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Quando voltei pra casa, já tinha passado do horário do almoço. Estômago nas costas, barriga roncando a reclamar de fome. O dia começou atrapalhado. Atrasada, quase perdi a hora marcada no médico. Consulta com o oftalmologista, cuidado pós-cirúrgico. Cheguei um tanto atrasada, mesmo assim ainda não havia sido chamada pelo doutor. Melhor assim, pensei. A sala de espera lotada. Algo notei, recentemente: parece que ninguém com menos de oitenta anos de idade tem catarata. Há uma exceção: Diva Latívia. Por isso mesmo, quando chego ao consultório desse médico, eu me sinto uma jovenzinha. Sou a mascote daquela turma acometida desse mal.
Acomodei-me em uma poltrona da sala de espera. Ao meu lado dois senhores com uns... Uns... Noventa anos de idade. Logo adiante estava sentado um casal, a idade da dupla somada deveria alcançar duzentos anos. Depois de mim, chegou uma senhora simpática, com idade pra ser minha avó. Espertinha, lúcida. Ficou a observar meus gestos e, a cada olhar que eu lançava demonstrando tê-la flagrado, ela sorria com simpatia. Resolveu tornar-se mais íntima: - Você veio acompanhar sua mãe?
– Não senhora, a consulta é pra mim.
– Tão novinha! Já está usando óculos?
– Não senhora, não mais, fiz a cirurgia de catarata.
– O quê?! Catarata? Uma mocinha da sua idade?
Eu me senti uma adolescente. Acho, minhas ruguinhas ao redor dos olhos receberam uma espécie de botóx de felicidade. Há quanto tempo ninguém me chamava de mocinha? Nem sei, acho que desde que era uma mocinha.
O médico demorou muito pra chamar um paciente. Uma demora irritante! Paciente-impaciente, decidi folhear uma revista. Levantei-me da poltrona, dirigi-me ao outro lado da sala. Escolhi uma dessas revistas que contam o que vai acontecer no próximo capítulo da novela. Não assisto, mas gosto de me manter bem informada. Revistinha escolhida, caminhei até o meu lugar. Comecei a folhear a revista. Estava lá, descobrindo que o cangaceiro bonitão da novelinha das 6 vai casar com a donzela. Aquele ator... Domingos... Não lembro o sobrenome. Digno de transformar qualquer diva em rainha do cangaço. Estava entretida, quando fui interrompida pela discussão do casal idoso.
– Demétrio, velho sem vergonha!
– Que é isso, minha velha?
– Safado, você não presta, Demétrio!
– Não fiz nada, tá louca Marieta?
– Não pode passar por você mulher bonita, que você logo fica olhando o traseiro dela? E apontou na minha direção.
Enfiei meu nariz na revista e tentei não rir. O tiozinho tinha olhado pro meu traseiro? Seria possível isso? – E loira, sempre as loiras. Não pode ver loira que logo se acha o Don Juan. Você, Demétrio, não é nenhum galã de novela, não se parece nada com o William Bonner. Essa moça nunca que vai te dar bola. Quer ver? – Mocinha, você acha que meu marido tem idade pra ser seu namorado, ou meu marido tem idade pra ser seu avô?
Que roubada! Como eu poderia responder sem magoar os sentimentos deles dois? Pensei depressa, dissimulando minha real opinião: - o senhor é tão simpático, que casal bonito, parabéns! Vocês têm a idade dos meus pais.
Achei que, com isso, eu teria resolvido o problema. Mas, ao contrário, arrumei uma confusão pior ainda.
O tal do Demétrio resolveu protestar. – Seu pai tem que idade, jovem?
– Setenta anos.
- Eu tenho sessenta e oito, portanto sou mais jovem que seu pai!
Diante de tamanha marmelada, Marieta meteu-se pelo meio da conversa. – Sessenta e oito??? Mentiroso! Você tem...
Fomos interrompidos. O doutor finalmente me chamou! Mais do que depressa, entrei em sua sala. Aliviada, quase uma refugiada da guerrilha instalada na sala de espera.
Quando terminou a consulta, saí apressada em direção à porta da rua. Medo que aqueles dois me vissem e toda a confusão recomeçasse. Olhei pra trás, lá estavam eles sentadinhos, sem mais brigar. Acenaram um “tchauzinho”. Demétrio lançou uma piscadinha.
Eu, uma jovenzinha de cinquenta anos. Uma loira L´Óreal, irresistível para quem ultrapassou os oitenta anos de idade. Quem diria? Musa da terceira idade!
Em casa,finalmente. Morta de fome. Resolvi preparar uma saladinha. Enquanto picava tomates, ri sozinha: Divo que se cuide, sua concorrência tem o glamour dos filmes em preto-e-branco da sessão da tarde.
