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Esta Diva tem uma matriz. Vim de uma forma com linhas tortas, mas que de tão bela que era me fez assim, do jeito que sou. Só posso agradecer!
O céu hoje está nublado, mesmo assim ela brilha infinita, estrela cintilante. Eu também estou nublada, saudade é o mais complexo e incompreensível de todos os sentimentos que já experimentei. Minha mãe pulsa em mim. Hoje, 29 de novembro, dois anos de seu falecimento.
Mami, descobri que Deus existe quando você partiu e veio me abraçar. Agora sei que um dia nos encontraremos novamente, para celebrar a vida, pra sempre!
Em plena Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, meus passos apressados, entre rostos desconhecidos, automóveis, vultos acelerados. Saí da estação do metrô e alcancei a rua. Eu tinha apenas uma hora para resolver algo burocrático, chato, urgente. Todo documento é precedido de uma imensa amolação. Autorizações, arquivos, pendências, carimbos, grampos, papéis, assinaturas. E eu, com aquele papelzinho em mãos, só precisava encontrar quem recebesse o documento, pra resolver a questão e voltar ao escritório.
Já entrei estressada no edifício comercial. Santa paciência, ir de salto alto a uma avenida daquelas? Pensei em tirar os sapatos e andar descalça, ganharia tempo. Jurei que, na próxima vez, usaria tênis. Já vi isso por aí, mulheres vestidas de tailleur, roupa formal, e tênis nos pés. Deselegante, talvez, mas a solução pareceu inteligente naquele momento. Um lamento. Meus pés doíam.
Na recepção do prédio venci o primeiro obstáculo: - já tem cadastro conosco? Não, eu não tinha cadastro algum. - Seu RG, por favor. A mania de usar bolsa grande, isso também preciso rever. Dentro da minha bolsa tinha de tudo. Encontrei um grampeador de papel, escova de cabelo, a fatura do cartão de crédito, uma sombrinha ( isso é coisa do tempo da vovó). - Acho que esqueci o RG no escritório. Andar por aí sem documentos, querer ficar descalça. Onde estaria o meu juízo? Por falar em juízo, tentei argumentar com a recepcionista. - Meu bem, eu não trouxe o RG porque saí correndo do escritório. Por favor, me ajude, senão vou perder meu emprego.
Acho que ela sentiu peninha de mim, consegui o que pretendia. A foto, feita com aquela webcam, deve ter ficado horrorosa. - Olhe pra cá, por favor. Clic! Eu de óculos de grau, cabelos desalinhados, com cara de quem ia entregar um papel pra um tal de diretor financeiro de uma tal de instituição. Cruz, credo!
Crachá deveria ser aquela coisa pendurada no pescoço. Agora não é bem assim. A gente encosta o crachá em uma catraca eletrônica. Aparece uma setinha verde e pronto, pode passar. O crachá que estava comigo parecia ter entrado em greve, não funcionava. Uma, duas, três tentativas. Vontade de falar aquele palavrão bem cabeludo. Ao meu lado um segurança do tipo 3x4, fortão. – Mocinha, você precisa de ajuda? Sorrindo, o olhar brilhando, ele liberou a catraca, finalmente. E tem coisa melhor que encontrar um príncipe encantado em um momento de sufoco?
A mocinha aqui resolveu o problema burocrático, passou de novo pela catraca eletrônica e escutou algo assim: - Até logo, senhorita. Voltei pro escritório. Eu, dez quilos mais magra, dez anos mais jovem, dez vezes mais poderosa. Senhorita Mocinha! Pra quê mais?
Essa coisa de amor, essa coisa de paixão. Ainda haverei de entender isso, mas eles não entendiam disso não! Cada vez que eles dois se encontravam, isso de tempos em tempos, parecia que o mundo parava de girar e toda a luz do sol focava neles. A tal da cotovia, aquela do Romeu e da Julieta, assobiava era pra eles. Feitos um pro outro. E quem não gostaria de ter um par perfeito? Eles dois eram exatamente assim: perfeitos, mas teimavam em permanecer ímpares. Ou meio assim.
Um dia ela chegou em casa se achando um lixo. Nem adiantava pensar em reciclagem, ela estava se sentindo um lixo sem aproveitamento. Irreciclável, por assim dizer. Tirou os sapatos, as meias. Abriu uma garrafa de vinho. Isso às 3 horas da tarde, sozinha, sem companhia. Ligou o rádio em uma estação de música dos anos 80. A cada gole de vinho, brindava ao amor insatisfeito. Naquele dia ela estava do avesso, daria tudo por um daqueles beijo de aeroporto, que só mesmo ele sabia dar.
A história do beijo de aeroporto vem dos filmes de Hollywood. Aqueles beijos na boca, de tirar o fôlego. Beijo de novela. Ele sabia beijar como ninguém, suas bocas se encaixavam do jeito certo, com o sabor ideal, tudo feito sob medida, um pro outro.
Ela secou a garrafa. Nem estava tão bêbada assim, mas resolveu telefonar pra ele. Perguntou sobre o dia, perguntou sobre coisas frugais. Faltou dizer que o amava tanto que, se pudesse, entraria pelo telefone, descalça e tontinha de tudo.
Quando desligou o telefone, estava sentada em alguma nuvem. A voz de seu amado ecoando em seus ouvidos, o coração batendo descompassado. Resolveu tomar um banho, água quase fria, queria tirar da pele o sentimento incontrolável por ele. Deixou a água escorrer pelo corpo, pra passar a tonteira, pra voltar pra realidade. O resto do dia sonhando. Sonhando com ele.
Amor de verdade é assim, não adianta tentar fugir dele. O amor fica.
