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Eles dois brigavam a cada dois dias, esse era o prazo máximo. Ele dizia que a culpa era dela. Ela dizia que a culpa era dele. Sem razão e sem noção, isso em dueto, de novo brigaram. A causa da discussão, pontilhada de mágoa, foi o cadastro secreto que ele tinha em um site de namoro.
Perfil caprichado, sem foto. Dizia procurar uma mulher que fosse acima de tudo uma grande amiga. Poderia ser baixa ou alta, contanto que fosse jovem e magra. Deveria ser solteira, esse o estado civil que declarou descaradamente.
Furiosa, seu cérebro fundiu-se ao teclado do computador quando decidiu revidar. Criou um perfil falso, de uma loira gostosona, longos cabelos platinados e sem chapinha. Musa Dourada, esse o nome com o qual batizou a fraude. Mandou mensagem. Sem resposta durante duas horas, resolveu desabafar. Assim que ele chegou em casa, desatou a discursar. De nomes feios até verdades que atirou em sua cara, deixou pouco por dizer. Esvaziou o peso que carregava na alma.
Sem ter muito o que fazer, ele alegou ter se equivocado. Aquele perfil disse ser muito antigo, dos bons tempos de solteirice. Feito milho de pipoca, a coisa entalou em sua garganta, ela simplesmente não engoliu o esfarrapado. Pensando no carnaval por vir, decidiu se acalmar. Viajaram. A cada quinze minutos ela se lembrava do mal feito. Incrível, aquele ser com olhar angelical era um traidor virtual diabólico. Pensou em todas as vinganças possíveis, chegou a imaginar o que ele faria se a flagrasse fazendo algo equivalente.
Nova discussão, dessa vez queria saber quantas foram as eleitas pra tomar café, aquele primeiro encontro encenado em algum shopping center. Ele nervoso, dirigindo na Marginal. – Diz Astolfo, quantas? Loiras? Qual idade? Elas têm silicone? Botóx? Bundão? E ele irritadíssimo, mais e mais.
Por fim, depois de quase se matarem debaixo de um caminhão de Coca-Lola, parado na pista da direita, ele decidiu parar o carro. – Desce, Eunice. Sai do carro, fora! Ela mal podia acreditar, aquele anjinho, olhar mais doce que uma cocada preta, parecia o demônio.
A chuva caía fininha. A sombrinha se recusava a abrir. Os motoboys passavam equivocados e buzinavam pra celebrar a cena. Resolveu atravessar a pista local, tirou a sandália de salto alto e, descalça, chegou ao outro lado. Um ponto de ônibus pareceu a luz no final do túnel. No primeiro ônibus que passou, Jardim do Brejo, ela entrou. Vazio e com destino a uma estação do metrô. Aliviada, acomodou-se em uma poltrona, pertinho da janela.
Quinze minutos de trajeto, o ônibus passou ao lado do estádio do Sapo Feio Futebol Clube, aquele time de futebol que é o de maior torcida nacional. Entraram uns cinquenta torcedores, todos uniformizados, suados e cantando o hino do time. Entre uma batucada e outra, sentou-se ao seu lado um sujeito gordo, com dentes a menos e o desodorante vencido. Espremida entre a criatura e a janelinha, Eunice mal podia respirar.
O samba rolava solto, aquele sapão obeso praticamente a devorava com o olhar. Eis que chegou o ponto final. Levantou-se sem ter lado pra esconder o traseiro, admirado por cinquenta pares de olhos futebolísticos. Já no metrô, suspirou aliviada. Jurou nunca mais discutir com Astolfo, pra quem voltaria correndo, sã e salva. Eis que, assim distraída e planejando o que fazer, escutou uma voz sussurrar pertinho de si: - Ô gata, tu tá indo pro mesmo lado que nóis! Lá na laje tem churrasco e pagode. Tu é bem-vinda, loirinha!
Era o sapão. O pesadelo só terminou na estação Sé, onde Eunice desembarcou rumo à linha Norte-Sul e a torcida do Sapo Feio Futebol Clube pegou a linha Leste-Oeste.
Essa foi a última briga feia do casal. Por coincidência, Astolfo convidou Eunice pra assistir, no próximo domingo, a um clássico de futebol: Sapo Feio X União do Brejo. Pra não haver nenhuma discussão, ela aceitou, mas irão na numerada, lugar onde ela espera não encontrar aquela turma do busão.
