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Ao passar o aspirador de pó no tapete da sala escutei o barulhão: créc, créc, créc! Depressa desliguei o aparelho da tomada. Abri o compartimento que acumula a poeira aspirada. Achei uma tampa azul, de caneta esferográfica. Belo achado, pensei. Onde estaria a própria, ou seja, a caneta? Observei a lapiseira, na prateleira sobre o televisor. Há poucos meses, ali havia meia-dúzia de canetas. Restavam duas. Decidi fazer uma mega operação de busca em toda a casa. Onde teriam parado as canetas desaparecidas? Olhei dentro das bolsas que usei nos últimos tempos. Olhei dentro de gavetas, caixas, atrás de móveis, nas frestas miúdas entre as almofadas do sofá. Encontrei moedinhas de um centavo, uma caixinha de chiclete de canela, o batom de cor fúcsia que tanto havia procurado. Empolgada, comecei a revirar tudo o que estava nas prateleiras do guarda-roupa. Encontrei aquela camiseta cinza de manga longa, uma echarpe xadrez e uma fivela de cabelos. Precisava encontrar as canetas! Um desaforo, um desafio. O casacão de lã grossa, preto, pareceu suspeito. E foi assim que encontrei aquele cartão de visita. Não imagino há quanto tempo não usava o casaco, acho que há uns três invernos, no mínimo. Naquela época era solteira. O cartão era de alguém que nem imagino onde foi parar, alguém que sumiu sem deixar traços. Tentei lembrar quando isso aconteceu, certamente em algum inverno distante. Lá estava, sentada na cama, puxando os fios tênues de minha memória, quando escutei a chave ser colocada na porta de entrada de casa: Divo!
A sensação foi de estar cometendo uma espécie de crime. Eu precisava eliminar a prova, aquele cartão que surgiu do nada, que veio do mesmo lugar onde foram parar as canetas que sumiram. Divo, curioso, quis saber o que eu estava fazendo. Falei algo sobre as canetas, ele pediu que eu procurasse também suas meias, ímpares, viúvas, sem o par. Onde será que vão parar as meias que somem? As canetas? Onde será que vão parar pessoas que passam pela gente e, praticamente, evaporam pra sempre? O cartão amassadinho em minhas mãos, tentativa aflita de ocultá-lo. Decidi picá-lo em pedacinhos miudinhos e atirá-lo no vaso sanitário. Duas descargas e ainda restavam pedacinhos que teimavam em não seguir o rumo ideal: cano abaixo. Lá pela quarta puxada de descarga foi tudo embora. Ufa! Cartãozinho persistente!
Não encontrei as canetas, as meias sei lá onde foram parar. O casacão decidi doar para a Campanha do Agasalho. Aquela busca pela caneta rendeu uma arrumação enorme nos armários e gavetas. Imensa organização, que parece não estar terminada. Entre objetos obsoletos, roupas que não servem mais, resta a constatação de que hoje sou muito mais feliz do que há alguns anos. Tenho Divo, finalmente encontrei Divo,o meu grande achado!
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
13 de ago. de 2011
PEDACINHOS MIUDINHOS
Ao passar o aspirador de pó no tapete da sala escutei o barulhão: créc, créc, créc! Depressa desliguei o aparelho da tomada. Abri o compartimento que acumula a poeira aspirada. Achei uma tampa azul, de caneta esferográfica. Belo achado, pensei. Onde estaria a própria, ou seja, a caneta? Observei a lapiseira, na prateleira sobre o televisor. Há poucos meses, ali havia meia-dúzia de canetas. Restavam duas. Decidi fazer uma mega operação de busca em toda a casa. Onde teriam parado as canetas desaparecidas? Olhei dentro das bolsas que usei nos últimos tempos. Olhei dentro de gavetas, caixas, atrás de móveis, nas frestas miúdas entre as almofadas do sofá. Encontrei moedinhas de um centavo, uma caixinha de chiclete de canela, o batom de cor fúcsia que tanto havia procurado. Empolgada, comecei a revirar tudo o que estava nas prateleiras do guarda-roupa. Encontrei aquela camiseta cinza de manga longa, uma echarpe xadrez e uma fivela de cabelos. Precisava encontrar as canetas! Um desaforo, um desafio. O casacão de lã grossa, preto, pareceu suspeito. E foi assim que encontrei aquele cartão de visita. Não imagino há quanto tempo não usava o casaco, acho que há uns três invernos, no mínimo. Naquela época era solteira. O cartão era de alguém que nem imagino onde foi parar, alguém que sumiu sem deixar traços. Tentei lembrar quando isso aconteceu, certamente em algum inverno distante. Lá estava, sentada na cama, puxando os fios tênues de minha memória, quando escutei a chave ser colocada na porta de entrada de casa: Divo!
A sensação foi de estar cometendo uma espécie de crime. Eu precisava eliminar a prova, aquele cartão que surgiu do nada, que veio do mesmo lugar onde foram parar as canetas que sumiram. Divo, curioso, quis saber o que eu estava fazendo. Falei algo sobre as canetas, ele pediu que eu procurasse também suas meias, ímpares, viúvas, sem o par. Onde será que vão parar as meias que somem? As canetas? Onde será que vão parar pessoas que passam pela gente e, praticamente, evaporam pra sempre? O cartão amassadinho em minhas mãos, tentativa aflita de ocultá-lo. Decidi picá-lo em pedacinhos miudinhos e atirá-lo no vaso sanitário. Duas descargas e ainda restavam pedacinhos que teimavam em não seguir o rumo ideal: cano abaixo. Lá pela quarta puxada de descarga foi tudo embora. Ufa! Cartãozinho persistente!
Não encontrei as canetas, as meias sei lá onde foram parar. O casacão decidi doar para a Campanha do Agasalho. Aquela busca pela caneta rendeu uma arrumação enorme nos armários e gavetas. Imensa organização, que parece não estar terminada. Entre objetos obsoletos, roupas que não servem mais, resta a constatação de que hoje sou muito mais feliz do que há alguns anos. Tenho Divo, finalmente encontrei Divo,o meu grande achado!
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