O despertador tocou às 06h30. Ela abriu os olhos com dificuldade, a vontade era de virar pro outro lado e dormir mais algumas horas. Devagarzinho lembrou que era segunda-feira, que os compromissos diversos a esperavam. Sonolenta, levantou-se. A noite tinha sido longa, mal dormida. Ao seu lado o futuro marido, que se transformou durante a madrugada em um tipo de adversário, brigaram pelo pequeno espaço, o território coberto por um edredom e delimitado pelas dimensões da cama de casal.
Duas vezes acordou descoberta, uma vez acordou com uma cotovelada no meio das costas. Eram 03H00 quando ela novamente acordou, ele tinha abraçado o seu travesseiro e ela estava com a cabeça meio pendurada pra fora da cama. Às 04H10, ela escutou ele resmungar qualquer coisa meio assim: vai mais pra lá! Depois disso ele começou a roncar insistentemente. Irritada, ela foi ao banheiro e encontrou naquela gavetinha debaixo do armário um pacotinho de algodão, fez dois chumaços para tapar os ouvidos. O som do ronco parecia atravessar não apenas o tampão improvisado em suas orelhas, mas penetrar em seu cérebro e dar duas voltas em sua sanidade mental. A vontade era de socar o namorado, mas conseguiu se controlar. Levantou-se outra vez, olhou pro relógio, eram 04h40. Resolveu dar um basta na situação. Pegou um remedinho pra dormir, receitado há mais de um ano pelo seu cirurgião plástico, isso coisa do tempo em que colocou silicone nos seios. Tomou um comprimidinho sem calcular as consequências, tudo o que ela queria era dormir.
O despertador tocou às 06h30. Em pé no corredor de acesso à cozinha, não conseguia ir pra lado algum. Pegou água para preparar o café e se esqueceu de ligar o fogão. Foi pro banheiro escovar os dentes e pegou a escova de dente dele, sem perceber o que fazia. Derrubou pó de café no chão, falou um palavrão. Resolveu tomar uma ducha fria, pra despertar. Quase adormeceu dentro do box do banheiro. Bebeu três xícaras de café, mas não conseguia voltar ao estado normal de consciência. O namorado a encontrou dormindo na poltrona da sala, cabelos molhados, enrolada em uma toalha de banho. Tentou acordá-la, não conseguiu. Ela despertou às 11h30, coberta com o edredom. Ao seu lado um bilhete: “amor, quando acordar telefone pra mim”.
Sonolenta, a boca amarga. Correu pro escritório, inventou uma desculpa para o sumiço matinal. Passou a tarde inteira fazendo força pra não fechar os olhos e cair de cara na mesa de trabalho. Às 18h30, entrou em uma loja de móveis e comprou uma cama de tamanho king size. Ao ver todas aquelas camas expostas no showroom, sentiu vontade de deitar ali mesmo e dormir um século de sono profundo.
Eles dois não mais brigaram durante a noite pelo mesmo espaço. O único problema é que ele continua roncando e, parece, ela vai ter que se acostumar com o barulhão. Pra ronco, não há cama gigante que resolva. Amor é o mais sublime dos sentimentos, ronco um antídoto poderoso contra qualquer traço de romantismo. E durmam com esse barulho!
Chegamos a 30.000 visitas nesta data.
Um dia de festa, de alegria. Uma sexta-feira especial!
Obrigada a você que acompanha minhas histórias.
Obrigada a quem me trouxe até aqui, meu irmão e amigo Abílio Manoel.
Diva Latívia
Aniversário de Divo e eu sem a menor inspiração há vários dias. Vim caminhando entre o trabalho e minha casa. A pé e pensando nisso. Escrever depende da minha alma, que anda meio jururu nas últimas semanas.
Estava embebida em lembranças e preocupações muitas, um passo e outro totalmente distraída, quando tocou meu celular. Era o Divo. O projeto de decoração do novo apartamento estava pronto, a decoradora mandou as imagens pro meu e-mail. Apressei meus passos, ansiosa para logo ver como tudo ficaria arrumado! A internet não colaborou, estava lenta. Preparei um café, voltei pra sala. Aos pouquinhos o e-mail abriu e pude ver a sala de estar e a sala de jantar. E imaginei nós todos sentados à mesa. Amigos e parentes. Rindo e celebrando a vida. Uma confraternização com laços fortes do mais autêntico afeto.
Não sei ainda como farei para guardar toda a louça antiga que herdei de minha mãe. Não sei como farei para guardar sequer a quantidade enorme de roupas e sapatos que possuo. E isso, realmente, não importa. O mais importante é que, sem muito esforço, o rio da vida trouxe Divo pra mim. E eu, que tanto sonhava com uma vida a dois, tenho um par que encaixa certinho no meu dia-a-dia.
Que seja assim, bonito assim, até o fim, pra você e pra mim. Mais que amigos, mais que cúmplices. Um dueto que cabe em um sonho que virou realidade. Que a gente saiba conduzir essa nave espacial que chamam de “amor”. Que sejamos felizes, sem muita complicação e com muito respeito.
É aniversário de Divo. O presente que ele ganhou, até eu gostaria de ganhar, mas há um prazer imenso em presentear quem a gente ama. Comprei pra ele um desses toca-discos estilo retrô. Bonito, charmoso. Para ouvirmos os quase duzentos discos de vinil, ou LPs, que temos em comum. Lá em nossa nova casa.
E tudo o que parecia impossível, aconteceu. E tudo o que jamais imaginaríamos mudou completamente nossas vidas. A gente se conheceu na contramão de nossas histórias e, quem diria, a gente floresceu. Uma nova etapa, em um novo cenário, tudo isso começa com essa nossa vontade de sermos felizes e compartilharmos essa nossa felicidade.
