Acordamos cedinho, um sábado quente e nublado. Fizemos uma mala pequenininha, com uma muda de roupa e alguns itens necessários para viajarmos até uma cidadezinha próxima.
Quem tem casa, sabe que a gente leva horas diárias cuidando de assuntos banais, às vezes enfadonhos: lavar louça, secar louça, guardar louça. Verificar se tem lixo dentro da lata de lixo, remover o lixo, trocar o saco de lixo da lata, levar o lixo para o lugar do lixo. Enfim, a gente quer sair de casa, mas os afazeres precisam ser encerrados antes de sairmos.
Já tinha resolvido quase tudo, regado a plantinha da sala, fechado as janelas cuidadosamente. Resolvi levar o saco de lixo ao depósito que fica no subsolo do prédio. Divo estava no quarto, achei desnecessário avisá-lo. Eu, o saco de lixo, ambos dentro do elevador. Quando chegamos ao oitavo andar a luz apagou, o elevador parou. Busquei no bolso da minha bermuda o celular, precisava chamar alguém, avisar Divo, pedir socorro. Percebi que tinha esquecido o celular dentro de casa.
Apertei o botão de emergência. Longa espera. Lembrei do que minha mãe me ensinou, quando eu ainda era criança: se o elevador quebrar, não fique perto da porta e sente no chão, no fundo do elevador. E foi o que eu fiz. Eu e o saco de lixo.
O tempo não passava. O que será que Divo tinha jogado dentro daquele saco de lixo, que estava assim tão lotado? Uma distração, finalmente! Abri o saco de lixo. Casca de mamão, filtro descartável de café, duas latinhas de cerveja e... Que papel seria aquele? Guardei no bolso, para posterior averiguação.
Incrível, Divo sequer me procurou. O que estaria fazendo? Como não sentiu minha falta?!
Uma hora e quinze minutos, foi esse o tempo que demorou para que Jailson, o zelador, ao lado de um técnico da empresa de elevadores, abrisse a porta da minha cela.
Quando voltei pro apartamento, Divo dormia profundamente, o televisor ligado e ele roncava a sono solto. Peguei o papel dentro do meu bolso. “Anete – 0000-3333”. Letra de Divo. Quem era aquela Anete? Anete, em meus pensamentos, era uma loirinha com longos cabelos, não mais que 25 anos, corpo perfeito, quem sabe surfista nos finais de semana? Em minha cabeça passava de tudo. Fui abandonada presa dentro do elevador e ele tinha uma amante, chamada Anete, com idade para ser filha, quem sabe neta dele? Pervertido! Traidor! Dei-lhe um safanão. Acordou pulando, desorientado como quem cai de alguma nuvem. – Tá louca?
Trêmula, peguei meu celular e telefonei para a Anete- 0000-3333. Alô?
Voz melosa. Filhadamãe!
Alô. Quero falar com a Anete.
Divo, incrédulo, pálido, disse qualquer coisa que sequer escutei.
- Quem gostaria de falar?
- Não é da sua conta, chama aí!
Divo tentou puxar o celular da minha mão. Cravei-lhe minhas longas unhas, deve ter doído, porque ele saiu soprando os dedos em direção à cozinha.
- Bom dia, sou a Anete, quem está falando?
- Anete, seu telefone está aqui, anotado entre os pertences do meu marido.
- Quem é seu marido?
- Claro, claro. Você deve ter dado... o telefone.. pra muitos maridos, certo?
- Senhora, eu interrompi uma consulta para atendê-la.
- Consulta? Hahahaha! A coisa mudou de nome?
Foi assim que Divo conseguiu tirar o celular de minhas mãos, com um tranco.
- Doida! Maluca! Ciumenta paranoica!
- Eu?!
- Anete é a minha cardiologista!
Só acreditei quando ele mostrou os pedidos de exames, todos assinados pela tal da Anete.
Incrível mesmo é que ele, em momento algum, me perguntou onde eu estava durante mais de uma hora. Indiferente à minha clausura, dormiu feito um bebê, sequer notou minha ausência!
Magoados, ficamos dois dias apenas nos comunicando com monossílabas e sinais. Sim, não, tá, é, oi, tchau.
Aprendi a deixar o saco de lixo para ser retirado pelos faxineiros do condomínio, tudo conforme as regras do local onde moramos. Aprendi também a não mais fuçar a lata de lixo. Ah, essa minha vida vira-latas!
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