Clotilde, tão branquinha e gorduchinha, chegou em casa a
prometer mil e uma maravilhas: lavaria toda a roupa, sem estragar nenhuma peça.
Isso de modo rápido, com total eficiência e de modo econômico, prático,
higiênico. Ainda havia um quesito que considero essencial: não faria muito
barulho, o seu trabalho seria silencioso.
Fechei o negócio naquela loja que vende de tudo, de sofá a
refrigerador. O vendedor pareceu satisfeito, sorria mostrando um pedaço de
salsinha preso no molar. Sorriso largo e ecológico. Dois dias úteis mais tarde, tocou o interfone
e Serafim, o porteiro, avisou: - Dona Diva, os “homi” da loja estão aqui
embaixo pra subir a máquina de lavar roupas.
Depressa, destranquei a porta de entrada de serviço e
esperei tanto tempo que comecei a ficar preocupada. Cadê os “homi”? Chamei a
portaria: - Serafim, está acontecendo algum problema? – É... É que... Dona
Diva, a máquina não cabe no elevador.
Não pude acreditar no que ouvi. Como assim? Não cabia no
elevador? Resolvi verificar com meus próprios olhos. No subsolo do prédio
estavam dois entregadores da loja e o zelador. A caixa de papelão, embalagem da
Clotilde, era enorme. Tive a ideia de tirar a máquina de dentro da caixa. – Ô dona,
é melhor a senhora não fazer isso, porque se arranhar o gabinete a loja não vai
aceitar de volta.
Ora, ora, ora... Eu teria mesmo que desembalar a máquina!
Por isso, tentaram passar a Clotilde pra dentro do elevador desembalada. Puxa,
empurra, mais pra lá, mais pra cá. E eis que Clotilde entrou no elevador. Começou
então outro capítulo desse drama de lavanderia: a máquina não passou pela porta
de entrada da área de serviço. – Só se a senhora mandar quebrar a parede!
Nem pensar. Jamais eu quebraria a parede por causa de uma
máquina de lavar roupas. A solução foi içar a máquina pela janela da área de
serviço do apartamento. Deixei a máquina no salão de festas do prédio, com um
aviso de “NÃO MEXA” e contratei uma empresa especializada em içamento.
Clotilde veio subindo amarrada em cordas. De vez em quando o
vento a balançava. Gordinha, rebolativa, chegou sã e salva. Desde então ela
cumpriu tudo o que prometia seu manual de instruções: rapidez,
qualidade incomparável aos produtos de outras marcas.
Não sei o motivo disso, alguém
resolveu tirar as meias sociais de cor preta e jogar na máquina, junto com a cueca
de cor branca, a camisa de cor azul clara e duas toalhas de banho felpudas, que
eu já tinha deixado anteriormente na máquina. É essa mania que tenho de fazer
da máquina um cesto de roupas sujas. E esse alguém colocou sabão em pó no
compartimento de amaciante e colocou amaciante no compartimento de sabão em pó.
Ligou a máquina e foi ser feliz, assistindo a um jogo de futebol na TV e
bebericando sua gelada cervejinha. Eu, que sequer desconfiava do mal feito, fui
surpreendida pelo barulho de Clotilde a sacolejar irritadíssima. Abri a máquina
e notei fiapos coloridos das toalhas de banho grudados nas meias sociais
pretas. Notei também que havia tanta espuma de sabão que mais parecia
propaganda daqueles produtos que lavam mais branco. Respirei fundo, contei até dois e chamei Divo
Latívio:
- Divo, você ligou a máquina de lavar?
– Hã?
– Venha aqui!
– Não posso.
Diva, traz outra cerveja pra mim!
– Divooooo!
– O que é? Juiz ladrãoooo! Expulsa esse cara!
Por fim, desisti de chamá-lo e resolvi, eu mesma, tentar
resolver o problema. Desliguei a Clotilde da tomada e retirei as peças de roupa
de seu interior. O que era branco estava cinza, o que era preto estava cheio de
fiapos coloridos. As toalhas estavam emboladas de um lado só do tambor. Minha
vontade inicial foi de atirar tudo pela janela do apartamento. Enxaguei todas as peças de roupa no tanque,
uma a uma. Depois, removi e lavei aquele
compartimento plástico apropriado para receber sabão e amaciante de roupas.
Escolhi as toalhas de banho para serem torcidas por Clotilde. Liguei a máquina
na tomada, digitei o programa para centrifugar e... Nada aconteceu. Uma
tentativa, duas, três... Divoooo! Quatro, cinco, vinte e oito... –
Divoooooooooooo!!!
E ainda acham que mulher não gosta de futebol! – Diva, meu
time está perdendo, o que você quer? A raiva era tanta que resolvi responder de
modo malcriado: - Quero que seu time perca de 5x0!
Há homens que são capazes de aceitar quase todos os
desaforos provenientes de uma mulher. Porém, rogar praga no seu time de futebol,
isso pode ser imperdoável. O time de Divo perdeu de 4x1, o último gol quem
marcou foi o Raimundinho, gol contra.
Divo passou pela cozinha com ar de desprezo. Não disse boa
noite e foi dormir, revoltado com minha falta de solidariedade.
Hoje, Clotilde foi consertada. O problema maior estava em
uma peça que fica naquele cilindro da centrifugação. Uma meia soquete de Divo,
de cor branca, tinha se enroscado e promovido todo o começo da confusão.
Agora, aqui em casa, a coisa funciona da seguinte forma: Divo
só pode entrar na área de serviço com a minha autorização. Caso contrário, seu
ingresso no recinto está proibido.
Ainda bem, Clotilde voltou a trabalhar do jeito que sempre
prometeu: silenciosamente e com total eficiência!