Divo, querido, parabéns pelo seu aniversário! Ao som de todas as músicas que nos acompanham desde a juventude e, especialmente, ao som do tilintar das herdadas taças de cristal em nosso brinde. Saúde, Divo! Saúde para termos vida no tempo que nos espera. Saúde pra você, pra mim e pra quem leu este texto.
Quando era menina escutava a história de seus avós, enquanto saboreava bolo de fubá e café com leite. Sentados à mesa, a viagem seguia rumo ao passado, início do século XX. Na distante cidadezinha de interior, mais precisamente em 1941, seu avô, Laércio, vestido de terno de linho branco e elegante chapéu, entoava serenatas sob a janela de sua avó, Amália. O coral de vozes era formado pelos colegas da faculdade de Direito, acompanhados no violão por Silas, o farmacêutico. O repertório era de modinhas, hoje fora de moda.
Ai, ioiô,
Eu nasci pra sofrer.
Foi olhar pra você,
Meus zoinho fechou.
E quando os óio eu abri
Quis gritar, quis fugir.
Mas você,
Eu não sei porquê,
Você me chamou.
A noite nem bem havia caído, sob a janela do quarto da mocinha a turma de amigos caprichava na afinação e desfiava o repertório musical. Assim foi durante muito tempo, todos os domingos, até que o Vô Laércio terminou a faculdade, se firmou na profissão e, finalmente, pediu pro pai da Vó Amália a sua mão em casamento.
Desde os tempos de menina, a cena que idealizava ao escutar aquela história atiçava a faísca romântica dentro de si. Sete décadas mais tarde, sentada na sala de seu apartamento. O notebook pertinho. Abriu os e-mails, entre as mensagens estava aquela que fez seu coração bater mais forte, mensagem dele. O título escrito apressadamente pelo remetente: pra vc. Assim estava escrita a mensagem: aceita uma serenata? Baixou o arquivo mp3 e ouviu a canção, entoada por um coral. Viajou ao passado, foi de encontro aos avós ainda jovens, foi à cidadezinha tão pequena, iluminada pelo luar.
Ai, ioiô,
Tenha pena de mim.
Meu senhor do Bonfim
Pode inté se zangar.
E se ele um dia souber
Que você é que é
O ioiô de iaiá.
Terminou de escutar a música e suspirou. Finalmente, a serenata a encontrou. Atravessou o tempo e chegou de modo inusitado, eletrônico. Sem terno branco, sem reverência. O mesmo amor, o mesmo gesto, de outra forma, em outra época. Gravou o arquivo em um pen drive com o seguinte título: serenata dele pra mim.
Chorei toda noite, pensei
Nos beijo de amor que te dei.
Ioiô, meu benzinho do meu coração,
Me leva pra casa, me deixa mais não.
Chorei toda noite, pensei
Nos beijo de amor que te dei.
Ioiô, meu benzinho do meu coração,
Me leva pra casa, me deixa mais não.
Na voz de Zélia Duncan, Linda Flor ( Ioiô de Iaiá).
Cheguei em casa depois de um dia longo, cansativo, uma quarta-feira dessas que parecem infindáveis. Meu desejo era básico: um banho. Coloquei a chave na porta de casa, a sensação era de entrar no meu refúgio. Lar, doce lar!
Não deu tempo de suspirar feliz. Dei de cara com minha valiosa ajudante, a Zezé.
- Ô, dona Diva, a senhora sabe o que foi que aconteceu?
Minha vontade de abstrair aquelas palavras foi imediata. Preferia não ter ouvido nada.
Praticamente me joguei sobre o sofá. Exausta, uma guerreira de volta ao quartel-general.
- Pode dizer, Zezé.
- Eu abri aquela sua gaveta sem querer.
Tentei imaginar qual gaveta ela abriu. Gaveta de calcinhas? De remédios? De documentos? Essa terceira hipótese me afligiu.
- Qual gaveta?
- Tinha umas fotografias.
Era o que eu temia.
- A senhora usava franjinha quando era criança, né?
Eu me senti nua. Zezé pegou as minhas fotografias de infância. Naquela gaveta estavam as fotos de toda minha vida. Meus pais, meus avós, meus bisavós. Meu casamento, meu sorriso de felicidade. Amigos de outrora, gente que foi embora. Fotos em branco e preto, fotos que nem lembro mais. Minha vida retratada. E Zezé abriu a gaveta.
- O que mais você viu, Zezé?
- Vi a senhora feliz.
Isso foi o meu sinal de alerta. Eu já fui feliz. Não que eu não seja feliz, não é isso. Mas, olhando as fotos eu pareço ter sido muito mais feliz. Uma criança com o olhar inocente, uma adolescente sorridente. Quando será que a vida me pegou de surpresa e me chacoalhou assim? Quando será que perdi aquele mesmo sorriso, aquele brilho que eu tinha no meu olhar? Sei lá quanto tempo fiquei assim, a pensar na vida.
Fui pro banho e resolvi não jantar. Eu me tranquei no quarto e espalhei muitas fotos sobre a cama. Adormeci tarde, os álbuns antigos ao meu redor. E sonhei que ainda era criança, abraçada aos meus irmãos. Um sonho que se tornou colorido, mais e mais. Um jardim florido, cercada da proteção de meus super-heróis. Não sei explicar, não sei! Minha vida inteira coube dentro de uma gaveta!
