Entre rendas e restos de si, ela abriu a caixinha de costura
e buscou descuidadamente o retrós de linha azul. Espetou o dedo na agulha e
admirou a gotinha de sangue a despontar reluzente. Feito criança, lambeu o dedo
na tentativa de curar a ferida.
Deixou de lado o conserto da meia rasgada, viajou em
pensamentos distantes. A vida remendada, o coração trincado, o olhar emoldurado
por ruguinhas de preocupação e cores de tristeza. O que se rasgou afinal?
Aterrissou dos pensamentos e voltou à costura, um band- aid
no dedo anular. Tratou de correr contra o tempo, faltava pouco para o meio-dia.
Manhã fria, a meia costurada calçada no pé. Fechou a caixinha de costura e saiu
apressada.
O mundo lá fora a correr ligeiro, indiferente ao seu dedo
ferido, ao seu coração partido, ao seu olhar apagado. Não havia tempo a perder,
mergulhou na multidão, passos apressados.
Naquele dia não mais pensou na vida, a meia em seu pé voltou
a rasgar, no dia seguinte novamente abriria a caixinha de costura para buscar o
retrós de linha azul. Retalhos de sua rotina.
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