Desde que eu era criança nada parecido ocorria. Era muito
cedo quando acordei e, quando acordo, pareço sonâmbula. Mal sei quem sou, onde
estou, ou pra onde vou. Levantei-me e
fui ao banheiro. Lembro que acionei o
botão da descarga do vaso sanitário, lavei as mãos e o rosto, depois fui à
cozinha preparar um café forte. Liguei o rádio na minha estação preferida:
música dos anos 80. Deixei a mesa do café da manhã posta e resolvi tomar um
banho. Adorava minhas pantufinhas cor-de-rosa, elas eram tão quentinhas e
aconchegantes! Senti um certo desconforto ao escutar algo mais ou menos assim:
shlept, shlept, shlept! Zoadíssima, meio dormindo, deixei isso pra lá.
Quando
entrei no banheiro, a descarga continuava acionada, aquele sachê perfumado
tinha caído dentro do vaso sanitário e restado apenas o ganchinho de plástico
transparente, que o prendia à tampa do vaso. Mau sinal: onde teria parado o artefato
perfumoso? Péssimo sinal. Dei uns tapas
no botão da descarga, que pareceu gostar muito de apanhar. Masoquista,
continuou disparado. Aquela água com
xixi vazava até o chão do banheiro. Comecei a acordar! Talvez, a privada
tivesse engolido o sachê. Possivelmente, ela estava entupida! Passei a
procurar o registro do banheiro, eu tinha que cortar aquela cachoeira! Minhas
pantufinhas cor-de-rosa, pude descobrir naquele momento, soltavam tinta. A
barra da calça do meu pijama, outrora amarelinho, estava alaranjada.
Desliguei um registro meio emperrado, mas a
descarga continuou disparada e indiferente ao meu suplício. Lá no alto, bem na
penúltima fileira de azulejos, havia outro registro. Por exclusão, tinha que
ser aquele! Lá fui eu pela casa, à procura de um banquinho, escada, algo que me
ajudasse a alcançar o dito registro da descarga. Já descalça e com o pijama
dobrado até à altura dos joelhos, eu tremia com o frio de 12 graus, que só
piorava ainda mais a minha situação. Não
encontrei a escada, que provavelmente não tinha sido devolvida pela vizinha do
apartamento 32, a Raimundinha. Assim, escolhi aquele banquinho da cozinha, o
mesmo que estava com as perninhas um pouquinho arqueadas, devido ao peso de
Divo Latívio.
A água já tinha invadido meu quarto, o tapetinho beira-de-cama
com estampa imitando tapete persa já era! Mais do que depressa, subi no
banquinho e rosqueei o registro pra direita, sentido obrigatório para fechar
uma torneira. Girei, girei e ... créc! O banquinho arriou, me segurei no registro e a coisa emperrou.
Sem mais saber o que
fazer, peguei o interfone e chamei a portaria. Atendeu o Severino, porteiro.
Expliquei o ocorrido, ele prometeu subir para resolver o problema, porém
demorou uns quinze minutos. A água já tinha alcançado a sala. Perguntou se eu
tinha um grifo, devo ter feito cara de burra, porque essas coisas eu não tenho
em casa! A essa altura, o vizinho do apartamento 31 apareceu na minha porta e
tentou ajudar. E eu, doida, ensopada e de pijama, com um rodo a puxar a água
pra qualquer lado. A água invadiu o corredor, desceu pelo elevador e deixou
nada menos que 200 moradores a pé, pela escadaria. O relógio marcava 08h30 quando resolveram
fechar a água do prédio todo. Sem elevador, sem água e eu atrasada pra ir pro
trabalho.
O conserto foi feito, precisei mandar trocar o registro do banheiro,
consertar a descarga, desentupir a privada,
chamar a faxineira para limpar o apartamento, mandar os tapetes pra lavanderia
e jogar no lixo minha querida pantufinha cor-de-rosa. Ufa! Quando o encanador
mostrou o que havia caído dentro do vaso sanitário, fiquei admirada! O sachê
perfumoso estava acompanhado de um vidro de desodorante, que tinha caído de uma
prateleira que fica sobre o vaso sanitário. E eu, que sempre saio da cama
parecendo uma zumbi, cheguei a imaginar que aquilo fosse um pesadelo, mas era
real e custou caro, muito caro! Uma desventura matinal, coisa natural na vida de Diva Latívia.
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