Ter irmão é uma vasta série de descobertas, passo a passo, lado a lado. É descobrir unidos que o recheio da minhoca é meleca. Que tatu-bola abre e fecha. Que daquele casulo vai sair a lagarta toda remodelada, em formato de borboleta. É a cumplicidade da pescaria dentro do aquário. A risada no mesmo tom. A espera ansiosa da chegada do Natal, rodeados do burburinho dos adultos, entre eles o Papai Noel. É pular ondas do mar, juntos, rindo sob o céu azulado e catando conchinhas espalhadas na areia. Tocar a campainha da casa vizinha e sair correndo. Estourar bombinha dentro da lata. E rir, rir, rir.
Crescer dividindo as dúvidas, somando novos ingredientes ao calor da vida. Ver as fotos antigas e relembrar o mesmo momento. Olhar dentro dos olhos um do outro e entender que ali está a explicação. Laço sem nó, que enfeita a alma da gente. Ter irmão é torcer pela vitória, participar das lutas, ser parte da alegria e da tristeza. Passo a passo, lado a lado, uma vez, outra vez, todas as vezes. Recomeçar, refazer, reencontrar a infância no sorriso refletido no olhar da gente. Ter irmão é o crescer da alma da gente. Passa o tempo, gira o mundo feito o colorido catavento, e a gente ainda sonha o mesmo sonho, ri das mesmas histórias, sente a mesma emoção. Assim é ter um irmão.
Para meus irmãos: Zeca, Flávio e Chicão.
Meu vestido era azul com a estampa de flores miudinhas de cor branca. Na barra havia um babado e na cintura um laço. Minissaia. O salto da sandália que eu usava não era muito alto, acho que tinha uns sete centímetros. Nos meus lábios, brilho “love in gloss”. O perfume era "Charlie", da Revlon. Em pleno verão, bronzeada. Nada de protetor solar, na década de 70 usávamos bronzeador, de preferência caseiro e feito com ingredientes que hoje em dia são considerados um atentado ao bom senso de qualquer um. Cabelos longos e esvoaçantes, as garotas copiavam o corte do cabelo de Farrah Fawcett, atriz protagonista do seriado televisivo As Panteras.
Bailinhos de garagem, eram assim chamadas as festinhas com música, luz negra e cuba libre. Ao som de Bee Gees, Donna Summer, Elton John, dançávamos soltos, ou de rostinho colado. Músicas lentas, ou músicas rápidas. Sempre tinha aquele garoto que a gente tinha paquerado o ano todo, sem muito resultado. Diferente do tempo atual, nenhuma menina “de família” ficava com este ou aquele. Um beijo na boca era sinal de namoro iniciado. Ele me beijou, estamos namorando! E chegar ao beijo era uma longa história, que às vezes começava no primeiro dia de aula, com a troca de olhares pelos corredores do colégio. Seguia lentamente até o dia do bailinho, com a presença de ambos e a sorte de tocar aquela música, o fundo musical ideal para tornar real o sonho sonhado durante longos meses. Quer dançar comigo?
Voltei no tempo, parece que estou escutando How Deep is Your Love. Amor intenso, ligeiro, inesquecível. Resolvi procurar no Facebook o meu primeiro amor. Certa de que visualizaria um senhor gordinho, grisalho e irreconhecível, digitei seu nome e, que surpresa, ele tem perfil no Facebook e está ótimo, o tempo lhe caiu bem! Eu me contive, não enviei um convite. Veterinário, mora longe da minha cidade, tem filhos, uma longa história que desconheço, afinal perdemos o contato há mais de trinta anos. O perfume que ele usava pareceu ter saltado do computador. Como pude me lembrar disso? Era colônia após barba, talvez emprestada do pai, ou de um irmão mais velho. Fomos namorados de meia dúzia de beijos e só isso. Ele se mudou, foi cursar a faculdade em outra cidade. Lembro que chorei durante um mês, sem parar.
Eu me casei com um, ele se casou com outra. E lá está a criatura no Facebook. E foi assim que vim pro Word, eu saí da internet por precaução. Melhor não mexer com o passado. Será? Possivelmente, sim. Depressa despertei das lembranças. Viajante do tempo, recém-chegada na estação do presente, uma viagem com duração de três décadas. Aqui desembarquei com ruguinhas ao redor dos olhos, mas o mesmo ideal romântico de sempre. O meu coração ainda é o de uma garota.
Deixo pra vocês a música que embalou aquele instante: How Deep is Your Love, da trilha sonora de um filme de enorme sucesso naquela época, Saturday Night Fever, estrelado por John Travolta.
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
30 de nov. de 2011
À MINHA MATRIZ
Esta Diva tem uma matriz. Vim de uma forma com linhas tortas, mas que de tão bela que era me fez assim, do jeito que sou. Só posso agradecer!
O céu hoje está nublado, mesmo assim ela brilha infinita, estrela cintilante. Eu também estou nublada, saudade é o mais complexo e incompreensível de todos os sentimentos que já experimentei. Minha mãe pulsa em mim. Hoje, 29 de novembro, dois anos de seu falecimento.
Mami, descobri que Deus existe quando você partiu e veio me abraçar. Agora sei que um dia nos encontraremos novamente, para celebrar a vida, pra sempre!
23 de nov. de 2011
SENHORITA MOCINHA
Em plena Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, meus passos apressados, entre rostos desconhecidos, automóveis, vultos acelerados. Saí da estação do metrô e alcancei a rua. Eu tinha apenas uma hora para resolver algo burocrático, chato, urgente. Todo documento é precedido de uma imensa amolação. Autorizações, arquivos, pendências, carimbos, grampos, papéis, assinaturas. E eu, com aquele papelzinho em mãos, só precisava encontrar quem recebesse o documento, pra resolver a questão e voltar ao escritório.
