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Confesso minha falta de aptidão para lidar com eletrônicos, tomadas, fios e coisas desse tipo.
Quando ele entrou em casa trazendo a caixa enorme do televisor LED sei-lá-quantas-polegadas era um final de semana, um sábado ensolarado. Pude antever o resto do dia dentro do apartamento. O sorriso era de um caçador que trouxe pra cabana o almoço. Nada de alces ou coelhos, vida moderna. Triunfava o sonho de consumo do meu par.
Abriu a caixa, tocou o celular. Parecia de circo a manobra que fez: uma das mãos segurava o telefone, a outra tentava remover a fita adesiva da caixa do produto. Isso não podia dar certo, foi assim que pensei com meus botões. Dito e feito, a caixa bambeou e só não caiu porque foi amparada com seu joelho esquerdo, aquele que machucou jogando futebol há algumas semanas. Expressão de dor, situação esquisita.
A partir daquele momento, pude antever o inferno. O calor assombroso aliou-se à leitura do manual de instruções do produto. Apesar de escrito em português, tudo parecia incompreensível. Encaixes, detalhes, que confusão. Voltei a olhar pela janela, que vontade de mergulhar em uma piscina, tanque, balde. Qualquer coisa gelada que não fosse o refrigerador.
Buscou a caixa de ferramentas. Quedei-me desconsolada no sofá da sala. Vencida, afinal não havia esperança para o resto do meu dia.
Auxiliar de instalador de televisão. Essa idéia cresceu em minha cabeça. De amor de sua vida, tornei-me assistente-técnica e tradutora de um manual incompreensível.
Nem queira imaginar o que seja “AV1 e AV2”, afinal eu mesma não descobri. Creio, seja essa a explicação para a imagem distorcida do televisor.
Depois de muito tempo, irritado, visivelmente transtornado, abriu uma latinha de cerveja. Finalmente algo refrescante naquela manhã desperdiçada.
Som altíssimo. Trocou os canais diversas vezes. Futebol, programa infantil, notícias policiais, filme de terror. Isso me deixou tonta!
Quando peguei minha bolsa e caminhei em direção à porta ele gritou: - Meu bem, pega lá outra cerveja?
Foi a última frase que escutei. Quando cheguei ao andar térreo do prédio, senti alívio e arrependimento, tudo ao mesmo tempo. Diva bobalhona! Voltei ao apartamento.
- E a cerveja?
O resto do dia girou ao redor daquela parafernália eletrônica. Jurei que, de agora em diante, toda vez que ele chegar em casa trazendo alguma caixa, fugirei.
Diz a previsão do tempo que o final de semana será de muito sol. Mal posso esperar para me bronzear à beira da piscina. Isso se ele não comprar aquele suporte para TV, que viu anunciado na internet.
Tempos modernos, homens modernos. Feliz foi a vovó, que escutava valsinhas no rádio de válvula, sentada ao lado do vovô lendo jornal. Bons tempos!
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
16 de fev. de 2011
CRISE URBANA
Confesso minha falta de aptidão para lidar com eletrônicos, tomadas, fios e coisas desse tipo.
Quando ele entrou em casa trazendo a caixa enorme do televisor LED sei-lá-quantas-polegadas era um final de semana, um sábado ensolarado. Pude antever o resto do dia dentro do apartamento. O sorriso era de um caçador que trouxe pra cabana o almoço. Nada de alces ou coelhos, vida moderna. Triunfava o sonho de consumo do meu par.
Abriu a caixa, tocou o celular. Parecia de circo a manobra que fez: uma das mãos segurava o telefone, a outra tentava remover a fita adesiva da caixa do produto. Isso não podia dar certo, foi assim que pensei com meus botões. Dito e feito, a caixa bambeou e só não caiu porque foi amparada com seu joelho esquerdo, aquele que machucou jogando futebol há algumas semanas. Expressão de dor, situação esquisita.
A partir daquele momento, pude antever o inferno. O calor assombroso aliou-se à leitura do manual de instruções do produto. Apesar de escrito em português, tudo parecia incompreensível. Encaixes, detalhes, que confusão. Voltei a olhar pela janela, que vontade de mergulhar em uma piscina, tanque, balde. Qualquer coisa gelada que não fosse o refrigerador.
Buscou a caixa de ferramentas. Quedei-me desconsolada no sofá da sala. Vencida, afinal não havia esperança para o resto do meu dia.
Auxiliar de instalador de televisão. Essa idéia cresceu em minha cabeça. De amor de sua vida, tornei-me assistente-técnica e tradutora de um manual incompreensível.
Nem queira imaginar o que seja “AV1 e AV2”, afinal eu mesma não descobri. Creio, seja essa a explicação para a imagem distorcida do televisor.
Depois de muito tempo, irritado, visivelmente transtornado, abriu uma latinha de cerveja. Finalmente algo refrescante naquela manhã desperdiçada.
Som altíssimo. Trocou os canais diversas vezes. Futebol, programa infantil, notícias policiais, filme de terror. Isso me deixou tonta!
Quando peguei minha bolsa e caminhei em direção à porta ele gritou: - Meu bem, pega lá outra cerveja?
Foi a última frase que escutei. Quando cheguei ao andar térreo do prédio, senti alívio e arrependimento, tudo ao mesmo tempo. Diva bobalhona! Voltei ao apartamento.
- E a cerveja?
O resto do dia girou ao redor daquela parafernália eletrônica. Jurei que, de agora em diante, toda vez que ele chegar em casa trazendo alguma caixa, fugirei.
Diz a previsão do tempo que o final de semana será de muito sol. Mal posso esperar para me bronzear à beira da piscina. Isso se ele não comprar aquele suporte para TV, que viu anunciado na internet.
Tempos modernos, homens modernos. Feliz foi a vovó, que escutava valsinhas no rádio de válvula, sentada ao lado do vovô lendo jornal. Bons tempos!
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