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Primeiro dia de trabalho depois de férias mais do que merecidas. Que pena, tudo o que é bom passa muito depressa. Ainda bem que vem aí o carnaval! No escritório, ainda em estado de choque e um tanto de luto, fiz o possível para pegar no tranco, sem bocejar e disfarçando a vontade enorme de pegar a bolsa e ir embora pra casa. No horizonte nuvens escuras se amontoavam, uma espécie de motim meteorológico. Certamente, outro temporal cairia sobre a cidade de São Paulo.Aliás, parecia que a chuva já caía, justamente na direção do meu bairro.
Lá estava eu, discretamente olhando o calendário e contabilizando quantos feriados teremos em 2012, fingindo estar ocupada, quando meu celular tocou.
- Alô, Dona Diva?
Era a Zezé, minha assistente do lar.
- Oi, Zezé!
- Dona Diva que “disgracêra” aconteceu no seu apartamento!
Acho, meu cérebro travou. Acabei de mudar pro apartamento, tudo novinho, cheirando a tinta! Balbuciei a pergunta: - O que houve?
- Ai, Dona Diva! Seu Divo largô aquelas tranquera toda no terraço, veio a chuva e choveu tudo pra drento da sala.
- Quais tranquera... tranqueiras, Zezé?
Eu já estava trêmula, nem parecia ter voltado das férias.
- Os balde, as lata, a rede, os papel, tudo avoou pelo terraço e miserô o ralo todo.
Morar no décimo sexto andar de um edifício significa ter uma vista bonita da cidade. Morar no décimo sexto andar de um edifício também significa que o vento beira o vendaval.
Lembrei do restante do material de construção, amontoado no cantinho do terraço pelo teimoso Divo Latívio. Lembrei da rede, que reprovei, pendurada no gancho juntinho da porta da sacada da sala. Lembrei do ralo, bem embaixo da rede. Ai, que vontade de chorar!
- Estragou alguma coisa, Zezé?
Fiz a pergunta cruzando os dedinhos!
- Só estragô o vaso da pranta que tava perto da cadeira chiquetosa da senhora.
A cadeira chiquetosa é uma poltrona assinada por um famoso designer, premiada em Milão e ... Deixem isso pra lá.
- Molhou a poltrona, Zezé?
- Só um pouquim assim, oh!
Decidi reformular a pergunta. – Zezé, estragou alguma coisa? – Estragô o vaso da pranta, estragô também os tiçal de vrido do seu Divo.
Tiçal de vrido. Tantos anos de convivência com a Zezé, pude entender que os castiçais de cristal de Divo, herdados de sua bisavó lituana, haviam se espatifado no chão, tamanho foi o vendaval dentro da sala.
- Zezé, faça um favor pra mim. Preste bem atenção. Junte todos os pedacinhos do tiçal... do castiçal. Todos os pedacinhos que você encontrar, não jogue nada fora. Quando eu chegar em casa vou ver o que fazer.
- Tá, Dona Diva. E o quadro, faço o que com ele?
O único quadro que temos pendurado em casa é uma tela assinada por Miron Montez, artista espanhol impressionista. Obra arrematada em um leilão e avaliada em... Deixem isso também pra lá.
- O que tem o quadro, Zezé?
- Se preocupa não, dona Diva. Já lavei tudo e passei um paninho com lustra móvel.
- No quadro???
- Ficou bom, nem dá pra arrepará que sujou com a terra do vaso de pranta.
Foi assim que o primeiro dia de trabalho, depois das férias, foi interrompido por motivo de força maior. Corri pra casa. Zezé lustrou uma tela pintada a óleo. Sem saber o que fazer, para esconder de Divo o mal feito, passei uma flanela seca, que saiu colorida no final da operação.
- Xi, Dona Diva, a senhora estragô o quadro do Seu Divo!
- Zezé, onde estão os caquinhos dos castiçais de cristal?
- Caquinho do quê?
Tentei falar o idioma dela: - os tiçal de vrido!
- Ô Dona Diva, num "percisa me humilhá", eu falo errado, não tem que me "arremedá"!
Sinceramente, eu estava à beira de um surto psicótico!
- Onde estão os cacos do castiçal de vidro de Divo? E eu disse isso aos gritos.
Ela foi buscar o aspirador de pó, fazendo biquinho de quem ia chorar.
- Tá tudo guardadinho bonitinho "drento do aspiradô"!
O resto do dia reservei para me recuperar do trauma. Outro temporal assim e, creio eu, precisarei de um pouco mais de férias!
Quando Divo chegou do trabalho, no começo da noite, veio sorridente me cumprimentar. – Oi, querida, chegou cedo do trabalho? Que vidão, heim?
Preferi não responder e torci pra que ele não olhasse pro quadro, nem pros remendos dos castiçais, colados com superbonder. Um dia, ele vai perceber, mas espero que esse dia esteja bem distante e, que nesse instante, eu esteja longe e em lugar seguro!