Já entrei estressada no edifício comercial. Santa paciência, ir de salto alto a uma avenida daquelas? Pensei em tirar os sapatos e andar descalça, ganharia tempo. Jurei que, na próxima vez, usaria tênis. Já vi isso por aí, mulheres vestidas de tailleur, roupa formal, e tênis nos pés. Deselegante, talvez, mas a solução pareceu inteligente naquele momento. Um lamento. Meus pés doíam.
Na recepção do prédio venci o primeiro obstáculo: - já tem cadastro conosco? Não, eu não tinha cadastro algum. - Seu RG, por favor. A mania de usar bolsa grande, isso também preciso rever. Dentro da minha bolsa tinha de tudo. Encontrei um grampeador de papel, escova de cabelo, a fatura do cartão de crédito, uma sombrinha ( isso é coisa do tempo da vovó). - Acho que esqueci o RG no escritório. Andar por aí sem documentos, querer ficar descalça. Onde estaria o meu juízo? Por falar em juízo, tentei argumentar com a recepcionista. - Meu bem, eu não trouxe o RG porque saí correndo do escritório. Por favor, me ajude, senão vou perder meu emprego.
Acho que ela sentiu peninha de mim, consegui o que pretendia. A foto, feita com aquela webcam, deve ter ficado horrorosa. - Olhe pra cá, por favor. Clic! Eu de óculos de grau, cabelos desalinhados, com cara de quem ia entregar um papel pra um tal de diretor financeiro de uma tal de instituição. Cruz, credo!
Crachá deveria ser aquela coisa pendurada no pescoço. Agora não é bem assim. A gente encosta o crachá em uma catraca eletrônica. Aparece uma setinha verde e pronto, pode passar. O crachá que estava comigo parecia ter entrado em greve, não funcionava. Uma, duas, três tentativas. Vontade de falar aquele palavrão bem cabeludo. Ao meu lado um segurança do tipo 3x4, fortão. – Mocinha, você precisa de ajuda? Sorrindo, o olhar brilhando, ele liberou a catraca, finalmente. E tem coisa melhor que encontrar um príncipe encantado em um momento de sufoco?
A mocinha aqui resolveu o problema burocrático, passou de novo pela catraca eletrônica e escutou algo assim: - Até logo, senhorita. Voltei pro escritório. Eu, dez quilos mais magra, dez anos mais jovem, dez vezes mais poderosa. Senhorita Mocinha! Pra quê mais?
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22 de nov. de 2011
QUANDO A GENTE AMA, ISSO É PRA SEMPRE!
Essa coisa de amor, essa coisa de paixão. Ainda haverei de entender isso, mas eles não entendiam disso não! Cada vez que eles dois se encontravam, isso de tempos em tempos, parecia que o mundo parava de girar e toda a luz do sol focava neles. A tal da cotovia, aquela do Romeu e da Julieta, assobiava era pra eles. Feitos um pro outro. E quem não gostaria de ter um par perfeito? Eles dois eram exatamente assim: perfeitos, mas teimavam em permanecer ímpares. Ou meio assim.
Um dia ela chegou em casa se achando um lixo. Nem adiantava pensar em reciclagem, ela estava se sentindo um lixo sem aproveitamento. Irreciclável, por assim dizer. Tirou os sapatos, as meias. Abriu uma garrafa de vinho. Isso às 3 horas da tarde, sozinha, sem companhia. Ligou o rádio em uma estação de música dos anos 80. A cada gole de vinho, brindava ao amor insatisfeito. Naquele dia ela estava do avesso, daria tudo por um daqueles beijo de aeroporto, que só mesmo ele sabia dar.
A história do beijo de aeroporto vem dos filmes de Hollywood. Aqueles beijos na boca, de tirar o fôlego. Beijo de novela. Ele sabia beijar como ninguém, suas bocas se encaixavam do jeito certo, com o sabor ideal, tudo feito sob medida, um pro outro.
Ela secou a garrafa. Nem estava tão bêbada assim, mas resolveu telefonar pra ele. Perguntou sobre o dia, perguntou sobre coisas frugais. Faltou dizer que o amava tanto que, se pudesse, entraria pelo telefone, descalça e tontinha de tudo.
Quando desligou o telefone, estava sentada em alguma nuvem. A voz de seu amado ecoando em seus ouvidos, o coração batendo descompassado. Resolveu tomar um banho, água quase fria, queria tirar da pele o sentimento incontrolável por ele. Deixou a água escorrer pelo corpo, pra passar a tonteira, pra voltar pra realidade. O resto do dia sonhando. Sonhando com ele.
Amor de verdade é assim, não adianta tentar fugir dele. O amor fica.
21 de nov. de 2011
ATÉ QUE O RONCO OS SEPARE
O despertador tocou às 06h30. Ela abriu os olhos com dificuldade, a vontade era de virar pro outro lado e dormir mais algumas horas. Devagarzinho lembrou que era segunda-feira, que os compromissos diversos a esperavam. Sonolenta, levantou-se. A noite tinha sido longa, mal dormida. Ao seu lado o futuro marido, que se transformou durante a madrugada em um tipo de adversário, brigaram pelo pequeno espaço, o território coberto por um edredom e delimitado pelas dimensões da cama de casal.
