Eu observava quietinha, à distância, minha avó usar a tal da
bombinha para a tal da asma. Um artefato de borracha de cor amarronzada, com outro
artefato para bombear o ar em uma ponta, uma pequena mangueirinha de alguns
centímetros de comprimento e estreito diâmetro. Na outra ponta, uma espécie de
cálice de vidro cor de caramelo. Era a bombinha para asma de antigamente. Havia
um broncodilatador que era usado nessa alquimia esquisita. Chamava-se ...
Chamava-se... Não sei escrever, afinal naquela época eu sequer sabia ler! Minha
avó chamava o remédio de “dispiné inhal”. Possivelmente, o nome era estrangeiro
e a sua pronúncia correta deveria ser um tanto diferente. O que importa é que a
vovó, pra onde fosse, carregava a sua bombinha e o vidrinho do tal do “dispiné
inhal”.
Era curioso, interessante assistir a toda a operação.
Primeiro, ela abria a gaveta de seu criado-mudo. De lá, retirava a bombinha.
Então, abria o vidrinho do tal do broncodilatador e depositava uma quantidade a
gosto no cálice de vidro. A seguir, aprumava as costas, segurava o ar e
bombeava o líquido pela boca.
Então, permanecia calada, as narinas tentando absorver o ar.
Vovó devia sofrer terrivelmente. Isso na década de 60, quando a poluição ainda
engatinhava, sequer se aproximava dos alarmantes índices atuais.
Asma. Esse nome sempre pareceu horrível! Tão pequena,
confundia asma com alma. Cheguei a confidenciar baixinho para meus coleguinhas
de escola: a vovó tem asma penada! A história foi adiante e, por fim, acharam
que eu morava em uma casa mal assombrada. Até que era mesmo mal assombrada, mas
isso é outra história.
O tempo passou, a vovó usou sua bombinha até o fim de sua
vida, aos oitenta e três anos de idade.
Foi-se, vitimada pela asma penada, em um inverno que a arrebatou desta
vida.
E eu sempre tive horror de falta de ar. Uma vez, usei
inseticida demais para matar uma barata que caminhava no banheiro da minha
casa. A danada correu para dentro do armário sob a pia. Eu abri o armário,
agachei-me e espirrei imensa quantidade do veneno, sem visualizar a nojentinha.
Nem sinal dela, resolvi ver com meus próprios olhinhos. Enfiei a cabeça dentro do armário e ali
entalei. Respirei o veneno por um bom tempo e, pior que isso, lá estava a
barata a sacolejar-se, moribunda. Eu gritava, a barata em pleno falecimento e
de barriga pra cima. Por fim, tanto me debati que consegui sair de dentro do
armário. Tonta, completamente tonta e com falta de ar. Bebi leite, lavei o
rosto, telefonei pro médico, precisei tomar antialérgico. Foi uma crise de asma penada da barata!
Anos a fio, jamais tive uma só crise de bronquite, rinite,
sinusite, nenhuma ite. Porém, eis que agora eu poderia mudar meu nome para
Divite! A bronquite que me maltrata há mais de três semanas é uma bronquite
asmática! A falta de ar lembra um motor a falhar. E eu, que uso agora uma
bombinha moderna, ao menos durante esta crise, já estou a correr para um médico
homeopata. Tudo, menos tornar-me escrava de medicações com efeitos colaterais
nocivos!
Asma penada. Alma penada. Eu, asmática. Dizem, herança
genética. Coisa da minha alminha que
sofreu com as avarias penadas deste mundo, avarias que, por vezes, vieram do tempo da
vovó. Ar, ar, eu preciso respirar! Meu oxigênio chega em letrinhas que brotam em minha cabeça. Inspiro e respiro!
2 comentários:
Adorei! Parabéns pelo blog e por sua dedicação, espero a sua visita, e participe dos sorteios *-*'
http://larissacanziani.blogspot.com.br
Larissa,
Obrigada pela visita e pelo comentário. Visitarei o seu blog.
Um beijo
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