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Tudo parecia perfeito. Olhei mais uma vez pela janela. Sim, a noite estava linda, o céu estrelado, o lua lá, tão bonitinha! Apenas faltava um detalhe: ele, sempre atrasado. Mais uma vez fui ao espelho conferir minha aparência. Dois quilos a mais, será que a calça estava muito apertada? Resolvi deixar pra lá, não daria tempo pra escolher outra roupa. Sentei na sala, tentando fazer ar casual. Xô ansiedade, saia deste corpo que não te pertence!
Olhei pro relógio: 20h52. Meia hora atrasado. Liguei o televisor, passava a novela, aquela que eu não conseguia assistir na íntegra por falta de tempo. Fiz o possível pra me concentrar na trama. O mocinho suspirava de saudade da mocinha. A mocinha, toda faceira, usava um vestido comprido até os pés.
21h27, uma hora atrasado. O que poderia ter acontecido? Voltei ao espelho, meu batom precisou de retoque. Pudera, fazia duas horas que eu tinha me maquiado.
Clic, apertei o botão do controle remoto e desliguei o dramalhão televisivo. Levei a mão à boca, ia roer uma unha pintada de vermelho, pude me conter a tempo.
Tive diarréia mental: será que ele sofreu um acidente de carro? Será que foi assaltado? Será que sofreu um mal súbito? Estava boiando em “serás” quando meu celular tocou.
– Alô, Diva? Sou eu, o Arnaldo Henrique.
Pelo tom de voz percebi que meu encontro já era.
- Oi, tudo bem?
- Tô ligando pra me desculpar, estou em uma reunião de trabalho chata, dessas que demoram pra terminar. Podemos deixar o jantar pra outro dia?
Reunião àquela hora? Tive vontade de mandá-lo dar uma volta na Serra do Tereré. Fui polida:
- Claro que sim, imagine, aliás eu tinha esquecido desse encontro! Estou aqui na casa de uns amigos, estamos tomando uma caipirinha.
- Caraca! Esqueceu do nosso encontro?
- Sabe o que é, Arnaldo Henrique? Não anotei na minha agenda. Toda vez que não anoto eu esqueço. Se quiser marcar novamente, prometo anotar.
Ele desligou meio danado da vida e eu me senti vingada.
Mais uma vez fui ao espelho. Tirei os brincos de argola dourada, limpei a maquiagem do rosto, fiquei descalça. Fui de novo até à sala, encontrei o controle remoto do televisor debaixo de uma almofada. Clic, lá estava a novela. O mocinho abraçado à mocinha, os dois trocando juras de amor eterno. Vida boa mesmo era aquela da telinha. Aqui do lado de fora, aqui na minha sala, as coisas aconteciam de um jeito diferente.
Troquei o canal. A propaganda da máquina de fazer pães pareceu tão atraente. Liguei pro televendas e, na compra, ganhei de brinde uma cafeteira elétrica. Paguei tudo em doze prestações iguais no cartão, sem entrada. Durante alguns momentos eu me senti recompensada. Não tinha comigo Arnaldo Henrique, mas tinha uma máquina de fazer pães e uma cafeteira elétrica que preparava até 12 cafezinhos.
Quando os produtos foram entregues na minha casa, já era quarta-feira da semana seguinte. Eu ia passando pela portaria do prédio quando Suplício, o porteiro, me chamou.
- Dona Diva, tem encomenda pra senhora.
Entrei no meu apartamento, encostei a caixa enorme em um cantinho da cozinha. Até hoje não abri a embalagem. Pra quê preciso de uma máquina de fazer pães, se tem uma padaria a 50 metros da minha casa? Além do mais, com o bolo que ganhei, pra quê pãezinhos, não é mesmo?
