Ah, vai! Seu trabalho é “facinho”, a maior moleza! Você faz
o seu horário, acorda na hora que quer, almoça em casa e ganha bem pra caramba.
Escutei essas palavras, ou melhor, engoli essas palavras
como quem engole ácido sulfúrico. Caiu mal, muito mal. Pois eu posso contestar isso, posso provar que rapadura é
doce, mas é dura!
Estava de salto alto caminhando apressada pela Avenida
Paulista, pulando buracos da calçada e desviando de todo e qualquer desnível do
piso. A pressa sempre foi a inimiga número 1 da perfeição. Eu precisei
escolher, das duas uma: ou eu andava depressa, ou eu cuidava pra não cair.
Escolhi a primeira alternativa e fui parar agarrada a um telefone público,
vulgo orelhão. Abraçada ao dito cujo, quase fiz DDD para o raio que me partiu.
Mancando, danada da vida com o tropeção, a dor e o mal feito
ao meu sapato novo, consegui chegar ao tal do endereço que procurava. Descobri, repentinamente, que além de ter
estragado o belo scarpin preto, eu tinha desfiado a meia calça, bem na altura
da canela.
Torta, tentando me equilibrar sobre o salto quebrado e o tornozelo lesionado, retirei um envelope destinado a um tal de Sr. Nicolau
e segui toda desconjuntada à estação do metrô. São Paulo tem gente demais em
seu subterrâneo! Quase me sentei naquela cadeirinha azul, destinada aos
deficientes físicos. Bem que precisava, afinal eu estava contundida. Metrô
lotado ao meio-dia, isso é coisa que ninguém merece! Experimentei acomodar-me
melhor, um pouco mais longe do adolescente que carregava a mochila que a toda
hora cutucava minhas costelas. Fui pisada no outro pé, aquele que restava são e
salvo.
Assim que desci no metrô Vila Mariana, eu não tinha chão, ou
melhor, parecia não ter. Caminhei me arrastando, vendo estrelas e resmungando uns nomes
impublicáveis, até visualizar à distância um oásis, quero dizer, uma loja de
calçados. Comprei uma sapatilha de tecido laranja, a única sem salto, mas ela não combinava
muito com meu tailleur azul-marinho. Pés mais felizes, consegui seguir em
frente.
Toquei a campainha da casa do Sr. Nicolau, destinatário do
documento urgente que retirei no escritório da Avenida Paulista. Acho, o Sr.
Nicolau estava ausente, quem me atendeu foi um sujeito que latia
desesperadamente: um cão da raça rotweiller. Irritado, pulava no portão, como
quem diz: vou pegar essas sapatilhas laranja pra mim! Creio que, possivelmente ,
o cachorrinho não gostou de ter sido acordado com o som da campainha. Sem
sucesso na minha empreitada, arrastei-me de volta ao metrô. Eu e minhas
sapatilhas de cor “cheguei!”.
A volta pro escritório foi dolorosa, sofrida, um verdadeiro
calvário. Eu não consegui atravessar rapidamente o farol de pedestres, na esquina
do escritório. No meio do caminho, a coisa ficou feia, um motoboy apressadinho deu
a largada antes de eu chegar à calçada e por pouco, muito pouco, não passou por
cima de mim.
Quando sentei na minha mesa, Dona Dolores, a secretária do
chefe, com sorriso forçado, sem disfarçar seu prazer em me ferrar, entregou
outro envelope urgente, que eu deveria protocolar na Vila Sorococó, zona leste da
cidade. Isso deveria ser resolvido em menos de duas horas. Lá fui eu de volta
pro metrô. Preciso dizer que viajei em pé, de lá até o outro lado da cidade?
Cheguei em casa, Divo cheio de saudade me perguntou:
querida, vamos dar umas voltinhas no parque para entrarmos em forma?
Em forma? Eu em forma? Isso significava exatamente o quê?
Que estou fora de forma?
Ainda emendou o seguinte: nossa, que sapatilha horrível!
Onde você achou isso?
Pois é. O dia foi longo. Meu trabalho não é moleza não.
Ainda bem que existe a hora do recreio, quando corro pro blog e sublimo todos
os meus “ais”, rindo, chorando, fazendo rir, fazendo chorar. Como diria Roberto
Carlos: são muitas emoções!
Quanto às sapatilhas laranja, elas são bem confortáveis, mas a cor
é um tanto berrante. Ofereci a Bono Latívio, meu cãozinho, que desde sua
chegada em minha casa, sonhava em roer algum sapato meu. Achou uma delícia!
Este é o meu relatório de terça-feira. Dia em que eu não
deveria ter saído de casa. Ah, se eu adivinhasse! Poderia ter dormido até as
tantas, acordado na hora do almoço e depois me jogado no sofá para assistir à
sessão da tarde. Pena, não tenho bola de cristal.