Há um tema que sempre volta aqui, em meus textos. Um assunto complexo e que considero ao mesmo tempo subjetivo e objetivo: casamento.
Desde crianças, nos contos de fadas com final feliz, aprendemos que para casar com alguém é preciso amor. Esse o sentimento mais puro e nobre que alguém pode carregar no peito e entregar a alguém. Cinderela conseguiu essa façanha, de Gata Borralheira transformou-se em princesa, mas penou horrores até conquistar a etapa final. Lavou chão, aturou a madrasta e as irmãs malvadas, foi inicialmente impedida de ir à festa no castelo do príncipe e, não fosse a ajudinha extra da fada-madrinha, sequer teria conhecido o ser amado. Na vida real não existe fada-madrinha e, falando sério, homem não é príncipe, mulher não é Cinderela.
Na adolescência costuma acontecer o primeiro amor, aquela paixão inesquecível. Tira o sono, tira a fome, tira a concentração da gente. Sonhos, delírios, uma experiência vasta com emoções marcantes. Quase sempre fica apenas na lembrança, o ser amado torna-se adulto e segue sua vida, muitas vezes sequer temos dele, ou dela, uma só notícia, isso anos e anos mais tarde.
É tudo aprendizado, o amor romântico ensina muito, incansavelmente e, para ser mais exata, durante toda a vida. Um namoro começa, aos poucos a névoa da paixão se dissipa. Nesse momento resta apenas a dupla, sem muitos floreios. Lá estão ambos, do jeito que são. A expectativa de realizar o tal do final feliz, coisa incutida em nossas cabeças desde a infância, começa a tornar-se um desafio, afinal o príncipe esperado é apenas um cara normal, com manias que podem ser desagradáveis, planos futuros que podem ser individuais. Idem quanto à amada, que bem pode revelar-se alguém cheia de “defeitos” aos olhos de seu par. Eis que, então, a sorte está lançada! Será possível amar alguém sem jogar sobre esses ombros os sonhos, as ilusões, os traumas e as enormes expectativas? Amar sem iludir-se, sem responsabilizar integralmente o parceiro, ou parceira, pelo sucesso ou insucesso do relacionamento? Complicado.
Tenho ultimamente escutado algo: pra quê serve casamento, se hoje em dia a lei não mais protege de modo eficaz aqueles que se casam? Isso depende não apenas do ponto de vista de cada um, mas creio que das intenções verdadeiras de cada um. Há pessoas que não se casam legalmente, que vivem juntas e, sabemos disso, unir-se a alguém não significa simplesmente assinar um papel, um contrato. Para unir-se a alguém é preciso vontade, disposição, determinação e mesmos objetivos. Sim, o amor é essencial, mas esse amor não é puramente romântico. E é aí que reside o X da questão. Para conservar o relacionamento, o casamento, é preciso ser mais do que marido, mais do que esposa: é preciso ser amigo de seu par. Vou tentar explicar o que penso a respeito disso que falei. A vida é uma sequência ilógica de surpresas, boas e ruins. Voltarei à estória da Cinderela. Já imaginaram se, ao dar à luz ao primeiro filho, a Cinderela tivesse engordado 20, 30 kg? Ela teria perdido aquela silhueta delicada, cinturinha tão fininha. Certamente, seu pé que coube naquele minúsculo sapatinho de cristal, ganharia nova numeração. Andaria menos disponível para o príncipe e sempre às voltas com o bebê. Talvez, para compensar essa “perda” temporária da esposa, o príncipe começasse a sair mais com os amigos, navegar durante a madrugada na internet, achasse algo que aliviasse a mudança que ocorreu em seu casamento. Algo parecido com o que, algumas vezes, acontece na vida real?
