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Apresentação

Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.







27 de jun. de 2012

MARCAS DO QUE FICOU


Estava dentro do ônibus, rumo ao trabalho. Incrível, consegui um assento na janelinha. O dia amanheceu ensolarado, bonito. Pensei em meus afazeres do dia: chegar ao escritório, telefonar para algumas pessoas, escrever e-mails, ir ao banco, almoçar... Fui interrompida com um cutucão no meu braço. – Bárbara!
Ainda aterrissando na realidade, observei uma senhora idosa, olhos muito azuis, cabelos brancos e presos em um coque alinhado. – Desculpe, senhora, não sou a Bárbara.
- Bárbara Germânia! Há quanto tempo não nos encontrávamos!  Lembra de mim? Sou a Zilá!
Comovida, feliz por reencontrar a Bárbara, a senhora segurou firmemente minha mão. – Como estão seus filhos? Como está sua garotinha, a Diva?
A garotinha era eu. Bárbara era minha mãe. A confusão estava instalada. Dar a notícia do falecimento da minha mãe a uma senhora com mais de noventa anos, ou não? Decidi depressa, assumi a personagem.
- Diva está bem, ela se casou.
- Ah, essas mocinhas, elas depressa encontram um príncipe! E seu marido, ele ainda trabalha naquele escritório?
A coisa estava piorando, mais e mais. Meu pai, marido de Dona Bárbara Germânia, faleceu há muitos anos!
- Sim, ele foi promovido... É... Subiu de cargo!
- Que maravilha, Bárbara!
Ela cismou de olhar fixamente pra mim. Fiquei sem saber se virava o rosto pra janela, abaixava a cabeça, ou simplesmente a encarava. Escolhi a última alternativa, sob seu olhar atento.
- Bárbara, você envelheceu tanto!
- Nem tanto, Zilá. Afinal, temos a mesma idade.
- Bárbara, pare de mentir. Você é mais velha que eu 10 anos, sua idade é 83.
Foi assim que entendi que Dona Zilá tinha problema de memória, talvez problema de visão. Uma tremenda confusão.
Cheguei ao centro da cidade, precisei descer do ônibus. Mas, antes deixei meu cartão com Dona Zilá e expliquei que era o cartão de minha filha, Diva, que ela poderia telefonar sempre que quisesse conversar.
Dois dias depois recebi uma ligação, era a Dona Zilá. Queria me pedir o telefone de Bárbara. Enrolei, desconversei.  Disse que minha mãe e meu pai tinham viajado pra longe e que eu não sabia dizer quando voltariam.De vez em quando uma mentirinha do bem não faz mal a ninguém. Melhor deixar Dona Zilá em seu  mundinho, com suas ideias um tanto embaralhadas, sua inocência.
Encontrei no álbum de fotografias de minha mãe uma foto em preto e branco muito antiga, já amarelada pelo tempo. Dona Zilá ainda jovem, ao lado de minha avó. Creio, as duas deveriam ter quinze anos de idade, no máximo. Felizes, sorridentes, cabelos encaracolados.  Pensei na vida. Na vida de Dona Zilá, na vida de minha avó, na vida de minha mãe. Pensei na minha vida.


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