O doce convite foi por mim recebido com lágrimas emocionadas. Eu, Diva Latívia, madrinha do casamento religioso de Juliana e Beto. Precisava comprar um vestido. Andei o shopping inteiro, nada parecia me agradar e, quando agradava, não tinha o meu tamanho. Em uma loja eu encontrei um vestido justo, todo rendado. O preço? Oitocentos e cinquenta reais, que eu poderia parcelar em até cinco vezes no cartão de crédito. Fiz a minha escolha e fui conduzida pela vendedora até o provador.
– O meu nome é Jéssica. E o seu?
– Diva.
– Então, Diva, estou aqui fora e, qualquer coisa, é só me chamar, tá?
Foi dada a largada na prova do vestido, ou melhor, na minha provação. Puxei o vestido mais pra direita, depois eu o puxei mais pra esquerda, estava entalado na altura do busto. Parecia uma aula de aeróbica. Escutei um som, mais ou menos assim: sshcréc. Rasgou o vestido, na parte lateral. Eu poderia jurar que era castigo merecido, afinal minha teoria anti-estresse tem lembrado as tirinhas de Garfield. Não tenho praticado exercícios físicos e todas as amolações diárias eu compenso com chocolate. Não recuso uma boa lasanha. Em suma: engordei. O vestido tamanho 42 ficou preso em mim, do mesmo jeito que uma camisa de força se amarra aos loucos. Realmente, eu estava doida, só podia estar.
Tentei enxergar a situação, mas o vestido estava preso desde a cintura até a minha cabeça. Nem sinal da vendedora, para me socorrer. Resolvi arriscar um pedido de socorro:
- Moça, por favor, pode vir aqui no provador?
Nada, nem sinal da dita cuja. Loja de mulher só tem mulher. Certo? Nada disso, tem homens também. Mas, eu precisava de ajuda. Abri alguns centímetros da cortina do provador e voltei a chamar:
- Jenifer, socorro, o vestido está preso em mim!
O nome deveria estar errado:- Dafine! Stefani! Alguém!
Não encontrei outra solução, saí do provador.
Sei que eu parecia a mula sem cabeça, mas eu estava sufocando, braços erguidos, sem poder enxergar nada. Andei alguns passos e, sob meus pés, senti a diferença de temperatura do piso. Descalça, pude notar que o carpete fofinho tinha dado lugar a um chão liso, frio, talvez de mármore. Não tinha reparado nesse detalhe da loja. – Marjorie, preciso de ajuda!
- Senhora, por favor, não pode andar assim neste recinto!
Um vendedor, um homem. Que vergonha! – Desculpe, mas eu preciso de ajuda pra tirar a roupa!
- Senhora, por favor, colabore com a segurança do shopping e vista-se!
Que coisa mais esquisita. Um homem vendedor, em uma loja de roupas femininas de grife. Um homem vendedor e antipático.
- Onde está a Margot? Era ela quem estava me atendendo. Quero que ela tire o vestido de mim.
- Senhora, em qual loja a senhora estava?
- Como assim em qual loja? Eu estou nesta loja aqui!
Escutei umas vozes ao meu redor, gente que parecia rir, falar.
- O nome da loja, por favor, senhora.
- Não dá pra ver nada, mas é na sua loja! Miss Fashion Look by New York!
Senti que o sujeito me conduzia, meio que tentando encontrar por onde. Novamente senti o carpete da loja sob meus pés. Que loja estranha, que vendedores esquisitos!
- Esta senhora estava lá fora no corredor, ela veio daqui?
Eu estava no lado de fora da loja, com o vestido na cabeça, sem enxergar um palmo adiante do nariz.
- Onde está a desgraçada da Kelly?
- Senhora, eu sou a Jéssica e lamento o ocorrido. Por gentileza, vou levá-la de volta ao provador.
Precisou cortar o vestido, para que ele desentalasse. Furiosa, me recusei a experimentar outro vestido e, pra completar, saí da loja sem pagar o estrago. A culpa foi da Jeannie, Josie, sei lá o nome dela.
