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Foram horas a fio esperando que no painel eletrônico reluzisse, finalmente, o número da minha senha. Essas repartições públicas são mesmo caóticas!
Acho, cochilei durante alguns minutos, durante a infinita espera. Pudera, acordei às 05h00 pra chegar naquele local às 06h00. Meu número de chamada era 127! Muita gente deve ter dormido naquela fila, tinha uma senhora sentada em um banquinho. Teria trazido o banquinho de casa?
Acomodada em uma cadeira dessas com o assento bem duro e de plástico, a minha lombar doía impiedosamente. Descobri que meu celular tem um joguinho de paciência, perdi umas dez vezes. Por fim, desisti de jogar e comecei a fazer o que mais gosto: prestar atenção nas pessoas ao meu redor.
Um casalzinho parecia indiferente ao público e ao cenário frio do local. Beijava-se apaixonadamente, emitindo aqueles sons típicos dos beijos, os “shlpts” e “smacks” que provenientes de outros seres, que não nós mesmos, tornam-se um tanto repulsivos.
Duas crianças, premiadas com a lei da palmada, não obedeciam aos apelos inócuos da mãe. – Pedro Miguel, Paulo Olavo, voltem já aqui. E nada dos rebentos saltitantes voltarem. Deram várias voltas ao redor do imenso salão, uma brincadeira de bandido e mocinho, que rendeu tiros pra todo o lado.
Um homem parecia roncar. Ao seu lado uma senhora idosa fazia um barrado de crochê em um pano de prato. Finalmente encontrei uma boa distração. Duas mulheres sentadas na fila da frente falavam sobre a novela das 9. – Ai, eu odeio a Teresa Cristina, acho que aquela mulher é uma cobra! – É mesmo. Por falar em cobra, viu o tamanho da cobra que ela colocou no carro da Amália? – Vi sim, cobra venenosa! E eu, orelhas em pé, tentava acompanhar a conversa das duas. – Cida, se o Zé te traísse, do que você seria capaz? – Eu? Acho que eu dava o troco. E você, se o Tião te traísse, o que você faria? – Eu colocava remédio de prisão de ventre na cachaça dele, o vidro todo.
Comecei a rir. Imaginei alguém beber cachaça e depois ter um piriri irreparável. Boa vingança!
-Amiga, eu acho que o Tião não me ama mais. – Jura, amiga? Por que? – Ele não me beija na boca mais. – Nossa, querida, isso é muito grave. Será que você está com mau hálito? – Ai, amiga, que ideia! – Ou então... – Então o quê? – Ele pode ter outra! Daquela frase em diante, só pude escutar a tal da Cida nervosa, depois chorando, algo um tanto patético. Notei que a amiga da Cida parecia contente com o resultado alcançado, ou seja, outra cobra, páreo pra tal da Teresa Cristina.
Finalmente, o painel eletrônico iluminou o número 127. Em dois minutos fui atendida, tudo de acordo com o que é informado na plaquinha da entrada da repartição: “atendimento rápido ao cidadão”. Esqueceram de informar o tempo de espera, isso sim um atendimento de quinta categoria, coisa que ninguém merece! Quando estava de saída, lancei um olhar na direção de Cida e sua amiga ofídia. Pareciam animadas, o papo estava rolando solto. Acho, voltaram a falar da novela e esqueceram do Zé e do Tião. Melhor a ficção que a realidade, ao menos ali cobras picam, mas não atravessam a telinha do televisor.
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
13 de jan. de 2012
FICÇÃO x REALIDADE
Foram horas a fio esperando que no painel eletrônico reluzisse, finalmente, o número da minha senha. Essas repartições públicas são mesmo caóticas!
Acho, cochilei durante alguns minutos, durante a infinita espera. Pudera, acordei às 05h00 pra chegar naquele local às 06h00. Meu número de chamada era 127! Muita gente deve ter dormido naquela fila, tinha uma senhora sentada em um banquinho. Teria trazido o banquinho de casa?
Acomodada em uma cadeira dessas com o assento bem duro e de plástico, a minha lombar doía impiedosamente. Descobri que meu celular tem um joguinho de paciência, perdi umas dez vezes. Por fim, desisti de jogar e comecei a fazer o que mais gosto: prestar atenção nas pessoas ao meu redor.
Um casalzinho parecia indiferente ao público e ao cenário frio do local. Beijava-se apaixonadamente, emitindo aqueles sons típicos dos beijos, os “shlpts” e “smacks” que provenientes de outros seres, que não nós mesmos, tornam-se um tanto repulsivos.
Duas crianças, premiadas com a lei da palmada, não obedeciam aos apelos inócuos da mãe. – Pedro Miguel, Paulo Olavo, voltem já aqui. E nada dos rebentos saltitantes voltarem. Deram várias voltas ao redor do imenso salão, uma brincadeira de bandido e mocinho, que rendeu tiros pra todo o lado.
Um homem parecia roncar. Ao seu lado uma senhora idosa fazia um barrado de crochê em um pano de prato. Finalmente encontrei uma boa distração. Duas mulheres sentadas na fila da frente falavam sobre a novela das 9. – Ai, eu odeio a Teresa Cristina, acho que aquela mulher é uma cobra! – É mesmo. Por falar em cobra, viu o tamanho da cobra que ela colocou no carro da Amália? – Vi sim, cobra venenosa! E eu, orelhas em pé, tentava acompanhar a conversa das duas. – Cida, se o Zé te traísse, do que você seria capaz? – Eu? Acho que eu dava o troco. E você, se o Tião te traísse, o que você faria? – Eu colocava remédio de prisão de ventre na cachaça dele, o vidro todo.
Comecei a rir. Imaginei alguém beber cachaça e depois ter um piriri irreparável. Boa vingança!
-Amiga, eu acho que o Tião não me ama mais. – Jura, amiga? Por que? – Ele não me beija na boca mais. – Nossa, querida, isso é muito grave. Será que você está com mau hálito? – Ai, amiga, que ideia! – Ou então... – Então o quê? – Ele pode ter outra! Daquela frase em diante, só pude escutar a tal da Cida nervosa, depois chorando, algo um tanto patético. Notei que a amiga da Cida parecia contente com o resultado alcançado, ou seja, outra cobra, páreo pra tal da Teresa Cristina.
Finalmente, o painel eletrônico iluminou o número 127. Em dois minutos fui atendida, tudo de acordo com o que é informado na plaquinha da entrada da repartição: “atendimento rápido ao cidadão”. Esqueceram de informar o tempo de espera, isso sim um atendimento de quinta categoria, coisa que ninguém merece! Quando estava de saída, lancei um olhar na direção de Cida e sua amiga ofídia. Pareciam animadas, o papo estava rolando solto. Acho, voltaram a falar da novela e esqueceram do Zé e do Tião. Melhor a ficção que a realidade, ao menos ali cobras picam, mas não atravessam a telinha do televisor.
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