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
12 de jul. de 2010
LEVANDO O BOLO
Tudo parecia perfeito. Olhei mais uma vez pela janela. Sim, a noite estava linda, o céu estrelado, o lua lá, tão bonitinha! Apenas faltava um detalhe: ele, sempre atrasado. Mais uma vez fui ao espelho conferir minha aparência. Dois quilos a mais, será que a calça estava muito apertada? Resolvi deixar pra lá, não daria tempo pra escolher outra roupa. Sentei na sala, tentando fazer ar casual. Xô ansiedade, saia deste corpo que não te pertence!
Olhei pro relógio: 20h52. Meia hora atrasado. Liguei o televisor, passava a novela, aquela que eu não conseguia assistir na íntegra por falta de tempo. Fiz o possível pra me concentrar na trama. O mocinho suspirava de saudade da mocinha. A mocinha, toda faceira, usava um vestido comprido até os pés.
21h27, uma hora atrasado. O que poderia ter acontecido? Voltei ao espelho, meu batom precisou de retoque. Pudera, fazia duas horas que eu tinha me maquiado.
Clic, apertei o botão do controle remoto e desliguei o dramalhão televisivo. Levei a mão à boca, ia roer uma unha pintada de vermelho, pude me conter a tempo.
Tive diarréia mental: será que ele sofreu um acidente de carro? Será que foi assaltado? Será que sofreu um mal súbito? Estava boiando em “serás” quando meu celular tocou.
– Alô, Diva? Sou eu, o Arnaldo Henrique.
Pelo tom de voz percebi que meu encontro já era.
- Oi, tudo bem?
- Tô ligando pra me desculpar, estou em uma reunião de trabalho chata, dessas que demoram pra terminar. Podemos deixar o jantar pra outro dia?
Reunião àquela hora? Tive vontade de mandá-lo dar uma volta na Serra do Tereré. Fui polida:
- Claro que sim, imagine, aliás eu tinha esquecido desse encontro! Estou aqui na casa de uns amigos, estamos tomando uma caipirinha.
- Caraca! Esqueceu do nosso encontro?
- Sabe o que é, Arnaldo Henrique? Não anotei na minha agenda. Toda vez que não anoto eu esqueço. Se quiser marcar novamente, prometo anotar.
Ele desligou meio danado da vida e eu me senti vingada.
Mais uma vez fui ao espelho. Tirei os brincos de argola dourada, limpei a maquiagem do rosto, fiquei descalça. Fui de novo até à sala, encontrei o controle remoto do televisor debaixo de uma almofada. Clic, lá estava a novela. O mocinho abraçado à mocinha, os dois trocando juras de amor eterno. Vida boa mesmo era aquela da telinha. Aqui do lado de fora, aqui na minha sala, as coisas aconteciam de um jeito diferente.
Troquei o canal. A propaganda da máquina de fazer pães pareceu tão atraente. Liguei pro televendas e, na compra, ganhei de brinde uma cafeteira elétrica. Paguei tudo em doze prestações iguais no cartão, sem entrada. Durante alguns momentos eu me senti recompensada. Não tinha comigo Arnaldo Henrique, mas tinha uma máquina de fazer pães e uma cafeteira elétrica que preparava até 12 cafezinhos.
Quando os produtos foram entregues na minha casa, já era quarta-feira da semana seguinte. Eu ia passando pela portaria do prédio quando Suplício, o porteiro, me chamou.
- Dona Diva, tem encomenda pra senhora.
Entrei no meu apartamento, encostei a caixa enorme em um cantinho da cozinha. Até hoje não abri a embalagem. Pra quê preciso de uma máquina de fazer pães, se tem uma padaria a 50 metros da minha casa? Além do mais, com o bolo que ganhei, pra quê pãezinhos, não é mesmo?
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Etimologia – ou Etiologia, como queiram! - Dentre os meus interesses, digamos assim, intelectuais e totalmente descompromissados, aquém do que se pudesse chamar de amor ou paixão, mas à frente da si...
Um comentário:
Diva Lativia, divina mulher, somente um louco a deixaria sozinha em casa assistindo novela.
Beijo de um leitor que muito a admira.
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