Estava dentro do ônibus, rumo ao trabalho. Incrível,
consegui um assento na janelinha. O dia amanheceu ensolarado, bonito. Pensei em
meus afazeres do dia: chegar ao escritório, telefonar para algumas pessoas,
escrever e-mails, ir ao banco, almoçar... Fui interrompida com um cutucão no
meu braço. – Bárbara!
Ainda aterrissando na realidade, observei uma senhora idosa,
olhos muito azuis, cabelos brancos e presos em um coque alinhado. – Desculpe,
senhora, não sou a Bárbara.
- Bárbara Germânia! Há quanto tempo não nos encontrávamos! Lembra de mim? Sou a Zilá!
Comovida, feliz por reencontrar a Bárbara, a senhora segurou
firmemente minha mão. – Como estão seus filhos? Como está sua garotinha, a
Diva?
A garotinha era eu. Bárbara era minha mãe. A confusão estava
instalada. Dar a notícia do falecimento da minha mãe a uma senhora com mais de noventa anos,
ou não? Decidi depressa, assumi a personagem.
- Diva está bem, ela se casou.
- Ah, essas mocinhas, elas depressa encontram um príncipe! E
seu marido, ele ainda trabalha naquele escritório?
A coisa estava piorando, mais e mais. Meu pai, marido de
Dona Bárbara Germânia, faleceu há muitos anos!
- Sim, ele foi promovido... É... Subiu de cargo!
- Que maravilha, Bárbara!
Ela cismou de olhar fixamente pra mim. Fiquei sem saber se
virava o rosto pra janela, abaixava a cabeça, ou simplesmente a encarava.
Escolhi a última alternativa, sob seu olhar atento.
- Bárbara, você envelheceu tanto!
- Nem tanto, Zilá. Afinal, temos a mesma idade.
- Bárbara, pare de mentir. Você é mais velha que eu 10 anos,
sua idade é 83.
Foi assim que entendi que Dona Zilá tinha problema de
memória, talvez problema de visão. Uma tremenda confusão.
Cheguei ao centro da cidade, precisei descer do ônibus. Mas,
antes deixei meu cartão com Dona Zilá e expliquei que era o cartão de minha
filha, Diva, que ela poderia telefonar sempre que quisesse conversar.
Dois dias depois recebi uma ligação, era a Dona Zilá. Queria
me pedir o telefone de Bárbara. Enrolei, desconversei. Disse que minha mãe e meu pai tinham viajado
pra longe e que eu não sabia dizer quando voltariam.De vez em quando uma mentirinha do bem não faz mal a
ninguém. Melhor deixar Dona Zilá em seu
mundinho, com suas ideias um tanto embaralhadas, sua inocência.
Encontrei no álbum de fotografias de minha mãe uma foto em
preto e branco muito antiga, já amarelada pelo tempo. Dona Zilá ainda jovem, ao
lado de minha avó. Creio, as duas deveriam ter quinze anos de idade, no máximo.
Felizes, sorridentes, cabelos encaracolados.
Pensei na vida. Na vida de Dona Zilá, na vida de minha avó, na vida de
minha mãe. Pensei na minha vida.
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