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
9 de mar. de 2011
DESVENTURA FUTEBOLÍSTICA
Eles dois brigavam a cada dois dias, esse era o prazo máximo. Ele dizia que a culpa era dela. Ela dizia que a culpa era dele. Sem razão e sem noção, isso em dueto, de novo brigaram. A causa da discussão, pontilhada de mágoa, foi o cadastro secreto que ele tinha em um site de namoro.
Perfil caprichado, sem foto. Dizia procurar uma mulher que fosse acima de tudo uma grande amiga. Poderia ser baixa ou alta, contanto que fosse jovem e magra. Deveria ser solteira, esse o estado civil que declarou descaradamente.
Furiosa, seu cérebro fundiu-se ao teclado do computador quando decidiu revidar. Criou um perfil falso, de uma loira gostosona, longos cabelos platinados e sem chapinha. Musa Dourada, esse o nome com o qual batizou a fraude. Mandou mensagem. Sem resposta durante duas horas, resolveu desabafar. Assim que ele chegou em casa, desatou a discursar. De nomes feios até verdades que atirou em sua cara, deixou pouco por dizer. Esvaziou o peso que carregava na alma.
Sem ter muito o que fazer, ele alegou ter se equivocado. Aquele perfil disse ser muito antigo, dos bons tempos de solteirice. Feito milho de pipoca, a coisa entalou em sua garganta, ela simplesmente não engoliu o esfarrapado. Pensando no carnaval por vir, decidiu se acalmar. Viajaram. A cada quinze minutos ela se lembrava do mal feito. Incrível, aquele ser com olhar angelical era um traidor virtual diabólico. Pensou em todas as vinganças possíveis, chegou a imaginar o que ele faria se a flagrasse fazendo algo equivalente.
Nova discussão, dessa vez queria saber quantas foram as eleitas pra tomar café, aquele primeiro encontro encenado em algum shopping center. Ele nervoso, dirigindo na Marginal. – Diz Astolfo, quantas? Loiras? Qual idade? Elas têm silicone? Botóx? Bundão? E ele irritadíssimo, mais e mais.
Por fim, depois de quase se matarem debaixo de um caminhão de Coca-Lola, parado na pista da direita, ele decidiu parar o carro. – Desce, Eunice. Sai do carro, fora! Ela mal podia acreditar, aquele anjinho, olhar mais doce que uma cocada preta, parecia o demônio.
A chuva caía fininha. A sombrinha se recusava a abrir. Os motoboys passavam equivocados e buzinavam pra celebrar a cena. Resolveu atravessar a pista local, tirou a sandália de salto alto e, descalça, chegou ao outro lado. Um ponto de ônibus pareceu a luz no final do túnel. No primeiro ônibus que passou, Jardim do Brejo, ela entrou. Vazio e com destino a uma estação do metrô. Aliviada, acomodou-se em uma poltrona, pertinho da janela.
Quinze minutos de trajeto, o ônibus passou ao lado do estádio do Sapo Feio Futebol Clube, aquele time de futebol que é o de maior torcida nacional. Entraram uns cinquenta torcedores, todos uniformizados, suados e cantando o hino do time. Entre uma batucada e outra, sentou-se ao seu lado um sujeito gordo, com dentes a menos e o desodorante vencido. Espremida entre a criatura e a janelinha, Eunice mal podia respirar.
O samba rolava solto, aquele sapão obeso praticamente a devorava com o olhar. Eis que chegou o ponto final. Levantou-se sem ter lado pra esconder o traseiro, admirado por cinquenta pares de olhos futebolísticos. Já no metrô, suspirou aliviada. Jurou nunca mais discutir com Astolfo, pra quem voltaria correndo, sã e salva. Eis que, assim distraída e planejando o que fazer, escutou uma voz sussurrar pertinho de si: - Ô gata, tu tá indo pro mesmo lado que nóis! Lá na laje tem churrasco e pagode. Tu é bem-vinda, loirinha!
Era o sapão. O pesadelo só terminou na estação Sé, onde Eunice desembarcou rumo à linha Norte-Sul e a torcida do Sapo Feio Futebol Clube pegou a linha Leste-Oeste.
Essa foi a última briga feia do casal. Por coincidência, Astolfo convidou Eunice pra assistir, no próximo domingo, a um clássico de futebol: Sapo Feio X União do Brejo. Pra não haver nenhuma discussão, ela aceitou, mas irão na numerada, lugar onde ela espera não encontrar aquela turma do busão.
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