa de abotoar, branca
e de manga curta, com o emblema do colégio no bolso. Ah que orgulho senti
quando usei meu primeiro sutiã! Era possível visualizar o tom cor-de-rosa do
meu primeiro sutiã pelo tecido branco da blusa do uniforme! Sapatos pretos
engraxados, estilo boneca. Para os dias frios um casaquinho de lã azul-marinho.
Quem chegasse ao colégio usando qualquer peça de roupa que não fosse do
uniforme, não podia ingressar no recinto. Outra recomendação de minha mãe: - Menina, não
suje o uniforme.
A hora do recreio era uma hora feliz. Correr, brincar, comer
o lanche que àquela altura tinha se transformado em uma tremenda gororoba
dentro da lancheira. Pega-pega, pular corda, esconde-esconde, jogar queimada.
Eu voltava pra casa irreconhecível, o uniforme sujo e suado, o laço de fita que
amarrava meus longos cabelos restava torto, ou desfeito.
Guardo lembrança e algumas fotografias amareladas pelo tempo.
Onde estarão as garotinhas de uniforme, flagradas pelo clique em preto e branco?
Hoje, todas senhoras de meia-idade. Terão se casado? Será que se divorciaram? Terão
filhos, netos? Quais profissões terão escolhido?
Passei em frente ao antigo colégio, está totalmente modificada a sua arquitetura.
O tempo passou, o uniforme agora é diferente, as meninas calçam tênis. As mochilas
estão cada dia mais leves, os garotos de hoje não sabem o que seja
decalque-mania, Desenho Copy ou canetinhas Sylvapen. Outro tempo, outro século!
Temos o Google com o mapa do Brasil.
Voltei da minha viagem ao passado com a ideia de preparar
geleia de jabuticaba. Colhi as frutinhas, preparei o doce e não resisti:
despejei um pouquinho de suco de maracujá sobre a minha torrada. Uma espécie de
brinde à infância feliz, com tantas lembranças, tantas boas recordações. Um
brinde à vida!
4 comentários:
Nossa me emocionei com esse texto!!
Peguei um pouquinho dessa fase das lancheiras, canetinhas e uniformes limpinhos na década de 90, rs...e sinto saudade também!
Perfeito o modo como você escreve! Sou sua fã número 2, pois minha mãe é a número 1, kkkk...abraços, Tainah.
Tainah,
Começo pelo fim: que gostoso ter um dom emprestado por Deus ( escrever) e chegar aos olhares que passam pelo meu blog, alcançar o coração de mais alguém, ser compreendida em linhas e entrelinhas.
Gratificante pra mim. MUITOOOO!!!
Um beijo e o meu carinho.
desenho copy varios na vida canetas sylvapen tempos de salão da criança, isso nao tem preço.
Olá, Anônimo!
Somos da mesma época, ou da mesma geração? Afinal você se lembrou do Salão da Criança, algo pra mim também inesquecível.
Valeu... Adorei a lembrança. Volte sempre!
Postar um comentário