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
8 de fev. de 2012
ÓIA A CHUVA!
Primeiro dia de trabalho depois de férias mais do que merecidas. Que pena, tudo o que é bom passa muito depressa. Ainda bem que vem aí o carnaval! No escritório, ainda em estado de choque e um tanto de luto, fiz o possível para pegar no tranco, sem bocejar e disfarçando a vontade enorme de pegar a bolsa e ir embora pra casa. No horizonte nuvens escuras se amontoavam, uma espécie de motim meteorológico. Certamente, outro temporal cairia sobre a cidade de São Paulo.Aliás, parecia que a chuva já caía, justamente na direção do meu bairro.
Lá estava eu, discretamente olhando o calendário e contabilizando quantos feriados teremos em 2012, fingindo estar ocupada, quando meu celular tocou.
- Alô, Dona Diva?
Era a Zezé, minha assistente do lar.
- Oi, Zezé!
- Dona Diva que “disgracêra” aconteceu no seu apartamento!
Acho, meu cérebro travou. Acabei de mudar pro apartamento, tudo novinho, cheirando a tinta! Balbuciei a pergunta: - O que houve?
- Ai, Dona Diva! Seu Divo largô aquelas tranquera toda no terraço, veio a chuva e choveu tudo pra drento da sala.
- Quais tranquera... tranqueiras, Zezé?
Eu já estava trêmula, nem parecia ter voltado das férias.
- Os balde, as lata, a rede, os papel, tudo avoou pelo terraço e miserô o ralo todo.
Morar no décimo sexto andar de um edifício significa ter uma vista bonita da cidade. Morar no décimo sexto andar de um edifício também significa que o vento beira o vendaval.
Lembrei do restante do material de construção, amontoado no cantinho do terraço pelo teimoso Divo Latívio. Lembrei da rede, que reprovei, pendurada no gancho juntinho da porta da sacada da sala. Lembrei do ralo, bem embaixo da rede. Ai, que vontade de chorar!
- Estragou alguma coisa, Zezé?
Fiz a pergunta cruzando os dedinhos!
- Só estragô o vaso da pranta que tava perto da cadeira chiquetosa da senhora.
A cadeira chiquetosa é uma poltrona assinada por um famoso designer, premiada em Milão e ... Deixem isso pra lá.
- Molhou a poltrona, Zezé?
- Só um pouquim assim, oh!
Decidi reformular a pergunta. – Zezé, estragou alguma coisa? – Estragô o vaso da pranta, estragô também os tiçal de vrido do seu Divo.
Tiçal de vrido. Tantos anos de convivência com a Zezé, pude entender que os castiçais de cristal de Divo, herdados de sua bisavó lituana, haviam se espatifado no chão, tamanho foi o vendaval dentro da sala.
- Zezé, faça um favor pra mim. Preste bem atenção. Junte todos os pedacinhos do tiçal... do castiçal. Todos os pedacinhos que você encontrar, não jogue nada fora. Quando eu chegar em casa vou ver o que fazer.
- Tá, Dona Diva. E o quadro, faço o que com ele?
O único quadro que temos pendurado em casa é uma tela assinada por Miron Montez, artista espanhol impressionista. Obra arrematada em um leilão e avaliada em... Deixem isso também pra lá.
- O que tem o quadro, Zezé?
- Se preocupa não, dona Diva. Já lavei tudo e passei um paninho com lustra móvel.
- No quadro???
- Ficou bom, nem dá pra arrepará que sujou com a terra do vaso de pranta.
Foi assim que o primeiro dia de trabalho, depois das férias, foi interrompido por motivo de força maior. Corri pra casa. Zezé lustrou uma tela pintada a óleo. Sem saber o que fazer, para esconder de Divo o mal feito, passei uma flanela seca, que saiu colorida no final da operação.
- Xi, Dona Diva, a senhora estragô o quadro do Seu Divo!
- Zezé, onde estão os caquinhos dos castiçais de cristal?
- Caquinho do quê?
Tentei falar o idioma dela: - os tiçal de vrido!
- Ô Dona Diva, num "percisa me humilhá", eu falo errado, não tem que me "arremedá"!
Sinceramente, eu estava à beira de um surto psicótico!
- Onde estão os cacos do castiçal de vidro de Divo? E eu disse isso aos gritos.
Ela foi buscar o aspirador de pó, fazendo biquinho de quem ia chorar.
- Tá tudo guardadinho bonitinho "drento do aspiradô"!
O resto do dia reservei para me recuperar do trauma. Outro temporal assim e, creio eu, precisarei de um pouco mais de férias!
Quando Divo chegou do trabalho, no começo da noite, veio sorridente me cumprimentar. – Oi, querida, chegou cedo do trabalho? Que vidão, heim?
Preferi não responder e torci pra que ele não olhasse pro quadro, nem pros remendos dos castiçais, colados com superbonder. Um dia, ele vai perceber, mas espero que esse dia esteja bem distante e, que nesse instante, eu esteja longe e em lugar seguro!
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