Duas vezes acordou descoberta, uma vez acordou com uma cotovelada no meio das costas. Eram 03H00 quando ela novamente acordou, ele tinha abraçado o seu travesseiro e ela estava com a cabeça meio pendurada pra fora da cama. Às 04H10, ela escutou ele resmungar qualquer coisa meio assim: vai mais pra lá! Depois disso ele começou a roncar insistentemente. Irritada, ela foi ao banheiro e encontrou naquela gavetinha debaixo do armário um pacotinho de algodão, fez dois chumaços para tapar os ouvidos. O som do ronco parecia atravessar não apenas o tampão improvisado em suas orelhas, mas penetrar em seu cérebro e dar duas voltas em sua sanidade mental. A vontade era de socar o namorado, mas conseguiu se controlar. Levantou-se outra vez, olhou pro relógio, eram 04h40. Resolveu dar um basta na situação. Pegou um remedinho pra dormir, receitado há mais de um ano pelo seu cirurgião plástico, isso coisa do tempo em que colocou silicone nos seios. Tomou um comprimidinho sem calcular as consequências, tudo o que ela queria era dormir.
O despertador tocou às 06h30. Em pé no corredor de acesso à cozinha, não conseguia ir pra lado algum. Pegou água para preparar o café e se esqueceu de ligar o fogão. Foi pro banheiro escovar os dentes e pegou a escova de dente dele, sem perceber o que fazia. Derrubou pó de café no chão, falou um palavrão. Resolveu tomar uma ducha fria, pra despertar. Quase adormeceu dentro do box do banheiro. Bebeu três xícaras de café, mas não conseguia voltar ao estado normal de consciência. O namorado a encontrou dormindo na poltrona da sala, cabelos molhados, enrolada em uma toalha de banho. Tentou acordá-la, não conseguiu. Ela despertou às 11h30, coberta com o edredom. Ao seu lado um bilhete: “amor, quando acordar telefone pra mim”.
Sonolenta, a boca amarga. Correu pro escritório, inventou uma desculpa para o sumiço matinal. Passou a tarde inteira fazendo força pra não fechar os olhos e cair de cara na mesa de trabalho. Às 18h30, entrou em uma loja de móveis e comprou uma cama de tamanho king size. Ao ver todas aquelas camas expostas no showroom, sentiu vontade de deitar ali mesmo e dormir um século de sono profundo.
Eles dois não mais brigaram durante a noite pelo mesmo espaço. O único problema é que ele continua roncando e, parece, ela vai ter que se acostumar com o barulhão. Pra ronco, não há cama gigante que resolva. Amor é o mais sublime dos sentimentos, ronco um antídoto poderoso contra qualquer traço de romantismo. E durmam com esse barulho!
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18 de nov. de 2011
30.000 VISITAS!
Chegamos a 30.000 visitas nesta data.
Um dia de festa, de alegria. Uma sexta-feira especial!
Obrigada a você que acompanha minhas histórias.
Obrigada a quem me trouxe até aqui, meu irmão e amigo Abílio Manoel.
Diva Latívia
17 de nov. de 2011
FELIZ ANIVERSÁRIO!
Aniversário de Divo e eu sem a menor inspiração há vários dias. Vim caminhando entre o trabalho e minha casa. A pé e pensando nisso. Escrever depende da minha alma, que anda meio jururu nas últimas semanas.
Estava embebida em lembranças e preocupações muitas, um passo e outro totalmente distraída, quando tocou meu celular. Era o Divo. O projeto de decoração do novo apartamento estava pronto, a decoradora mandou as imagens pro meu e-mail. Apressei meus passos, ansiosa para logo ver como tudo ficaria arrumado! A internet não colaborou, estava lenta. Preparei um café, voltei pra sala. Aos pouquinhos o e-mail abriu e pude ver a sala de estar e a sala de jantar. E imaginei nós todos sentados à mesa. Amigos e parentes. Rindo e celebrando a vida. Uma confraternização com laços fortes do mais autêntico afeto.
Não sei ainda como farei para guardar toda a louça antiga que herdei de minha mãe. Não sei como farei para guardar sequer a quantidade enorme de roupas e sapatos que possuo. E isso, realmente, não importa. O mais importante é que, sem muito esforço, o rio da vida trouxe Divo pra mim. E eu, que tanto sonhava com uma vida a dois, tenho um par que encaixa certinho no meu dia-a-dia.
Que seja assim, bonito assim, até o fim, pra você e pra mim. Mais que amigos, mais que cúmplices. Um dueto que cabe em um sonho que virou realidade. Que a gente saiba conduzir essa nave espacial que chamam de “amor”. Que sejamos felizes, sem muita complicação e com muito respeito.
É aniversário de Divo. O presente que ele ganhou, até eu gostaria de ganhar, mas há um prazer imenso em presentear quem a gente ama. Comprei pra ele um desses toca-discos estilo retrô. Bonito, charmoso. Para ouvirmos os quase duzentos discos de vinil, ou LPs, que temos em comum. Lá em nossa nova casa.
E tudo o que parecia impossível, aconteceu. E tudo o que jamais imaginaríamos mudou completamente nossas vidas. A gente se conheceu na contramão de nossas histórias e, quem diria, a gente floresceu. Uma nova etapa, em um novo cenário, tudo isso começa com essa nossa vontade de sermos felizes e compartilharmos essa nossa felicidade.
Divo, querido, parabéns pelo seu aniversário! Ao som de todas as músicas que nos acompanham desde a juventude e, especialmente, ao som do tilintar das herdadas taças de cristal em nosso brinde. Saúde, Divo! Saúde para termos vida no tempo que nos espera. Saúde pra você, pra mim e pra quem leu este texto.
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12 de nov. de 2011
IOIÔ DE IAIÁ ( pra vc)
Quando era menina escutava a história de seus avós, enquanto saboreava bolo de fubá e café com leite. Sentados à mesa, a viagem seguia rumo ao passado, início do século XX. Na distante cidadezinha de interior, mais precisamente em 1941, seu avô, Laércio, vestido de terno de linho branco e elegante chapéu, entoava serenatas sob a janela de sua avó, Amália. O coral de vozes era formado pelos colegas da faculdade de Direito, acompanhados no violão por Silas, o farmacêutico. O repertório era de modinhas, hoje fora de moda.