Duas semanas depois, faltando apenas quinze dias pro casamento, precisei voltar a procurar um vestido. Desta vez, escolhi outro shopping. Entrei em oito lojas, todas com vestidos feitos para as magras, as esqueléticas, as anoréxicas. E eu, farta de formas e curvas, não conseguia encontrar nada razoável e que não me deixasse parecida com minha tia-avó.
Resolvi telefonar pra minha amiga, a Isis. – Preciso de um vestido para ser madrinha de casamento.
Que sorte, ela tinha algo e poderia me emprestar. O mesmo manequim, a mesma altura. Que maravilha!Comprei sapatos, marquei o cabeleireiro e o maquiador e fui à casa da Isis, buscar meu vestido salvador. Lindo, azul escuro bordado na altura da gola. Discreto e chique, exatamente o que eu queria. Jurei cuidar bem do vestido e devolvê-lo intacto e lavado.
Dia do casamento, primeiro fui fazer o cabelo, as unhas e a maquiagem. Depois, fui pra casa me vestir. A primeira meia-calça que vesti foi super sacana comigo, rasgou bem na altura do fiofó. Já que o fio desfia, resolvi então pegar outra meia-calça, esta um pouco mais escura, mas servia.
O vestido, que no dia em que provei estava maravilhoso, estava um pouco justo. Lembrei do episódio do entalamento no shopping. Melhor então vestir uma cinta modeladora, pensei eu. A maquiagem foi pro beleléu, eu transpirava loucamente. Aperta, estica, puxa e pronto! Mal podia respirar, mas eu coube no vestido. Não sei como Michelle Pfeiffer conseguiu sobreviver à fantasia de mulher gato. Mas, o casamento de Juliana e Beto valia todo e qualquer sacrifício. Entrar no carro, outro suplício. Em pé tudo parecia mais fácil, mas sentada eu sentia que a cinta apertava do útero ao duodeno, sem esquecer a medula e o cérebro, que já começava a latejar.
A cerimônia foi linda. De vez em quando eu tentava respirar. Lembrei do dizer daquele desenho animado: “sorria e acene”. E eu sorria sofrendo, mas acenar estava tão difícil!
Cumprimentos muitos, fotos muitas. Hora de brindar. E eu, meio tonta, fiquei ainda mais tonta com o champanhe. A valsa dos noivos, algo tão romântico! Fui puxada para o meio do salão, Beto fez questão de dançar comigo. Ele me conduzia pra direita, meu pulmão queria ir pra esquerda. O contato da meia-calça com o vestido fazia um xuéc, xuéc que me preocupava. Tentava calcular: “comprei a cinta modeladora há quatro anos, quando eu usava manequim 42. Portanto, a cinta deve ser tamanho 40. Hoje, na melhor das hipóteses, uso manequim 44. Então, estou estrangulada em uma cinta tamanho PP e visto tamanho GG”.
Eu já nem escutava mais nada, quando decidi sair à francesa e me mandar da festa. Cheguei em casa torturada, acometida de uma enxaqueca que começava no dedão do pé e parava nos miolos. Tentei tirar o vestido, mas minha coluna estava emperrada. Pra não rasgar o vestido da Isis, a única solução que encontrei foi telefonar pra ela. – Socorro, entalei de novo. Ela preferiu não acreditar nisso, achou que fosse piada. Dormi usando o vestido, isso depois de tomar dois remédios pra dor de cabeça. Acordei às 07h00 da manhã, parecia que um trem havia me atropelado. Notei algumas lantejoulas espalhadas sobre o lençol. Não teve jeito, precisei comprar outro vestido pra Isis.
Se vou entrar em uma dieta severa? Nem pensar. A vida só tem graça quando a gente ri com vontade, bebe e come o que gosta. Manequim 44, seja bem-vindo ao meu guarda-roupa, mas nem ouse trazer com você o seu priminho, o 46.
Juliana e Beto se casaram, viajaram, voltaram e mandaram por e-mail as fotos em que apareço. Em todas as fotos estou de olhos meio arregalados, sorriso forçado, pareço estar com o pescoço duro e um tanto cianótica. Já andaram dizendo por aí que eu tinha aplicado botóx. Ah, se essa gente soubesse a metade desta história, eu viraria motivo de piada! Não conte pra ninguém, certo?