
A fera que em mim habita amanheceu inquieta, despertou-me antes do sol raiar. Afiou as garras, mostrou os dentes pontiagudos, rugiu. Fugiu de mim, libertou-se inesperadamente. Fingi não reparar, ocupei-me com afazeres banais. Lá estava o bicho, a observar meus passos, persistente. Meus pensamentos observados, meus gestos acompanhados por seus olhos amendoados, sem brilho, olhar opaco. A fera que adestrava diariamente escapou da jaula. Capturá-la requeria cautela e habilidades muitas. Isolamento, reflexão, estratégia. Angústia! Fitei longamente seus olhos, contendo meus piores instintos. Aproximei-me cuidadosamente, sem hesitar, sem retroceder meus passos. Estendi a mão lentamente em sua direção e chamei-a com o tom de voz firme, sem revelar qualquer temor. Passo a passo, mais e mais perto, contendo meu pior inimigo: o medo de mim. Senti o odor de seu hálito, o calor de seu corpo gigantesco. Afaguei-a, aproximei-me tanto que, praticamente, nos tornamos uma só. Trouxe-a de volta pra dentro de mim, no mais obscuro labirinto de minha consciência. Lugar seguro, inofensivo, trancafiada novamente. Despertei aliviada, enfim sã e salva, a fera adormecida, enjaulada novamente. Um pesadelo! Sonhei ter fugido de mim.
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