Ai, ioiô,
Eu nasci pra sofrer.
Foi olhar pra você,
Meus zoinho fechou.
E quando os óio eu abri
Quis gritar, quis fugir.
Mas você,
Eu não sei porquê,
Você me chamou.
A noite nem bem havia caído, sob a janela do quarto da mocinha a turma de amigos caprichava na afinação e desfiava o repertório musical. Assim foi durante muito tempo, todos os domingos, até que o Vô Laércio terminou a faculdade, se firmou na profissão e, finalmente, pediu pro pai da Vó Amália a sua mão em casamento.
Desde os tempos de menina, a cena que idealizava ao escutar aquela história atiçava a faísca romântica dentro de si. Sete décadas mais tarde, sentada na sala de seu apartamento. O notebook pertinho. Abriu os e-mails, entre as mensagens estava aquela que fez seu coração bater mais forte, mensagem dele. O título escrito apressadamente pelo remetente: pra vc. Assim estava escrita a mensagem: aceita uma serenata? Baixou o arquivo mp3 e ouviu a canção, entoada por um coral. Viajou ao passado, foi de encontro aos avós ainda jovens, foi à cidadezinha tão pequena, iluminada pelo luar.
Ai, ioiô,
Tenha pena de mim.
Meu senhor do Bonfim
Pode inté se zangar.
E se ele um dia souber
Que você é que é
O ioiô de iaiá.
Terminou de escutar a música e suspirou. Finalmente, a serenata a encontrou. Atravessou o tempo e chegou de modo inusitado, eletrônico. Sem terno branco, sem reverência. O mesmo amor, o mesmo gesto, de outra forma, em outra época. Gravou o arquivo em um pen drive com o seguinte título: serenata dele pra mim.
Chorei toda noite, pensei
Nos beijo de amor que te dei.
Ioiô, meu benzinho do meu coração,
Me leva pra casa, me deixa mais não.
Chorei toda noite, pensei
Nos beijo de amor que te dei.
Ioiô, meu benzinho do meu coração,
Me leva pra casa, me deixa mais não.
Na voz de Zélia Duncan, Linda Flor ( Ioiô de Iaiá).
9 de nov. de 2011
FOTOGRAFIAS DE MIM
Cheguei em casa depois de um dia longo, cansativo, uma quarta-feira dessas que parecem infindáveis. Meu desejo era básico: um banho. Coloquei a chave na porta de casa, a sensação era de entrar no meu refúgio. Lar, doce lar!
Não deu tempo de suspirar feliz. Dei de cara com minha valiosa ajudante, a Zezé.
- Ô, dona Diva, a senhora sabe o que foi que aconteceu?
Minha vontade de abstrair aquelas palavras foi imediata. Preferia não ter ouvido nada.
Praticamente me joguei sobre o sofá. Exausta, uma guerreira de volta ao quartel-general.
- Pode dizer, Zezé.
- Eu abri aquela sua gaveta sem querer.
Tentei imaginar qual gaveta ela abriu. Gaveta de calcinhas? De remédios? De documentos? Essa terceira hipótese me afligiu.
- Qual gaveta?
- Tinha umas fotografias.
Era o que eu temia.
- A senhora usava franjinha quando era criança, né?
Eu me senti nua. Zezé pegou as minhas fotografias de infância. Naquela gaveta estavam as fotos de toda minha vida. Meus pais, meus avós, meus bisavós. Meu casamento, meu sorriso de felicidade. Amigos de outrora, gente que foi embora. Fotos em branco e preto, fotos que nem lembro mais. Minha vida retratada. E Zezé abriu a gaveta.
- O que mais você viu, Zezé?
- Vi a senhora feliz.
Isso foi o meu sinal de alerta. Eu já fui feliz. Não que eu não seja feliz, não é isso. Mas, olhando as fotos eu pareço ter sido muito mais feliz. Uma criança com o olhar inocente, uma adolescente sorridente. Quando será que a vida me pegou de surpresa e me chacoalhou assim? Quando será que perdi aquele mesmo sorriso, aquele brilho que eu tinha no meu olhar? Sei lá quanto tempo fiquei assim, a pensar na vida.
Fui pro banho e resolvi não jantar. Eu me tranquei no quarto e espalhei muitas fotos sobre a cama. Adormeci tarde, os álbuns antigos ao meu redor. E sonhei que ainda era criança, abraçada aos meus irmãos. Um sonho que se tornou colorido, mais e mais. Um jardim florido, cercada da proteção de meus super-heróis. Não sei explicar, não sei! Minha vida inteira coube dentro de uma gaveta!
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6 de nov. de 2011
TER IRMÃO É...
Ter irmão é uma vasta série de descobertas, passo a passo, lado a lado. É descobrir unidos que o recheio da minhoca é meleca. Que tatu-bola abre e fecha. Que daquele casulo vai sair a lagarta toda remodelada, em formato de borboleta. É a cumplicidade da pescaria dentro do aquário. A risada no mesmo tom. A espera ansiosa da chegada do Natal, rodeados do burburinho dos adultos, entre eles o Papai Noel. É pular ondas do mar, juntos, rindo sob o céu azulado e catando conchinhas espalhadas na areia. Tocar a campainha da casa vizinha e sair correndo. Estourar bombinha dentro da lata. E rir, rir, rir.
