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Entre caixas e mais caixas de papelão, comecei a organizar a mudança. A velha casa de minha mãe aos poucos desocupada, a placa de “vende-se” pendurada no portão. Cristais, louças, enfeites, coisas do meu tempo de infância. Fotografias em preto e branco, o álbum de casamento dos meus pais. E eu, com os dedos negros de poeira, perdida entre lembranças. Encontrei um pacote com serpentinas e confetes, tentei imaginar há quanto tempo ela havia guardado aquilo.
Larguei os afazeres e peguei um copo de água gelada. Sentei no segundo degrau da escada e, entre um gole e outro, busquei no passado o último carnaval que passamos todos juntos. A sala de casa com o chão forrado de confetes. Nos lustres, serpentinas penduradas. Nós, os quatro filhos, usando máscaras de papelão, aquelas com elástico para prender na cabeça. Martelinhos de plástico, que sonorizavam as pancadas que dávamos uns nos outros. Colares havaianos coloridos. Tinha também umas bisnaguinhas plásticas, dentro delas colocávamos água, para espirrar em quem passava na calçada. Acho, havia quem enchesse as tais bisnaguinhas com xixi, mas isso é outra história.
Qual terá sido o nosso último carnaval juntos? Eis que lembrei! Foi o carnaval em que o aspirador de pó quebrou na quarta-feira de cinzas e toda aquela bagunça na sala precisou ser varrida, do jeito mais tradicional e cansativo possível. Depois dessa, minha mãe resolveu nos levar anualmente à matinê do clube, onde ao som de marchinhas, suados e felizes, pulávamos e pulávamos.
Em meio à bagunça, procurei fotos daquela época. Lá estávamos nós, tão pequenos ainda! Todos fantasiados! Quanto tempo havia passado? Quarenta anos, pelo menos. Há quarenta anos não passamos o carnaval juntos e, justamente neste ano, surgiu a oportunidade. Recém-casada, terei que viajar com meu marido, faltarei à reunião dos irmãos. Uma escolha, sem escolha. Um sonho pelo outro sonho. Na vida, nada é completo, sempre falta um pedaço. Na vida, quando a gente menos espera, o passado volta com tudo e a lacuna na alma parece se agigantar.
Resolvi terminar de embalar as taças de vinho. Já estava tarde, não havia mais tempo a perder. Joguei no lixo o saquinho de confetes e serpentinas. Ainda olhei pra trás, feito quem se despede de um momento que não voltará jamais.
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
15 de fev. de 2012
QUANDO ERA CARNAVAL
Entre caixas e mais caixas de papelão, comecei a organizar a mudança. A velha casa de minha mãe aos poucos desocupada, a placa de “vende-se” pendurada no portão. Cristais, louças, enfeites, coisas do meu tempo de infância. Fotografias em preto e branco, o álbum de casamento dos meus pais. E eu, com os dedos negros de poeira, perdida entre lembranças. Encontrei um pacote com serpentinas e confetes, tentei imaginar há quanto tempo ela havia guardado aquilo.
Larguei os afazeres e peguei um copo de água gelada. Sentei no segundo degrau da escada e, entre um gole e outro, busquei no passado o último carnaval que passamos todos juntos. A sala de casa com o chão forrado de confetes. Nos lustres, serpentinas penduradas. Nós, os quatro filhos, usando máscaras de papelão, aquelas com elástico para prender na cabeça. Martelinhos de plástico, que sonorizavam as pancadas que dávamos uns nos outros. Colares havaianos coloridos. Tinha também umas bisnaguinhas plásticas, dentro delas colocávamos água, para espirrar em quem passava na calçada. Acho, havia quem enchesse as tais bisnaguinhas com xixi, mas isso é outra história.
Qual terá sido o nosso último carnaval juntos? Eis que lembrei! Foi o carnaval em que o aspirador de pó quebrou na quarta-feira de cinzas e toda aquela bagunça na sala precisou ser varrida, do jeito mais tradicional e cansativo possível. Depois dessa, minha mãe resolveu nos levar anualmente à matinê do clube, onde ao som de marchinhas, suados e felizes, pulávamos e pulávamos.
Em meio à bagunça, procurei fotos daquela época. Lá estávamos nós, tão pequenos ainda! Todos fantasiados! Quanto tempo havia passado? Quarenta anos, pelo menos. Há quarenta anos não passamos o carnaval juntos e, justamente neste ano, surgiu a oportunidade. Recém-casada, terei que viajar com meu marido, faltarei à reunião dos irmãos. Uma escolha, sem escolha. Um sonho pelo outro sonho. Na vida, nada é completo, sempre falta um pedaço. Na vida, quando a gente menos espera, o passado volta com tudo e a lacuna na alma parece se agigantar.
Resolvi terminar de embalar as taças de vinho. Já estava tarde, não havia mais tempo a perder. Joguei no lixo o saquinho de confetes e serpentinas. Ainda olhei pra trás, feito quem se despede de um momento que não voltará jamais.
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carnaval,
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