Quanto mais alguém se relacionar com o par, melhor haverá de conhecê-lo, mas para efetivamente conhecer alguém é necessário passar por diversas situações juntos. Portanto, para saber se um casamento vai dar certo, se um casamento terá durabilidade ou não, é preciso viver esse casamento. Não adianta nada assinar um papel achando que isso será garantia de felicidade. Nem adianta também não assinar nenhum papel imaginando que isso será garantia de imunidade emocional ou material, para o caso de não dar certo o relacionamento no futuro. O ideal seria casar-se desejando que tudo corra bem, mas sabendo que poderá não durar até o final da vida, até porque não somos eternos, somos mortais.
Imagine um lago bonito, água aparentemente límpida. Dia ensolarado e quente. Vontade de mergulhar e refrescar-se. Coloca-se na água a pontinha do pé – fria – imagina-se, então, se naquele lago a água é muito profunda, se há algum jacaré, algum peixe com dentes afiados, talvez uma serpente venenosa? Tira-se então o pé da água, lembrando que é perigoso nadar em local desconhecido. Vai embora suando, derretendo sob o sol. Para trás de si o lago, com sua profundidade e riscos não assumidos. É perigoso? Depende. Como se diz por aí, em rio que tem piranha, jacaré nada de costas. Porém, viver é assumir riscos necessários e assumir as consequências de nossas atitudes. Se acontecer um afogamento, por exemplo, a culpa não será do lago, mas algo natural. Se acontecer uma insolação, por falta do refresco necessário, será responsabilidade de quem, sabendo que água e sombra são fundamentais para a sobrevivência, preferiu não refrescar-se naquele lago. Por medo do desconhecido!
Assim é o casamento.Ainda que sejamos bons nadadores, bons remadores, a qualquer momento, ainda que décadas mais tarde, poderemos prender o pé em alguma pedra, tronco, poderemos ter câimbra e virá o afogamento. E de quem será a culpa? De ninguém. Relacionamentos são assim, feitos a cada braçada. Se um dia chegam ao fim é porque não somos personagens de estórias infantis. Somos seres humanos, de carne e osso, gente de verdade. Nem tudo é pra sempre, ao nosso modo. E, casamento, ainda que sem contrato, sem assinatura de um papel, é muito mais a determinação contínua de um casal, objetivo comum, do que mera formalidade legal.
Felizes para sempre? Nem sempre. O que importa mesmo é não desistir de amar, não carregar o passado como quem leva pra sempre um piano nas costas. Não atirar esse peso sobre os ombros do novo par. Não recusar-se a mergulhar no lago com medo de se afogar, por mera covardia. Com papel, sem papel, tanto faz. Ser feliz é fazer alguém feliz. Sendo assim, casar com alguém é um pacto de felicidade, ainda que aconteçam coisas ruins, ainda que os dias não sejam todos cor-de-rosa, ainda que a princesa fique parecida com a Fiona ( Shrek), ainda que o príncipe tenha manias, no mínimo, irritantes.
O relacionamento amoroso pode ser a mais rica experiência de um ser. Um treino constante de superação, tolerância e respeito à individualidade do par. Esse aprendizado é contínuo, perdura nas bodas de ouro do casal e pode ir muito além. Casamento feliz não tem receita, não tem fórmula mágica. Quem ama constrói, quem ama agrega. Eis que um dia, de repente, olha-se ao redor e nota-se a raiz profunda, os frutos, a beleza do relacionamento. Isso quando realmente há o amor. E quando não há o amor, quando um está simplesmente aturando o outro, o jeito é parar pra pensar nos motivos disso. Casamento não é prisão, casamento não é castigo. A lei não protege o coração de ninguém. Lei não é seguro afetivo.
Observei as fotos do casamento do príncipe de Mônaco. Linda a noiva! Um dia casei, depois me divorciei, também já fui a noiva, vivi o que precisava para chegar no dia de hoje, com a experiência que tenho comigo. Olhei para o meu lado, Divo Latívio sentado no sofá da sala, comendo salgadinho, bebendo sua cervejinha, pijaminha surrado, meio descabelado, distraído assistindo um programa na TV. Segurei sua mão e suspirei feliz, finalmente aprendi a valorizar o que é verdadeiro: AMOR!
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