Crescer dividindo as dúvidas, somando novos ingredientes ao calor da vida. Ver as fotos antigas e relembrar o mesmo momento. Olhar dentro dos olhos um do outro e entender que ali está a explicação. Laço sem nó, que enfeita a alma da gente. Ter irmão é torcer pela vitória, participar das lutas, ser parte da alegria e da tristeza. Passo a passo, lado a lado, uma vez, outra vez, todas as vezes. Recomeçar, refazer, reencontrar a infância no sorriso refletido no olhar da gente. Ter irmão é o crescer da alma da gente. Passa o tempo, gira o mundo feito o colorido catavento, e a gente ainda sonha o mesmo sonho, ri das mesmas histórias, sente a mesma emoção. Assim é ter um irmão.
Para meus irmãos: Zeca, Flávio e Chicão.
5 de nov. de 2011
NÓ NO CORAÇÃO
Deu claustrofobia nela. Olhou pela janela, lá fora um final de tarde lindo na cidade de São Paulo. Observou as nuvens espalhadinhas no céu, feito fiapinhos. O azul escondidinho por detrás daquele algodão doce, parecia brincar de esconde-esconde. Passou um avião barulhento. Uma criança riu feliz em alguma casa vizinha. Um cão latiu.
Pôs-se a imaginar a felicidade alheia. O televisor ligado, estava desatenta à programação. Suspirou resignada. Quando tinha sido feliz? Lembrou do calor da areia sob seus pés, o mar morninho tocando seus tornozelos. O sorriso de seu filho ainda pequeno. O abraço caloroso de sua mãe. O sabor do bolo de aniversário recheado com doce de leite e ameixas pretas. O aroma dos livros na biblioteca de seu avô. A brincadeira com os irmãos no jardim de casa. O sabor do primeiro beijo. Aterrissou no brinde feliz do último revéillon.
Encostou o nariz na vidraça da sala. Lá fora parecia ser mais feliz que dentro de casa. O passado mais feliz que o presente. Sentou-se na frente do computador e escreveu. Publicou no blog, feito prece. Uma oração ou um apelo. Murmurou tão baixinho que só seu coração ouviu: e agora, o que será de mim?
"É NÓIS"!
29.000!!!
Cheguei a 29.000 visitantes!
Falta pouco pra festa dos 30.000.
A vocês, leitores, deixo o meu agradecimento!
Diva Latívia
Cheguei a 29.000 visitantes!
Falta pouco pra festa dos 30.000.
A vocês, leitores, deixo o meu agradecimento!
Diva Latívia
4 de nov. de 2011
AOS BAILINHOS DE GARAGEM
Meu vestido era azul com a estampa de flores miudinhas de cor branca. Na barra havia um babado e na cintura um laço. Minissaia. O salto da sandália que eu usava não era muito alto, acho que tinha uns sete centímetros. Nos meus lábios, brilho “love in gloss”. O perfume era "Charlie", da Revlon. Em pleno verão, bronzeada. Nada de protetor solar, na década de 70 usávamos bronzeador, de preferência caseiro e feito com ingredientes que hoje em dia são considerados um atentado ao bom senso de qualquer um. Cabelos longos e esvoaçantes, as garotas copiavam o corte do cabelo de Farrah Fawcett, atriz protagonista do seriado televisivo As Panteras.
Bailinhos de garagem, eram assim chamadas as festinhas com música, luz negra e cuba libre. Ao som de Bee Gees, Donna Summer, Elton John, dançávamos soltos, ou de rostinho colado. Músicas lentas, ou músicas rápidas. Sempre tinha aquele garoto que a gente tinha paquerado o ano todo, sem muito resultado. Diferente do tempo atual, nenhuma menina “de família” ficava com este ou aquele. Um beijo na boca era sinal de namoro iniciado. Ele me beijou, estamos namorando! E chegar ao beijo era uma longa história, que às vezes começava no primeiro dia de aula, com a troca de olhares pelos corredores do colégio. Seguia lentamente até o dia do bailinho, com a presença de ambos e a sorte de tocar aquela música, o fundo musical ideal para tornar real o sonho sonhado durante longos meses. Quer dançar comigo?
Voltei no tempo, parece que estou escutando How Deep is Your Love. Amor intenso, ligeiro, inesquecível. Resolvi procurar no Facebook o meu primeiro amor. Certa de que visualizaria um senhor gordinho, grisalho e irreconhecível, digitei seu nome e, que surpresa, ele tem perfil no Facebook e está ótimo, o tempo lhe caiu bem! Eu me contive, não enviei um convite. Veterinário, mora longe da minha cidade, tem filhos, uma longa história que desconheço, afinal perdemos o contato há mais de trinta anos. O perfume que ele usava pareceu ter saltado do computador. Como pude me lembrar disso? Era colônia após barba, talvez emprestada do pai, ou de um irmão mais velho. Fomos namorados de meia dúzia de beijos e só isso. Ele se mudou, foi cursar a faculdade em outra cidade. Lembro que chorei durante um mês, sem parar.
Eu me casei com um, ele se casou com outra. E lá está a criatura no Facebook. E foi assim que vim pro Word, eu saí da internet por precaução. Melhor não mexer com o passado. Será? Possivelmente, sim. Depressa despertei das lembranças. Viajante do tempo, recém-chegada na estação do presente, uma viagem com duração de três décadas. Aqui desembarquei com ruguinhas ao redor dos olhos, mas o mesmo ideal romântico de sempre. O meu coração ainda é o de uma garota.
Deixo pra vocês a música que embalou aquele instante: How Deep is Your Love, da trilha sonora de um filme de enorme sucesso naquela época, Saturday Night Fever, estrelado por John Travolta.
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