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
26 de ago. de 2011
GLAMOUR EM PRETO-E-BRANCO
Quando voltei pra casa, já tinha passado do horário do almoço. Estômago nas costas, barriga roncando a reclamar de fome. O dia começou atrapalhado. Atrasada, quase perdi a hora marcada no médico. Consulta com o oftalmologista, cuidado pós-cirúrgico. Cheguei um tanto atrasada, mesmo assim ainda não havia sido chamada pelo doutor. Melhor assim, pensei. A sala de espera lotada. Algo notei, recentemente: parece que ninguém com menos de oitenta anos de idade tem catarata. Há uma exceção: Diva Latívia. Por isso mesmo, quando chego ao consultório desse médico, eu me sinto uma jovenzinha. Sou a mascote daquela turma acometida desse mal.
Acomodei-me em uma poltrona da sala de espera. Ao meu lado dois senhores com uns... Uns... Noventa anos de idade. Logo adiante estava sentado um casal, a idade da dupla somada deveria alcançar duzentos anos. Depois de mim, chegou uma senhora simpática, com idade pra ser minha avó. Espertinha, lúcida. Ficou a observar meus gestos e, a cada olhar que eu lançava demonstrando tê-la flagrado, ela sorria com simpatia. Resolveu tornar-se mais íntima: - Você veio acompanhar sua mãe?
– Não senhora, a consulta é pra mim.
– Tão novinha! Já está usando óculos?
– Não senhora, não mais, fiz a cirurgia de catarata.
– O quê?! Catarata? Uma mocinha da sua idade?
Eu me senti uma adolescente. Acho, minhas ruguinhas ao redor dos olhos receberam uma espécie de botóx de felicidade. Há quanto tempo ninguém me chamava de mocinha? Nem sei, acho que desde que era uma mocinha.
O médico demorou muito pra chamar um paciente. Uma demora irritante! Paciente-impaciente, decidi folhear uma revista. Levantei-me da poltrona, dirigi-me ao outro lado da sala. Escolhi uma dessas revistas que contam o que vai acontecer no próximo capítulo da novela. Não assisto, mas gosto de me manter bem informada. Revistinha escolhida, caminhei até o meu lugar. Comecei a folhear a revista. Estava lá, descobrindo que o cangaceiro bonitão da novelinha das 6 vai casar com a donzela. Aquele ator... Domingos... Não lembro o sobrenome. Digno de transformar qualquer diva em rainha do cangaço. Estava entretida, quando fui interrompida pela discussão do casal idoso.
– Demétrio, velho sem vergonha!
– Que é isso, minha velha?
– Safado, você não presta, Demétrio!
– Não fiz nada, tá louca Marieta?
– Não pode passar por você mulher bonita, que você logo fica olhando o traseiro dela? E apontou na minha direção.
Enfiei meu nariz na revista e tentei não rir. O tiozinho tinha olhado pro meu traseiro? Seria possível isso? – E loira, sempre as loiras. Não pode ver loira que logo se acha o Don Juan. Você, Demétrio, não é nenhum galã de novela, não se parece nada com o William Bonner. Essa moça nunca que vai te dar bola. Quer ver? – Mocinha, você acha que meu marido tem idade pra ser seu namorado, ou meu marido tem idade pra ser seu avô?
Que roubada! Como eu poderia responder sem magoar os sentimentos deles dois? Pensei depressa, dissimulando minha real opinião: - o senhor é tão simpático, que casal bonito, parabéns! Vocês têm a idade dos meus pais.
Achei que, com isso, eu teria resolvido o problema. Mas, ao contrário, arrumei uma confusão pior ainda.
O tal do Demétrio resolveu protestar. – Seu pai tem que idade, jovem?
– Setenta anos.
- Eu tenho sessenta e oito, portanto sou mais jovem que seu pai!
Diante de tamanha marmelada, Marieta meteu-se pelo meio da conversa. – Sessenta e oito??? Mentiroso! Você tem...
Fomos interrompidos. O doutor finalmente me chamou! Mais do que depressa, entrei em sua sala. Aliviada, quase uma refugiada da guerrilha instalada na sala de espera.
Quando terminou a consulta, saí apressada em direção à porta da rua. Medo que aqueles dois me vissem e toda a confusão recomeçasse. Olhei pra trás, lá estavam eles sentadinhos, sem mais brigar. Acenaram um “tchauzinho”. Demétrio lançou uma piscadinha.
Eu, uma jovenzinha de cinquenta anos. Uma loira L´Óreal, irresistível para quem ultrapassou os oitenta anos de idade. Quem diria? Musa da terceira idade!
Em casa,finalmente. Morta de fome. Resolvi preparar uma saladinha. Enquanto picava tomates, ri sozinha: Divo que se cuide, sua concorrência tem o glamour dos filmes em preto-e-branco da sessão da tarde.
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2 comentários:
Já ganhou mais um leitor!
Excelente história, muito engraçada. O blog vai pros favoritos!
Ulisses,
Obrigada pelo comentário! Seja bem-vindo e obrigada!
Cláudia
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