O questionário era longo, eu precisava atualizar os dados
para aquele órgão público detalhista, que volta e meia quer saber o meu atual
endereço. Eram tantas perguntas, que senti minha privacidade bisbilhotada.
Aliás, duas vezes bisbilhotada, porque a fuxiqueira da Silvinha estava bem ao
meu lado, esperando ansiosa para também preencher o formulário. Olhos de lince,
atrás dos meus ombros ela podia ler tudo o que eu lançava no papel. Dei uma encarada
séria, ela não se mancou, ou fez de
conta que não se mancou.
Endereço novo informado. Deveria ser o suficiente. A próxima
pergunta foi tão contundente quanto um golpe de baixo pra cima, igual àqueles
golpes das lutas de UFC: estado civil. Pulei essa e parti pra resposta
seguinte: número de filhos. Minha prole é reduzida, porém mais do que
satisfatória: um! A pergunta seguinte,
sobre os novos cursos que fiz. Vontade de lançar no papel o curso de
fotografia, as aulas de tricô e a minha vasta leitura a respeito da
configuração do blog. Por fim, assinar “Diva Latívia”. Certamente, eu perderia
o emprego. Tratei de parar de rir sozinha, o sujeito do tal do órgão público,
vestido com um terno preto dessas lojas populares, suava em bicas e parecia
burramente sem paciência para me esperar.
Entreguei o formulário, torcendo pra que ele não me
perguntasse sobre o estado civil. Não adiantou nada.- “A senhora não preencheu
uma das questões. Qual é o seu estado civil?”. Ai que raiva! Perguntou isso com aquela voz
desafinada, rouca, parecida com a voz do Pato Donald. Silvinha deve ter tido um orgasmo de
satisfação, porque soltou um gritinho histérico: - “Aiiiii! Ela é casada, né?
Casou de novo, né? Tá casada, né?”. A
cada “né” eu me sentia sendo desnudada, um strip-tease da minha vida pessoal,
assunto que só diz respeito a mim!
Silvinha, Maria Tereza, Lucineide, Regiane, Glorinha. Um
galinheiro se formou ao meu redor. Cacarejavam ansiosas. Um prato cheio de
milho lançado no terreiro em que se transformou minha sala de trabalho.
Inventar um dado, para um órgão público, oficial, é crime de
falsidade. Portanto, eu estava em uma rua sem saída, encostada em uma parede,
encurralada por uma turma de mulheres ávidas por informações de minha vida.
– Casada.
Reboliço ao meu redor. – Viu? Não disse que ela casou? –
Casouuuuu? – Mas, pensei que ela morava com ele, só isso! – Uhuhuhu! –
Cócócócó! – Casou de novo? – Corajosa, heim? – Nossa, que sorte!
Menti! Menti por falta de privacidade. Menti pra me vingar delas, do sujeito do terno preto, da vida e de mim.
Permaneci na sala, fingindo trabalhar, até o sujeito esboçar
um cumprimento pálido, disse qualquer coisa parecida com “boa tarde” e rumou em
direção à saída. Levantei-me da mesa rapidamente e o alcancei antes de entrar
no elevador.
– Senhor? A respeito do formulário que eu preenchi. Creio que uma das informações que forneci está equivocada.
– Senhor? A respeito do formulário que eu preenchi. Creio que uma das informações que forneci está equivocada.
Fui olhada de cima abaixo. Novamente desnuda. Resolvi
atacar: - minhas informações pessoais não dizem respeito a todos, não são de
domínio público! Respondi algo por constrangimento, preciso corrigir a
informação.
Ele respondeu qualquer coisa em tom irado.
Contra-ataquei: - os seus superiores saberão que fui humilhada
pelo senhor!
Peguei pesado, sei disso.
O cara abriu a pasta surrada onde guardava vários papéis.
Lambeu o dedo e começou a folhear um a um. Encontrou o meu formulário e
perguntou: - O que a senhora respondeu errado?
- Eu sou divorciada!
- Então a senhora não é casada?
- Não senhor.
- Inventou isso para me enganar, senhora?
- Não senhor!
- Pensa que tenho tempo para perder, senhora?
Eu queria mandá-lo para aquele lugar que a luz não alcança,
mas precisava pensar no meu emprego.
- Fiquei constrangida, esse formulário deveria ser
preenchido de modo confidencial.
- Façamos o seguinte, senhora, colocarei aqui uma pequena
observação. Farei de conta que houve um equívoco no preenchimento. A senhora
pode rubricar abaixo?
Minha rubrica, um D. Tanto faz se é diferente daquilo o que
assino. Deixei ali um D, de Diva. Diva, minha Diva. Diva que habita em mim, que
me faz cometer loucuras reais, que me acompanha e pulsa dentro de mim e causa muitas confusões. Diva
doida, alter ego, meu lado D!
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